Centeno pede travão “mais agressivo” à subida das taxas de juro do BCE

Governador do Banco de Portugal considera que "poderá ser justificada uma flexibilização mais agressiva das políticas macroprudenciais" perante riscos acrescidos para a economia.

O governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, pede um travão “mais agressivo” à subida das taxas diretoras do Banco Central Europeu (BCE), a menos de um mês da instituição liderada por Christine Lagarde voltar a reunir-se para decidir sobre um eventual novo avanço dos juros, para forçar a baixa da inflação. O índice de preços da Zona Euro abrandou, em setembro, para 4,3%, mas ainda está acima da meta de 2%.

“Quando os riscos começam a materializar-se, poderá ser justificada uma flexibilização mais agressiva das políticas macroprudenciais, reconhecendo que os supervisores microprudenciais [ou bancos centrais nacionais] tendem a aderir a políticas mais rigorosas”, afirmou Mário Centeno durante uma conferência sobre estabilidade financeira que decorreu esta segunda-feira no Banco de Portugal.

Na última reunião do BCE, foi decidido um novo agravamento das taxas diretoras em 25 pontos base para 4,50% relativamente à taxa de refinanciamento que é cobrada aos bancos comerciais pelos empréstimos contraídos junto do supervisor, e que é responsável pelo aumento das taxas variáveis Euribor. Este é o indexante suportado pela maioria dos portugueses no crédito à habitação.

“Para empréstimos ou hipotecas com taxas de juro variáveis ​​ou prazos curtos, o aumento repentino das taxas de juro de curto prazo, impulsionado pela política monetária, representa um fardo pesado. O atual ciclo de taxas de juro com o maior aumento no menor espaço de tempo – 450 pontos base em pouco mais de um ano – tem sido exigente”, destacou o governador.

Ainda assim, Centeno considera que são necessárias medidas para conter os preços. “Uma inflação persistentemente elevada pode ter efeitos perturbadores nas famílias e nas empresas”, afirmou o ex-ministro das Finanças, reconhecendo que “as recentes decisões do Conselho do BCE refletem essa preocupação”.

Uma “inflação elevada introduz incerteza nos rendimentos reais e exige uma política monetária firme para gerar um ambiente económico mais previsível”, alertou ainda. E os efeitos distributivos da riqueza real podem ser perversos.

Por exemplo, “os aforradores que investem em instrumentos de rendimento fixo veem a sua posição financeira deteriorar-se, enquanto os devedores com dívida de taxa fixa testemunham uma diluição do valor real das suas obrigações”, indicou. O mesmo é dizer que os investidores com taxa fixa estão a perder dinheiro, porque não beneficiam da alta de juros, enquanto as famílias com crédito à habitação com o indexante fixo não sofrem o embate do aumento da prestação da casa.

No equilíbrio entre contenção da inflação e a acumulação de riscos para a estabilidade financeira, “as principais linhas de defesa são as políticas microprudenciais e macroprudenciais”, diz Mário Centeno.

A nível nacional, “isto pode ser alcançado através de medidas revistas baseadas no mutuário”, exemplifica o supervisor. Neste sentido, o Banco de Portugal tem alterado as regras para concessão de empréstimos, limitando mais as maturidades e os montantes à medida que a idade dos devedores avança. Recentemente, o supervisor decidiu aliviar o teste de esforço no crédito à habitação. Assim, a partir deste mês, os bancos vão passar a simular um choque de taxa de juro de 1,5% em vez de 3% quando concederem um novo empréstimo da casa.

O risco dos criptoativos e das finanças descentralizadas

Nesta conferência, Mário Centeno abordou ainda os riscos para a estabilidade financeira que representam os criptoativos e as finanças descentralizadas ou DeFi.

“Embora os defensores dos criptoativos e do DeFi falem sobre a democratização das finanças, não está claro se isso realmente se materializará, especialmente dada a natureza altamente técnica destes instrumentos”, alertou.

O governador do Banco de Portugal salientou que “os últimos anos testemunharam extrema volatilidade nos mercados de criptoativos e DeFi”. “Estes produtos voláteis registaram um enorme aumento de popularidade durante a pandemia da Covid-19, mas revelaram-se insustentáveis ​e culminaram no colapso de vários produtos”, indicou.

Por isso, para Mário Centeno, “ainda não está claro se estes produtos altamente voláteis vieram para ficar”. “O que é claro, porém, é que a União Europeia (UE) não tem estado parada nesta matéria”, afirmou o governador, lembrando que, “em junho deste ano, entrou em vigor o Regulamento dos Mercados de Criptoativos”. “Estas regras uniformes de mercado da UE representam o passo inicial para uma regulamentação abrangente deste mercado”, sublinhou.

Mas, tal como acontece com as big techs, Centeno defende que é necessária mais coordenação internacional para adaptar o cenário regulatório a realidades nacionais muito díspares. “Ainda é preciso ver como é que estes desenvolvimentos irão afetar o modelo de negócio dos bancos tradicionais e a sua capacidade de fornecer crédito”, rematou.

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