Alargamento e desafio ao dólar, a cimeira dos BRICS em cinco perguntas e respostas
Expansão do grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul está no centro do debate do encontro. Mais de 40 candidatos partilham o desejo de "nivelar" um campo que favorece o Ocidente.
Arranca esta terça-feira, dia 22 de agosto, a 15.ª cimeira anual do grupo BRICS. Os chefes de Estado e de Governo do Brasil, da Rússia, da Índia, da China e da África do Sul debatem em Joanesburgo, até 24 de agosto, o distanciamento do dólar e o alargamento a outros países.
Quando nasceu o BRICS? Que países fazem parte do grupo?
Em 2009, a Rússia deu o “pontapé de saída” para formar um bloco de países com o objetivo de fazer frente à ordem mundial liderada pelos EUA e as potências económicas do chamado Ocidente. Unindo-se ao Brasil, à Índia e à China, nasceu o grupo BRIC, inspirado no acrónimo cunhado anos antes por Jim O’Neill – que era, na altura, o economista-chefe do Goldman Sachs – num trabalho de investigação que sublinhava o potencial de crescimento destas quatro economias.
Dois anos depois da sua oficialização na cimeira de Ecaterimburgo, na Rússia, juntou-se ao grupo a África do Sul, assumindo assim a designação atual de BRICS. Os cinco países representam, em conjunto, mais de 40% da população mundial e um quarto da economia global.
Os BRICS têm um braço económico?
Em 2014 foi anunciada a criação do Novo Banco de Desenvolvimento, uma instituição financeira que, desde a sua formalização, emprestou mais de 30 mil milhões de dólares para projetos de infraestruturas, energia renovável e transportes nos países membros. No mesmo ano, foi formado o Fundo de Reservas do BRICS, com 100 mil milhões de dólares, para preservar a estabilidade financeira das cinco nações em tempos de crise.
Importa notar que o BRICS não é uma organização formal como as Nações Unidas, o Banco Mundial ou a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), ou sequer um bloco económico, como é o caso da União Europeia. Ainda assim, funciona por consenso e cada país assume a presidência rotativa do grupo durante um ano, sendo que os seus cinco membros fazem parte do G20, o grupo que reúne as 20 principais economias.
O que está em discussão nesta cimeira?
O grande tema em cima da mesa na cimeira de três dias, que decorre no distrito de Sandton, na capital financeira sul-africana, é a expansão do grupo a mais países. O alargamento sempre esteve na agenda do BRICS – de tal modo que a África do Sul entrou no bloco um ano e meio depois da primeira cimeira –, sendo impulsionado sobretudo pela China, mas tem enfrentado a resistência dos restantes membros.
No entanto, o contexto atual é diferente daquele em que o mundo se encontrava em 2010, sobretudo se se tiver em conta a pandemia de Covid-19, que fez aumentar a insatisfação dos países em desenvolvimento face aos Estados mais ricos. Embora esteja a enfrentar uma fase de abrandamento económico, Pequim consolidou-se como potência e viu crescer a sua capacidade de influência a nível internacional; Moscovo precisa de apoio de outros países numa altura em que está em guerra contra a Ucrânia e enfrenta pesadas sanções dos EUA e respetivos aliados; a África do Sul vê o seu papel de liderança no continente africano questionado perante economias em crescimento na região.
Aparte do alargamento a outros países, é provável que sejam debatidas formas de acelerar o distanciamento do dólar norte-americano, através de uma maior utilização de moedas locais no comércio entre os países membros. Porém, em declarações à agência noticiosa Bloomberg, Jim O’Neill considerou que a ideia de que uma moeda comum do BRICS poderia superar o dólar é uma “loucura”.
O encontro conta com a presença do Presidente do Brasil, Lula da Silva, do primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, do Presidente chinês, Xi Jinping, e ainda do Chefe de Estado da África do Sul, Cyril Ramaphosa. O Presidente russo, Vladimir Putin, é o único líder do BRICS que não estará fisicamente presente na cimeira (apenas por videoconferência), devido ao mandado de detenção de que é alvo pelo Tribunal Penal Internacional por alegados crimes de guerra na Ucrânia. Em Joanesburgo, estará representado pelo chefe da diplomacia russa, Serguei Lavrov.
O presidente francês, Emanuel Macron, chegou a sugerir a sua participação neste fórum, mas o convite formal nunca chegou ao Eliseu.
Quais os países que querem aderir ao BRICS?
Entre o Irão, a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos, a Argentina, a Argélia, a Bolívia, a Indonésia, o Egito, a Etiópia, Cuba, a República Democrática do Congo, as Comores, o Gabão e o Cazaquistão contam-se mais de quatro dezenas de países que já manifestaram interesse em aderir ao grupo, de acordo com as autoridades sul-africanas, que presidem à cimeira deste ano.
Para estes países, o BRICS é um sinal de esperança, já que esperam que a adesão ao bloco lhes traga benefícios como o financiamento do seu próprio desenvolvimento económico e um aumento do comércio e do investimento.
O Irão, que detém cerca de um quarto das reservas de petróleo do Médio Oriente, espera que o mecanismo de adesão seja decidido “o mais rapidamente possível”, ao passo que a Arábia Saudita esteve entre os países que participaram nas conversações dos “Amigos dos BRICS” na Cidade do Cabo, no passado mês de junho, tendo recebido o apoio da Rússia e do Brasil para se juntar ao grupo.
Precisamente sobre a adesão da Arábia Saudita ao BRICS, Jim O’Neill antecipa que seria “um grande negócio”, observando que os laços tradicionalmente estreitos do país com os EUA e o seu papel como o maior produtor de petróleo do mundo acrescentariam peso ao bloco. O economista admite mesmo que a adesão de mais países ao BRICS será economicamente importante se a Arábia Saudita for um deles; caso contrário, é difícil ver o interesse.
Na América do Sul, a Argentina afirmou, ainda em julho do ano passado, ter recebido o apoio formal da China na sua candidatura ao grupo. O Presidente da Bolívia, Luis Arce, manifestou interesse em aderir ao BRICS e espera-se que participe na cimeira, mostrando-se determinado a reduzir a dependência do dólar no comércio externo.
A Etiópia, uma das economias de crescimento mais rápido de África, avançou em junho que tinha pedido para aderir ao bloco, com um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros a dizer que o país vai continuar a trabalhar com instituições internacionais que possam proteger os seus interesses.
Em julho, a Argélia anunciou que se candidatou a membro do grupo, bem como a acionista do Novo Banco de Desenvolvimento. A nação norte-africana é rica em recursos de petróleo e gás e está a tentar diversificar a sua economia e a reforçar a parceria com a China e outros países.
O que dizem os analistas sobre o futuro do grupo?
“É possível que as expectativas dos candidatos ao BRICS sejam demasiado exageradas em relação ao que a sua adesão irá realmente proporcionar na prática“, afirmou Steven Gruzd, do Instituto Sul-Africano de Assuntos Internacionais, citado pela Reuters.
À medida que procura tornar-se um contrapeso ao Ocidente, face às tensões entre a China e os Estados Unidos e às consequências da invasão da Ucrânia pela Rússia, o aumento do número de membros poderia dar mais força ao BRICS e ao seu desejo de reforma global. Mas, segundo os analistas, as ambições do bloco de se tornar um ator político e económico global têm sido frustradas por divisões internas e pela falta de uma visão coerente.
Enquanto se espera que os líderes do BRICS discutam na cimeira um quadro para a admissão de novos membros, com a China e a Rússia desejosas de avançar com o alargamento, os benefícios tangíveis da adesão estão a diminuir.
Por exemplo, o Novo Banco de Desenvolvimento, ou “banco dos BRICS”, está a ser prejudicado pelas sanções contra a Rússia. Já a África do Sul, apesar de ter visto o seu comércio com os países do grupo aumentar de forma constante desde a sua adesão, segundo uma análise da Corporação de Desenvolvimento Industrial do país, deve esse crescimento em grande parte às importações da China, além de que o bloco representa somente um quinto do total do comércio bilateral sul-africano.
O Brasil e a Rússia, em conjunto, absorvem apenas 0,6% das exportações da África do Sul. Em 2022, o défice comercial do país com os seus parceiros do BRICS tinha quadruplicado para 14,9 mil milhões de dólares face a 2010. Estes resultados devem fazer com que os países candidatos pensem duas vezes antes de aderir ao grupo. “É difícil encontrar realizações concretas para os BRICS. Muita conversa, muito menos ação“, apontou Steven Gruzd.
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