Energia, bens alimentares e salários. Conheça a rota do BCE até à inflação nos 2,1%

O BCE foi obrigado a rever em alta as projeções da inflação, em larga parte devido aos preços da energia, especialmente em 2024. No segundo trimestre a subida deverá chegar aos 7,6%.

De 72,6 dólares por barril nas projeções de junho para 82,6 dólares nas de setembro. A subida do preço médio do petróleo previsto para 2024 é uma das chaves para perceber as revisões que o staff do Banco Central Europeu (BCE) teve de fazer nas projeções da inflação e, em consequência, influenciar o Conselho a decidir mais uma subida nas taxas de juro esta quinta-feira, de 25 pontos base e a décima seguida.

O banco central liderado por Christine Lagarde vê agora a inflação no bloco da moeda única a atingir os 3,2% em 2024, face aos 3% nas projeções de junho. Para este ano, a projeção é de 5,6%, face à anterior de 5,3%. Em 2025 a inflação deverá atingir os 2,1%, uma revisão em ligeira baixa face aos 2,2% de junho, e já muito perto da meta de 2%.

A contribuição da energia nesta nova dinâmica é clara. Este ano, devido ao efeito base dos choque de preços no ano passado, a energia vai ter um efeito negativo na inflação. No entanto, enquanto nas projeções de junho este efeito estava calculado em -3,1%, agora é de apenas -1,3%. Para o próximo ano a projeção é de 5,6%, face aos 2,9% de junho. Em 2025, deverá haver uma desaceleração nas subidas dos preços energéticos, para 1,4%.

Se a energia é a chave da inflação em 2024, não é a única componente, pois os preços dos bens alimentares e os salários também deverão continuar a subir acima dos 2%.

Veja aqui as diferentes contribuições para as projeções do staff do BCE para o Índice Harmonizado de Preços do Consumidor (IHPC).

Energia: reviravolta no último trimestre de 2023

O BCE referiu que a inflação energética deverá contribuir significativamente para a descida da inflação global no curto prazo e permanecerá negativa até ao último trimestre de 2023, antes de se tornar positiva e subir para 7,4% no segundo trimestre de 2024. “Considera-se que esta reviravolta reflete novos aumentos nos preços das matérias-primas energéticas após descidas ao longo do ano passado, efeitos de base que alteram o sinal a partir do quarto trimestre de 2023 e a retirada de medidas fiscais compensatórias energéticas e da inflação”, sublinhou.

O BCE adiantou que os pressupostos técnicos para os preços do petróleo foram revistos em alta em mais de 10%, em média, ao longo do horizonte de projeção, uma vez que as preocupações com a oferta insuficiente de petróleo superaram as preocupações com a procura mundial

“No período recente, os preços do petróleo foram impulsionados por três factores principais: a decisão da OPEP+ de cortar a oferta, um défice geral de oferta (pressão ascendente) e preocupações sobre a procura de petróleo chinesa num contexto de preocupações sobre o crescimento económico do país (pressão descendente)”, vincou.

No geral, a curva de futuros do petróleo deslocou-se para cima desde as projeções de junho de 2023 (5,9% para 2023, 12,6% para 2024 e 10,6% para 2025), mas ainda se presume que o preço do petróleo cairá de 82,7 dólares por barril em 2023 para 77,9 por barril em 2025, explicou.

As cotações dos futuros tanto do barril do Brent, que é a referência na Europa, como do WTI, mais usado na América, estão perto de máximos de 10 meses, em cerca de 93 dólares e 90 dólares respetivamente.

A principal causa para a subida este ano destas cotações já vem do ano passado, quando a Organização dos Países Exportadores de Petróleo mais aliados como a Rússia (OPEP+), começaram a limitar a produção de petróleo para fortalecer o mercado. Este ano os cortes já vão nos 2,5 milhões de barris por dia. Não resultaram de imediato pois a quebra na oferta foi compensada pela de países que não estão na OPEP, como os Estados Unidos, o Brasil e o Irão. Mas o cartel liderado pela Arábia Saudita não desarmou e e vai mesmo manter os cortes na produção até ao final 2023 e já deu alguns sinais que poderá até estender as reduções para o próximo ano.

Esta quarta-feira a Agência Internacional da Energia veio alertar que essa decisão irá criar escassez significativa de oferta no mercado no quarto trimestre. Do lado da procura, apesar do arrefecimento do crescimento económico na China, Pequim não demonstra sinais de abrandar as importações de crude. Tudo isto conjugado está a levar os analistas a começarem a falar na possibilidade de o preço do barril de Brent chegar aos 100 dólares, um patamar que não toca desde julho de 2022.

Em relação aos preços do gás, o banco central realçou que aumentaram em menor grau do que os do petróleo, adiantando que os pressupostos relativos ao preço da eletricidade diminuíram.

“Os inventários elevados contribuíram para manter os preços do gás baixos, tendo a UE alcançado a sua meta de armazenamento de gás de 90% três meses antes do prazo de novembro de 2023”, explicou, adiantando que as recentes interrupções nos campos de gás noruegueses e as greves nas instalações de gás natural liquefeito da Austrália aumentaram a volatilidade do mercado e recentemente fizeram subir os preços do gás devido aos receios de oferta.

“Globalmente, a curva de futuros do gás deslocou-se ligeiramente para cima desde as projeções de junho (1,1% para 2023, 4,6% para 2024 e 2,1% para 2025)“, sublinhou. Em contrapartida, os preços futuros da eletricidade foram revistos em baixa em cerca de 6% para 2023 e 2024 e, em grande parte, não foram revistos para 2025.

Inflação alimentar desliza, mas há riscos

O BCE projeta que a inflação alimentar continue a diminuir, “dados efeitos de base significativos, aliviando as pressões acumuladas e uma presumível descida dos preços das matérias-primas alimentares na área do euro“. Depois de se situar em 9,8% em agosto de 2023, a inflação anual dos produtos alimentares deverá cair para 3,0% no segundo trimestre de 2024, refletindo um enfraquecimento pronunciado da inflação dos produtos alimentares processados e não transformados.

O banco central explicou que, no entanto, “a evolução dinâmica dos custos do trabalho e as pressões ascendentes decorrentes dos efeitos climáticos adversos relacionados, por exemplo, com as recentes secas, deverão apoiar a inflação alimentar“.

No médio prazo, a inflação alimentar deverá diminuir de forma mais gradual, atingindo uma média de 2,3% em 2025, à medida que as pressões ascendentes sobre os preços das matérias-primas alimentares diminuem e as margens de lucro normalizam, embora permaneça algo elevada devido ao crescimento dinâmico dos custos laborais.

Subidas de salários desaceleram

O BCE prevê que o crescimento dos salários nominais diminua gradualmente ao longo do tempo, mantendo-se elevado devido aos mercados de trabalho ainda restritivos e aos aumentos dos salários mínimos e à compensação da inflação.

O crescimento da remuneração por trabalhador deverá diminuir de 5,3% em 2023 para 3,8% em 2025. Para 2023, o valor mantém-se inalterado em comparação com as projeções de junho, enquanto se espera um crescimento ligeiramente inferior para 2024 e 2025, refletindo um enfraquecimento do mercado de trabalho.

“As perdas de poder de compra incorridas desde o aumento da inflação deverão ser compensadas apenas no final do horizonte de projeção“, referiu. “Prevê-se que o crescimento dos custos unitários do trabalho atinja o seu pico em 2023, antes de diminuir em 2024 e 2025, num contexto de declínio do crescimento salarial e de recuperação do crescimento da produtividade”, concluiu.

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