Campanha arranca na Madeira, com PSD a piscar o olho à maioria absoluta

  • Joana Abrantes Gomes
  • 10 Setembro 2023

Em coligação com o CDS, sociais-democratas partem em grande vantagem para garantir mais um mandato. PS pode perder mais de metade dos deputados; IL e Chega à beira de entrar no Parlamento regional.

O calendário oficial marca o início da campanha eleitoral na Madeira para este domingo, 10 de setembro, mas os partidos já estão na rua desde há algumas semanas. Sob a liderança de Miguel Albuquerque, atual presidente do Governo regional, o PSD vai a votos junto com o CDS, à procura de recuperar a maioria absoluta que perdeu em 2019. Do lado da oposição, o objetivo é pôr fim a mais de quatro décadas sem alternância no poder.

Se, atualmente, o Parlamento madeirense pende para a direita, com o PSD a ocupar 21 lugares e o CDS-PP outros três, do total de 47, os poucos estudos de opinião têm apontado para um reforço da coligação “Somos Madeira”, formalizada pelos dois partidos em maio passado. A mais recente sondagem, da GFK para o Jornal Económico, dá mesmo força à possibilidade de maioria absoluta, ao atribuir 52,2% das intenções de voto aos sociais-democratas e aos centristas – que, desta vez, preferiram uma coligação pré-eleitoral e não pós-eleitoral, como nas regionais anteriores.

Em ações de pré-campanha, porém, o PSD e o CDS “têm aparecido mais separados do que em coligação”, assinala Teresa Ruel, professora de Ciência Política no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa (ISCSP-UL), em declarações ao ECO. Assim, questiona: “Como é que estes dois partidos pretendem igualar aquilo que foi o seu desempenho eleitoral em 2019 ou tentar superá-lo, sendo que não sabemos – e esse é o grande paradoxo das coligações – quanto é que vale cada um em separado?”.

Miguel Albuquerque, que preside a região desde 2015, já assumiu que será uma “derrota” se a coligação não atingir a maioria, sobretudo pelos resultados económicos “extremamente positivos”. Além de uma diminuição da dívida pública, a região deverá atingir o Produto Interno Bruto (PIB) “mais alto de sempre”, de 6.000 milhões de euros, e registar “uma taxa de desemprego residual” – que, no segundo trimestre, foi de 6,4%, ligeiramente superior à média nacional (6,1%), de acordo com o Serviço Regional de Estatística.

Confrontado com a eventualidade de um acordo com o Chega se o “Somos Madeira” não alcançar a maioria absoluta, o líder dos sociais-democratas no arquipélago não tem sido claro. Em 26 de agosto, o Diário de Notícias, na sequência de uma entrevista ao Novo Semanário, escrevia que Miguel Albuquerque admite acordos com o partido de André Ventura. Um dia depois, em entrevista à SIC, já negava a possibilidade, mesmo faltando os 24 deputados para a maioria.

Entretanto, na passada segunda-feira, respondeu ao Público que fazer alianças com partidos centralistas, como é o caso do Chega e de todos os partidos de extrema-direita, “está fora de questão”, por serem partidos que “são contra as autonomias”. Miguel Albuquerque recusa tratar-se de uma mudança de posição, justificando com o contexto nacional: “O que digo é uma coisa diferente. O PSD não pode embarcar nas condições impostas pelo PS para condicionar as decisões pré e pós-eleitorais do PSD nacional”.

Para Teresa Ruel, estes ziguezagues transparecem que o presidente do Executivo madeirense “perdeu o leme” e “está à espera do dia do jogo para ver qual é a tática que monta“. Um eventual acordo com o Chega, alerta a cientista política, pode fazer “colidir” a própria coligação, caso o CDS não seja favorável à junção do partido liderado por Miguel Castro a nível regional, que aparece em quarto lugar na sondagem da GFK (6,1%).

Com contas complicadas, PS apela ao voto útil

Historicamente, a Madeira não é um terreno fácil para os socialistas. O mais perto que estiveram de tirar o PSD do poder no arquipélago foi em 2019, com Paulo Cafôfo (atual secretário de Estado das Comunidades) como cabeça de lista: o candidato, que vinha de duas vitórias consecutivas na Câmara do Funchal, ainda que não sozinho e como independente, alcançou o melhor resultado do PS em legislativas na região (35,76%). Desde as eleições fundadoras, em 1976, os socialistas nunca tinham ido além de uma margem de voto entre 15% e 20%.

As sondagens para as eleições de 24 de setembro, no entanto, dão poucos motivos ao PS-Madeira para sorrir. No estudo da GFK, a candidatura liderada por Sérgio Gonçalves surge com 21,5% das intenções de voto, cerca de menos 14 pontos percentuais quando comparado com o resultado das regionais de há quatro anos, que garantiu aos socialistas 19 deputados. “Há aqui a perda iminente de mais de metade do grupo parlamentar do PS“, assinala Teresa Ruel, apontando que, “eventualmente”, a existência de mais partidos em competição “até complica as contas” aos socialistas.

No terreno, Sérgio Gonçalves, que preside o PS-Madeira desde fevereiro de 2022, diz que o partido está “mobilizado” e pretende obter “um excelente resultado”. “Os madeirenses estão fartos do atual Governo regional” e, por isso, o foco é, “acima de tudo, mudar a Madeira”, afirmou, ao Público. Evocando a taxa de risco de pobreza da região, a mais alta do país (25,9%), e os elevados preços da habitação (o valor mediano do preço da casa por metro quadrado no arquipélago está fixado em 1.697 euros, superior à média nacional de 1.565 euros), os socialistas prometem construir mais casas a preços acessíveis em todos os concelhos e reduzir os impostos.

A Iniciativa Liberal (3,8% de intenções de voto na sondagem da GFK) aponta ao objetivo de “eleger um grupo parlamentar”, sendo os “serviços mínimos” eleger um deputado. O cabeça de lista Nuno Morna admite abster-se apenas para “viabilizar políticas”. “Uma viabilização não passa por acordos”, diz, dando como exemplo o acordo escrito nos Açores, que os liberais rasgaram em março deste ano.

Mas, na Madeira, há um partido que assume uma relevância que não tem lugar no continente. Depois de ter garantido três deputados no último mandato, o Juntos Pelo Povo (JPP) pode aumentar a sua representação parlamentar, aparecendo em terceiro lugar na sondagem da GFK, com 10% das intenções de voto. “A génese do JPP é regional, mas é um partido nacional, como o PSD ou o PS. Da mesma forma que o extinto PDA (Partido Democrático do Atlântico) nasceu nos Açores”, nota Teresa Ruel.

Apesar de o JPP se ter visto envolvido em disputas internas que culminaram na demissão do líder por discordâncias com a lista, a cientista política considera que o partido tem feito um trabalho de oposição “muito interessante”. “Têm conseguido descortinar e fiscalizar a ação do Executivo, recorrendo aos tribunais para tentar aceder a informação que devia ser pública, e têm conseguido marcar a agenda em determinados tópicos essenciais, como os transportes, a saúde, a economia no setor da banana”, detalha.

Fatores “históricos” afastam alternativas no poder

Porque é que não existe alternância no poder na Madeira é a pergunta de um milhão de dólares. Desde a transição para a democracia a lideranças fracas, Teresa Ruel enumera vários fatores que têm levado o PSD a permanecer na liderança do Governo da região há 47 anos.

“Tem que ver com fatores históricos, essencialmente na parte da transição da democracia, e quando se formatou e enquadrou aquilo que seria a autonomia política e legislativa das regiões autónomas“, argumenta a cientista política. Ao mesmo tempo, o PS tem tido “lideranças fracas, um pouco o que se passa com o PSD a nível nacional”, acrescenta, apontando que “a cada derrota eleitoral, há uma substituição da liderança”.

Nesse sentido, apesar de faltarem estudos sobre o comportamento dos eleitores na Madeira, a professora do ISCSP admite que o eleitorado madeirense é “um pouco conservador”. “Há alguma iliteracia política por parte do eleitor. A própria estrutura que se foi criando para segurar estes 47 anos não é só um bom projeto político; há outras coisas associadas que alimentam esse projeto e sustentam o que é esta fidelização do eleitorado”, sugere.

Tal pode dever-se à campanha eleitoral e à intervenção política fora do Parlamento na região. “É muito peculiar, não tem expressão como a conhecemos em Portugal continental. Basicamente, a atividade política extraparlamentar é feita de pé de microfone: os partidos convocam os jornalistas, dizem o bite e está feito“, conta a cientista política, sublinhando que esta realidade faz com que “a mensagem não chegue” às pessoas.

Teresa Ruel deixa, assim, um alerta: “É sabido e mais que estudado que a não alternância de poder traz os seus perigos associados à prática democrática. Os partidos da oposição levantam essas debilidades”. É no dia 24 deste mês que os eleitores madeirenses podem escolher entre 11 partidos e duas coligações.

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