Tribunal de Contas arrasa controlo da despesa pública da Madeira

Nos último anos, foram detetados contratos ilegais, abusos nos ajustes diretos, falta de fiscalização na atribuição de apoios a empresas e investimento público canalizado para projetos ruinosos.

O PSD de Miguel Albuquerque segurou a Madeira nas eleições regionais deste domingo, mas agora terá de lidar com o raspanete do Tribunal de Contas, que arrasa a falta de controlo da despesa por parte do Executivo regional num documento de avaliação aos últimos anos de governação do arquipélago, divulgado esta terça-feira.

Nos últimos anos, a instituição liderada pelo juiz conselheiro, José Tavares, identificou, em vários relatórios, contratos ilegais, uso abusivo de ajustes diretos, falta de fiscalização na atribuição de apoios a empresas (como o layoff) e a instituições de solidariedade e investimento público em empresas que acumulam prejuízos de milhões de euros.

Tendo em conta “o elevado nível da dívida regional”, o estudo “No início de uma nova Legislatura. Contributo para a melhoria da gestão pública e da sustentabilidade das finanças públicas da Região Autónoma da Madeira” visa ajudar o Governo de coligação PSD-CDS, saído das eleições regionais deste domingo, a corrigir e a melhorar uma série de procedimentos na nova legislatura.

“É a primeira vez que, no início de uma nova Legislatura na Região Autónoma da Madeira, o Tribunal de Contas dá o seu contributo à Assembleia Legislativa e ao Governo Regional, num documento atual, útil e construtivo para a boa gestão e a sustentabilidade das finanças públicas”, destaca o Tribunal de Contas (TdC) no comunicado que acompanha o relatório.

As falhas apontadas e as respetivas recomendações dirigem-se aos executivos anteriores, todos do PSD, e particularmente ao de 2019-2023, liderado por Miguel Albuquerque, que foi reconduzido no cargo de presidente do Governo regional da Madeira, este domingo.

Ilegalidades na contratação pública

No âmbito da contratação pública, a instituição que fiscaliza a despesa pública alerta que deve ser adotado “o procedimento do ajuste direto previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 24.º do Código dos Contratos Públicos apenas quando se verificarem os pressupostos legais aí consagrados, de modo a acautelar os comandos legais aplicáveis e a salvaguardar o interesse público”.

Ora aquele ponto do Código dos Contratos Públicos (CCP) permite que sejam ultrapassados os limites da adjudicação por ajuste direto, isto é, sem concurso, “por motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante (…) desde que as circunstâncias invocadas não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante”. O Tribunal de Contas quis aqui sinalizar o recurso abusivo a este instrumento sem que sejam legalmente observados ou comprovados os seus pressupostos.

A Secção Regional da Madeira do Tribunal de Contas (SRMTC) “recusou ainda a concessão de visto prévio a diversos contratos adjudicados no quadriénio de 2019 a 2023, com base em ilegalidades ao regime da contratação pública”.

Também se verificaram incumprimentos das regras extraordinárias da contratação pública estabelecidas no âmbito do combate à pandemia. A secção regional do TdC detetou “falhas passíveis de colocar em risco os princípios da sã e leal concorrência para a prossecução dos interesses públicos (bem comum); da igualdade de tratamento de todos os operadores económicos para a prossecução dos interesses públicos; da transparência para a prossecução dos interesses públicos; e da imparcialidade para a prossecução dos interesses públicos”, de acordo com o mesmo documento.

Houve ainda registo de “situações de pagamento de valores em adiantamento, aumentando o risco de fornecimentos deficientes ou de serem realizados pagamentos sem contrapartida adequada”. Ou seja, o Governo da Madeira pagou acima ou abaixo dos equipamentos ou serviços contratualizados.

A contratação em período de pandemia evidenciou ainda falhas nos controlos básicos destinados “a impedir eventuais desvios de bens e a assegurar a adequada e atempada avaliação de necessidades, a monitorização dos fornecimentos em trânsito, a verificação cruzada dos documentos de despesa, a confirmação atempada da entrega dos bens e as verificações físicas quantitativas e qualitativas”, lê-se no relatório.

Apoios sem fiscalização

No âmbito da sustentabilidade da Segurança Social, que o TdC considera “tema do maior relevo”, tendo em conta “os desafios que se apresentam, designadamente o que decorre da evolução demográfica”, o relatório conclui que, entre 2016 e 2018, os apoios financeiros concedidos pelo Instituto de Segurança Social da Madeira (IP-RAM) às Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) e entidades similares ascenderam a cerca de 65 milhões de euros, destinados, anualmente, a uma média de 64 entidades, que os aplicaram maioritariamente no apoio às pessoas idosas (cerca de 62% dos apoios).

Em 2020, e na sequência da crise pandémica da covid-19, o Governo da Madeira ajudou empresas em situação de crise com vista à manutenção dos contratos de trabalho através do programa de layoff, num total aproximado de 28,5 milhões de euros. Neste âmbito, o TdC salienta que foram identificadas “muitas insuficiências e fragilidades no sistema de controlo interno associado aos apoios concedidos”.

O montante do apoio foi repartido entre as modalidades de suspensão do contrato de trabalho, que abrangeu 2.926 entidades empregadoras e custou cerca de 26 milhões de euros, e de redução do período normal de trabalho, destinado a 1.113 empresas num valor de 2,5 milhões de euros, detalha a instituição tutelada por José Tavares.

Os pagamentos às entidades empregadoras totalizaram 28,3 milhões de euros, 99,5% dos valores foram processados em 2020 e foram em média realizados passados 37 dias do pedido, de acordo com a análise da secção regional do TdC. Ora esta celeridade na aprovação e transferência dos subsídios contrasta com a lentidão da sua fiscalização.

A análise a uma amostra de oito processos de fiscalização evidenciou que o Instituto de Segurança Social da Madeira demorou, em média, 625,8 dias ou um ano e sete meses para concluir um processo de fiscalização, dos quais 253,3 dias mediaram entre a decisão de aprovação do relatório pela vogal responsável e a emissão da notificação para a reposição dos apoios, “situação de morosidade que potencia os riscos de incobrabilidade dos créditos assim determinados, seja por questões de solvabilidade dos devedores, seja pelo decurso dos prazos prescricionais”, conclui o relatório.

Ou seja, tendo em conta o longo período da fiscalização, torna-se mais difícil reaver apoios concedidos indevidamente ou porque as empresas já faliram ou porque já prescreveu o prazo para devolução.

Para além disso, “as ações de fiscalização empreendidas pelo Instituto de Segurança Social da Madeira até 17 de março deste ano incidiram apenas sobre cerca de 2% das 3.027 entidades empregadoras que beneficiaram da medida layoff simplificado, envolvendo apoios no montante de 2,3 milhões de euros”, salienta o TdC,

O Tribunal identificou insuficiências no sistema de controlo interno associado aos apoios concedidos às IPSS e detetou, em 2019, “processos de contratação de prestação de serviços médicos com ilegalidades referentes ao regime de incompatibilidades de exercício de funções públicas (acumulação de funções não autorizada), de impedimentos dos agentes na intervenção dos processos de contratação e ainda quanto aos valores contratados em incumprimento das normas remuneratórias aplicáveis à data”.

Investimentos ruinosos

Há ainda “risco de insustentabilidade de investimentos públicos”, nomeadamente na empresa EEM-Biotecnologia, de produção de biopetróleo/biomassa a partir do cultivo de algas marinhas, uma vez que acumula um volume significativo de fluxos de caixa negativos (57,3 milhões de euros) ao longos dos 15 anos decorridos desde o início do projeto e conta com um prejuízo anual de quatro milhões de euros.

O Tribunal de Contas alerta também para “o desequilíbrio entre proveitos e gastos que pode colocar em causa a viabilidade económico-financeira da empresa pública concessionária dos parques empresariais sedeados no arquipélago”.

As concessões de serviços públicos podem ainda falhar devido “ao desadequado acompanhamento da situação das rendas e do universo das concessões que se encontravam na alçada da Administração Pública Regional direta e da situação de não cobrança dos juros de mora emergentes da falta de cumprimento pontual de rendas mensais”. Ou seja, as concessionárias não têm liquidado os valores devidos à administração regional como contrapartida da atribuição da concessão.

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