“Dizer que asseguramos a sustentabilidade da Segurança Social é induzir as pessoas em erro”

A sustentabilidade da segurança social é “alarmante”, qualificou o ex-ministro Teixeira dos Santos, enquanto o Parlamento está “em negação”, acusou o ex-ministro Mota Soares, numa conferência da APS.

Fernando Teixeira dos Santos, ministro das Finanças entre 2005 e 2011, afirmou esta segunda-feira que “dizer que asseguramos a sustentabilidade da Segurança Social é induzir as pessoas em erro”. O ex-ministro falou na conferência “A importância da poupança para a reforma e o contributo das soluções complementares ao regime público”, organizada pela Associação Portuguesa de Seguradores (APS).

Jorge Bravo, Pedro Mota Soares, Fernando Teixeira dos Santos e Nelson Machado querem os portugueses mais informados

Também Pedro Mota Soares, ministro da Solidariedade, Trabalho e da Segurança Social entre 2011 e 2015, revelou preocupação com a iliteracia generalizada em relação às finanças da Segurança Social: “Está-se em negação e grande parte do país não quer ver a realidade”, disse.

Jorge Bravo, professor na Universidade Nova e que integrou a Comissão Interministerial de Reforma do Sistema de Segurança Social em Portugal, alertou que as pessoas terão 20 anos de sobrevida após a reforma e tem dúvida sobre qual o indexante de atualização dessas pensões, numa altura em que surge a doença e a dependência.

Teixeira dos Santos: “Poupança é importante para o progresso do país”

Na sua intervenção, Fernando Teixeira dos Santos considerou que “poupança é importante para o progresso do país”, descrevendo Portugal como tendo baixa competitividade no contexto dos países desenvolvidos e uma produtividade muito abaixo da média europeia (58%), concluindo que “levaremos muitas décadas para atingirmos essa média e pela necessidade de mudar algo que faça mudar a produtividade”.

“O país precisa de mais investimento para melhorar a sua produtividade”, disse, comparando o valor do FBCF (Formação Bruta de Capital Fixo, ou investimento total da economia) de 19% em Portugal com, por exemplo, 35% na Irlanda.

Lembrando que a poupança deve seguir o nível de investimento, para não se cair de novo no excesso de endividamento externo que levou a três intervenções para colmatar a dívida externa, Teixeira dos Santos referiu que a baixa produtividade leva a baixo nível de vida e a realidades como 70% dos agregados familiares disporem de menos de dois mil euros por mês de rendimentos, com a inflação recente e consequente diminuição do poder de compra a consumirem agora as poupanças passadas.

Teixeira dos Santos: “O país precisa de mais investimento para melhorar a sua produtividade”.

Analisando o património dos portugueses, Teixeira dos Santos referiu que 50% da riqueza está em imobiliário, 24% em numerário ou depósitos bancários, 18% em títulos como ações ou fundos de investimento e apenas 6% em seguros. Neste ponto considerou que não se pode apenas explicar a baixa opção por seguros, mais apontados para o longo prazo, pelo reduzido rendimento disponível, mas também por falta de competitividade da oferta das companhias de seguros, que “têm de melhorar a oferta de produtos financeiros”, disse.

A taxa de substituição (rácio da primeira pensão sobre o último salário), que em 2019 era de 74%, é a grande preocupação do ex-ministro, uma vez que a previsão mais recente será de 43% em 2055, quando se reformarem os que atualmente têm 35 anos de idade. Até lá, será sempre a descer.

Perante esta constatação, Fernando Teixeira dos Santos afirmou: “Dizer que asseguramos a sustentabilidade da Segurança Social é induzir as pessoas em erro”, qualificando a situação como “alarmante, e será sobre as pessoas de menor rendimento que vai cair o efeito da baixa taxa de substituição”, concluiu.

Mota Soares: Reforma da Segurança Social não é privatizar

Pedro Mota Soares, ex-ministro, considera a reforma da Segurança Social como inevitável. “Está-se em negação e grande parte do país não quer ver, vai haver grande pobreza principalmente em idosos”, disse.

Referiu ainda que “o imobilismo é a maior ameaça ao estado social, sem as reformas que foram feitas nos últimos anos o estado social já tinha acabado”.

Mota Soares: “Uma carta anual a explicar o que as pessoas descontam e o que as pessoas vão ter na reforma, de modo factual, era uma forma de consciencialização para o problema”.

Como parte de um alerta para este alheamento dos portugueses, Mota Soares sugeriu mesmo “dirigir uma carta anual a explicar o que as pessoas descontam e o que as pessoas vão ter na reforma, de modo factual. Era uma forma de consciencialização para o problema”, referiu.

Pela sua experiência passada no Parlamento, afirmou que falar em “reforma da Segurança Social vai logo ter uma reação política a dizer que se quer privatizar a Segurança Social”, opinião que Carla Castro, atual deputada, em intervenção posterior, corroborou, utilizando episódios mais recentes de discussão de segurança social na Assembleia da República para o demonstrar.

Uma parte da solução seria a aposta em “criar um suplemento de reforma com, por exemplo, 1% de contribuição do trabalhador e 1% da empresa com capitalização que fosse voluntário mas por auto-enrollment (automático), podendo as pessoas desistir se quiserem”. Este desenvolvimento do 2º pilar tem prova internacional de permanência: ficam 90% das pessoas no sistema, afirmou Mota Soares.

Medidas concretas foram avançadas para estimular poupança

A discussão foi alargada, com moderação de Nelson Machado, presidente Comissão Técnica Vida da APS, e Jorge Bravo, professor na Universidade Nova e que integrou a Comissão Interministerial de Reforma do Sistema de Segurança Social em Portugal, que alertou as pessoas terão pelo menos 20 anos de sobrevida após a reforma e tem dúvida sobre qual o indexante de atualização dessas pensões, numa altura em que surge a doença e a dependência.

Nelson Machado resumiu algumas dos pontos de avanço como soluções para o tema da conferência. Na opinião do também administrador do Grupo Ageas, o atual PPR, face à facilidade com que se pode resgatar, não merece benefícios fiscais. “O benefício fiscal é uma perda de receita de todos os portugueses, não é para ser usado para comprar um carro”, ironizou.

Teixeira dos Santos, embora discorde de “benefícios fiscais a torto e a direito”, lembrou que, se a poupança for um desígnio do país, “pode haver benefícios nesse campo, nesse caso incentivar a poupança faz sentido”.

A questão ideológica é outro obstáculo detetado concluindo os participantes que há um esforço a fazer para demonstrar que a questão “não é política, é técnica”.

O desenvolvimento dos pilares 2º (planos de pensões de empresas) e 3º (planos poupança individuais), ambos de capitalização, é fundamental para complementar o pilar público, de repartição e que tem limitações ou impossibilidade de equilíbrio por questões demográficas.

A transparência das relações com os contribuintes e beneficiários da Segurança Social foi sempre considerado fundamental para criar crescente consciencialização de que, nada fazendo, a taxa de substituição será de 43% em 2055.

Se a poupança dos portugueses está hoje em tijolos, há que transformar esses tijolos em rendimento futuro. Jorge Bravo falou em hipoteca inversa, com melhoria de rendimentos ou prestação de serviços.

Jorge Bravo indicou ainda poder ser equacionado um modelo de contribuição definida em lugar de benefício definido, criando uma maior justiça entre gerações.

Nelson Machado tem esperanças no PEPP (o “PPR europeu”), embora esteja a estranhar a demora pela sua materialização, temendo que nunca passe do papel.

Por último todos os participantes focaram a literacia financeira como parte fundamental da criação de uma consciencialização realista da futura situação da Segurança Social na reforma dos portugueses.

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