X Encontro Anual APEG 2023: O gás como pilar na transição energética
O décimo encontro anual da APEG reuniu vários especialistas do setor de energia e indústria para debaterem os desafios e as oportunidades que a transição energética traz aos produtores e consumidores.
A Associação Portuguesa de Empresas de Gás (APEG) organizou, na Fundação Centro Cultural de Belém, o X Encontro Anual APEG 2023, que decorreu durante a manhã do dia 29 de junho. Nesta edição, os debates centraram-se nos desafios atuais e futuros, assim como nas oportunidades, que os gases renováveis, como o hidrogénio e o biometano, representam para o futuro do setor gasista, na ótica da descarbonização da economia.
Na abertura do evento, Jorge Lúcio, presidente da APEG, começou por enaltecer o trabalho feito no último ano em relação à gestão do gás na Europa, fruto da guerra entre a Rússia e a Ucrânia.
"Devido à agressão à Ucrânia, houve uma inflação de preços e uma dificuldade de fornecimento de gás. O gás foi utilizado como arma política e toda a Europa se viu confrontada com uma situação inimaginável em termos de segurança de fornecimento. Por isso, a UE e Portugal decidiram de uma forma solidária fazer um esforço que tornou possível ultrapassar o inverno. Hoje olhamos para o futuro de forma menos preocupada, mas temos de pensar o que aprendemos para evitar que situações semelhantes tornem a acontecer.”
Nesse sentido, o presidente da APEG destacou a necessidade de se avançar para a descarbonização da sociedade, “mas de forma controlada”. “O sistema de gás natural também está suportado por uma rede de infraestruturas em excelente estado e era interessante reaproveitar estas infraestruturas para outro tipo de gás, como o hidrogénio ou o biometano“, acrescentou.
Desafios regulatórios
No entanto, a introdução de hidrogénio na rede está dependente de vários processos regulatórios, que se tornam um desafio para a transição. “Isto é mais que uma transformação, isto é uma metamorfose energética. O modelo que teremos em 2050 não terá nada a ver com o que temos hoje e isso levanta questões como: A liberalização da concorrência será colocada nessa altura? Existirá mercado interno europeu? Como mudamos o modelo, como é que os consumidores são envolvidos?”, questionou Pedro Verdelho, presidente da ERSE. E como tudo isto se torna real? De acordo com o responsável da ERSE, do lado da procura, é necessário adaptar toda a tecnologia que vai substituir os combustíveis fósseis.
"Estas tecnologias também são motivadas por razões económicas porque elas são mais baratas. O acesso a capital é mais acessível, as taxas de financiamento são mais baratas em tecnologias renováveis.”
Os passos para essa transição energética, segundo Pedro Verdelho, são a integração de sistemas energéticos e a economia circular de energia (como o Green Deal e H2 e Gás renovável; integração de sistemas; novos atores de tecnologias e negócio; sociedade neutra em carbono; e eficiência energética), a integração de proximidade e a economia circular local da energia (através do Pacote de Energia Limpa; do empoderamento dos consumidores; do auto consumo; das comunidades de energia; e do peer-to-peer), e do aprofundamento da integração de mercados e a economia global de energia (através dos 1º, 2º, 3º pacotes legislativos da UE; da liberalização; do unbundling; do mercado interno de energia; de novas entidades europeias e códigos de rede).
Os objetivos são, de acordo com o presidente da ERSE, “facilitar a integração de gases renováveis em redes existentes; fomentar o desenvolvimento de infraestruturas e mercado de hidrogénio; promover o planeamento integrado de eletricidade, gás e hidrogénio; melhorar a resiliência e a segurança de abastecimento, estendendo-as também aos gases renováveis; promover o envolvimento dos consumidores e alargar ao gás os direitos previstos na Diretiva de Eletricidade”.
Geopolítica e Energia
Por sua vez, Felipe Pathé Duarte, investigador e professor na Nova School of Law, apresentou o impacto que esta transição energética pode trazer ao sistema geopolítico: “Quando falamos de geopolítica, falamos de geografia e uma das formas de ter poder sobre as geografias é aproveitá-las para poder controlar recursos para favorecer a sua soberania“. O professor garantiu mesmo que “a geopolítica está indissociada da energia“, mas explico que nos últimos 10/15 anos há duas tendências que têm transformado a relação das duas, nomeadamente as alterações climáticas e a digitalização. “Com o game changer da invasão russa, estas duas tendências foram resfriadas”, acrescentou.
Felipe Pathé Duarte destacou, por isso, dois vetores que considera que terão um impacto nesta relação. O primeiro está relacionado com a alteração do comércio energético que, na sua opinião, vai estar cada vez mais regionalizado, e o segundo tem a ver com uma consequente alteração das tensões conflituais normais.
"A mudança mais profunda pode ocorrer numa regionalização da energia. Pode haver uma nova tendência que leve a que países com potencial abundante de produção de energia renovável possam tornar-se exportadores através de redes regionais de energia. Isto vai promover o aumento da interdependência energética. Por outro lado, isso pode dar origem a uma competição por recursos sustentáveis, o que pode ser igualmente um fator de instabilidade.”
Preços e competitividade
Depois das duas primeiras intervenções sobre os desafios regulatórios e geopolítica e energia, seguiu-se um painel de debate com o tema “Preços e Competitividade”, moderado por Rosália Amorim, diretora do Diário de Notícias. O debate, antecedido por uma breve apresentação do keynote speaker Eduardo Teixeira, diretor de mercados e concorrência da ERSE, contou com a presença deste responsável, mas também de Vítor Machado, responsável pelas áreas de produtos e serviços da DECO; José Costa Pereira, administrador da VEOLIA; e Vera Vicente, Head of Interprise Iberia da Galp.
“Quando nos perguntam se a crise já passou, temos que questionar: Qual crise? Temos que nos lembrar que nós também temos uma crise climática. E esta é o pano de fundo que nos faz mover para este processo transformacional e para esta transição energética. E esta é uma crise mais presente. Depois temos crises conjunturais, como a pandemia ou a guerra na Ucrânia, que são aquelas que não se podem prever. Ainda assim, eu acho que um elemento de esperança é o facto de que alguns fatores mostram que temos aprendido alguma coisa no caminho e há um grau de reorganização”, começou por dizer Eduardo Teixeira.
Quando questionada se o pior, em termos de preço, já tinha passado, Vera Vicente, Head of Interprise Iberia da Galp, explicou que, atualmente, os preços estão relativamente estáveis. “Temos os stocks europeus com um armazenamento de 76%, o que significa que estamos com um avanço de dois meses face ao que se verificou no ano passado. Por isso, eu diria que, no Verão, não havendo nenhuma alteração de circunstância inesperada, podemos esperar um nível de estabilização de preços nestes níveis que temos atualmente, o que não significa que isto seja um garante para os preços de inverno”, disse.
Já Vítor Machado realçou a oportunidade que foi dada aos consumidores para regressarem às tarifas reguladas para o gás que, no entanto, na sua perspetiva, não foi bem aproveitada: “A medida foi transitória, por 12 meses. Em setembro será reavaliada, mas ficou aquém das expectativas. Os últimos números apontam para cerca de 150 mil clientes, o que é pouco para aquilo que era expectável”.
Por sua vez, José Costa Pereira, administrador da VEOLIA, garantiu que não é possível não introduzir gases de origem renovável. “Para isso não acontecer, temos de conseguir ter a possibilidade de conseguir introduzir gás renovável num sistema circular dentro do processo industrial. Isto já está a acontecer nas cervejeiras e nas cidades. A má notícia é que parte disto não vai passar pelas redes de gás, vai ser consumido diretamente pela empresa que produz o resíduo”, explicou.
O papel do hidrogénio e do biometano na regeneração do futuro
Sérgio Goulart Machado, Head of Hydrogen na Galp, aprofundou o tema do hidrogénio e enalteceu que a Galp vê esta opção como um substituto de combustíveis fósseis tradicionais, que pode ser aplicado na mobilidade, “sempre e só quando não se conseguir uma melhor solução, ou seja quando a eletrificação não for a melhor solução”, na produção de calor, “sobretudo para processos industriais, em que são necessárias fontes calor de altas temperaturas que dificilmente se conseguem eletrificar”.
Nesse sentido, o responsável da Galp apresentou os vários projetos em que a empresa já está a apostar, com vista à descarbonização. A grande aposta tem sido a descarbonização da central de Sines, uma vez que esta é o maior emissor, enquanto unidade, de CO2 em Portugal. “Temos um projeto-piloto, de 2MW, no coração da refinaria de Sines. O objetivo é injetar este hidrogénio verde e utilizá-lo nas unidades onde hoje utilizamos hidrogénio. Temos, também, um projeto de 100MW, mais a longo prazo, também na refinaria de Sines, que visa substituir o hidrogénio cinzento pelo hidrogénio verde. Depois há, ainda, outro projeto de 100MW, desenvolvido num consórcio com mais cinco empresas e co-liderado com a EDP, nos terrenos da antiga central de carvão em Sines“.
Além do hidrogénio verde, há outras opções que podem ser usadas sem tantos desafios regulatórios, como é o caso do biometano, que substitui diretamente o gás natural. Paulo Preto dos Santos, diretor executivo da Dourogás Renovável, trouxe para a discussão os vários projetos que a empresa tem desenvolvido para a utilização de biometano em substituição de combustíveis fósseis.
“O primeiro projeto-piloto, iniciado em 2017 pela Dourogás, trata-se de um biogás de aterro. Aquilo que a Dourogás fez foi instalar uma purificação desse biometano e esse biometano está hoje a ser injetado na rede local. O segundo projeto, iniciado em 2022, faz a conversão de lamas de ETAR em biometano, na estação de tratamento de águas residuais de Loures”, disse.
De acordo com o responsável da Dourogás Renovável, esta é “uma energia renovável, armazenável, eco sustentável e economicamente viável“. Atualmente, a Dourogás tem em desenvolvimento mais nove projetos de desenvolvimento de biometano e Paulo Preto dos Santos apresentou os desafios e as oportunidades que têm observado neste percurso: “Os desafios estão relacionados com a complexidade do licenciamento, com a utilização de biogás para produção de eletricidade, com o pouco investimento e conhecimento no aproveitamento dos resíduos, sobretudo no setor agrícola; com a falta de cobertura de rede de distribuição de gás; e com os custos de produção. Já as oportunidades passam por um enquadramento legal cada vez mais favorável para a produção de gases renováveis; pela utilização de recursos endógenos para a produção de energia; pela segurança de abastecimento e independência energética; pela descarbonização e alargamento das redes de gás e pela descarbonização da mobilidade”.
Infraestruturas para gases renováveis
O último painel de debate do evento, moderado por António Costa, diretor do ECO, teve como tema “Infraestruturas para gases renováveis” e, à semelhança do que aconteceu no primeiro, também foi antecedido por um keynote speaker, nomeadamente Pedro Palencia, diretor de Relações Institucionais da Sedigas.
Além do keynote speaker, esta mesa-redonda também contou com a presença de Pedro Furtado, diretor de Regulação e Estatística da REN; Paulo Martins, da Divisão do Estudo de Investigação e Renováveis da Direção Geral de Energia e Geologia; e António Dias, diretor- geral do Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro.
“O sistema só fará sentido se conseguirmos facilitar a competitividade e se houver uma digitalização do mesmo. A futura rede de hidrogénio será uma evolução da rede de gás”, começou por dizer Pedro Palencia.
A complementar a ideia do keynote speaker, Pedro Furtado também ressalvou a importância das redes enquanto pontes para o mercado, de forma a permitirem a livre escolha de produtores e consumidores. E, no mesmo âmbito, o responsável da REN também mencionou o papel da regulação: “A regulação tem um papel particular na regulação económica. Há a regulação técnica e há um quadro legal: no quadro legal, o governo português já teve a antecipação de colocar em lei a utilização do blending como solução de transição para o sistema nacional. Mas há todo um caminho para que se passe da produção e consumo locais e para perceber como será o acesso dos consumidores ao mercado e como o hidrogénio e gases renováveis entram na equação”.
“Neste momento temos muitas intenções de projetos, mas temos muito poucos projetos no terreno. A nossa estratégia nacional para o hidrogénio vai duplicar ou triplicar a nossa ambição em termos de capacidade, em função das intenções de investimento já conhecidas”, disse, por sua vez, Paulo Martins, da Divisão do Estudo de Investigação e Renováveis da Direção Geral de Energia e Geologia.
Do lado da indústria, António Dias, diretor-geral do Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro, revelou que, por serem consumidores intensivos de energia, “há uma pressão muito grande para a descarbonização sobre indústria da cerâmica e do vidro“. E, na sua opinião, o caminho para conseguirem descarbonizar este setor passa pela eficiência energética e pela substituição dos combustíveis, no entanto, o responsável também ressalvou que uma substituição na medida que está a ser pensada poderá não ser suficiente.
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