BRANDS' ECO A ineficácia do despejo: um retrato (contínuo) de frustração

  • BRANDS' ADVOCATUS
  • 6 Outubro 2023

A habitação em Portugal tem deambulado ao longo dos anos por situações de permanente crise, o que explica que o regime jurídico do arrendamento urbano seja alvo de sucessivas revisões.

Entre as várias revisões, destaca-se a implementada em 2013 que procurou encontrar soluções concordantes com os princípios da simplificação e celeridade, em quatro dimensões essenciais: i) Alteração ao regime substantivo, vertido no Código Civil; ii) Revisão do sistema de transição dos contratos antigos para o novo regime; iii) Agilização do procedimento de despejo; e iv) Melhoria do enquadramento fiscal.

No âmbito de um conjunto de reformas de dinamização do mercado de arrendamento e de reabilitação urbana, foram implementados mecanismos extrajudiciais que permitissem aos Proprietários reagir eficazmente nos casos de incumprimento pelos Arrendatários.

Foi, então, criado o Procedimento Especial de Despejo (PED) de modo que a desocupação do imóvel fosse realizada de forma célere e eficaz e, para assegurar a sua tramitação, foi criado o Balcão Nacional do Arrendamento (BNA), com competência exclusiva para a tramitação do PED em todo o território nacional.

Sucede que, volvidos dez anos sobre a criação do BNA, que visava ser uma alternativa à morosidade dos tribunais, parece inegável que em termos de celeridade e eficácia, os seus objetivos não foram atingidos, uma vez que a maioria dos despejos não é resolvida por essa via, mas sim em tribunal, para onde é remetido em virtude de oposição deduzida pelo arrendatário.

Significa, isto, que os proprietários que instauram um PED se vêm obrigados a aguardar vários anos por uma decisão judicial que lhes permita recuperar o seu imóvel.

O Programa “Mais Habitação” apresentado em fevereiro de 2023 pelo Governo, foi desenhado com o objetivo de minimizar os efeitos da grave crise habitacional que o País atravessa, sendo criado um conjunto de medidas que, entre outras, visam aumentar a oferta de imóveis para arrendamento, combater a especulação imobiliária, reforçar a confiança dos investidores e proprietários no mercado de arrendamento e alcançar a tão esperada celeridade na execução dos despejos e, simultaneamente, assegurar aos arrendatários uma alternativa ao realojamento.

Com vista a alcançar tais objetivos, o Programa “Mais Habitação” prevê a criação do Balcão do Arrendatário e do Senhorio (BAS) em substituição do Balcão Nacional do Arrendamento (BNA), ao qual caberá assegurar a tramitação do Procedimento Especial de Despejo (PED) e do Serviço de Injunção em Matéria de Arrendamento (SIMA).

De entre as alterações introduzidas ao Procedimento Especial de Despejo merecem destaque: i) a possibilidade de recorrer ao PED quando a comunicação ao arrendatário se tenha frustrado; ii) a aplicação das regras de citação à notificação do arrendatário; iii) caso não haja oposição ao despejo ou, se considere a mesma como não deduzida, e ainda, quando o arrendatário não proceda à desocupação do locado, nem ao pagamento das rendas que se venceram na pendência do PED, o processo será concluso ao juiz, a fim de ser proferida decisão para entrada imediata no domicilio, devendo, a mesma ser concretizada de imediato; iv) caso os serviços de segurança social que acompanham o procedimento de despejo venham a concluir que o arrendatário se encontra numa situação de especial fragilidade por falta de alternativa habitacional ou outra razão social imperiosa, pode ser decretada a suspensão do processo de despejo.

Note-se que as alterações propostas no Programa “Mais Habitação” não são manifestamente suficientes e eficazes para resolver os problemas existentes no procedimento de despejo, sobretudo porque não conferem autonomia ao novo BAS, ficando o procedimento de despejo dependente da intervenção do tribunal.

Entende-se que a desburocratização é a chave para alcançar este objetivo, sendo essencial reduzir ao máximo a intervenção dos tribunais neste procedimento, principalmente no caso de não ser deduzida qualquer oposição pelo arrendatário.

Atento o panorama atual e tendo em consideração que a maior parte dos procedimentos especiais de despejo derivam da falta de pagamento de rendas e da não entrega do locado, rapidamente se chegará à conclusão de que as medidas preconizadas no “Mais Habitação” estão longe de preencher as legítimas expectativas dos senhorios, cujo objetivo principal é, pois, a recuperação célere do imóvel locado e a sua recolocação no mercado de arrendamento.

 

É, pois, imperioso a implementação de medidas efetivamente diferenciadoras e eficazes, que reforcem a confiança dos investidores e a legítima expectativa dos proprietários, os quais vivem num contínuo retrato de frustração ao verem o seu direito de propriedade, que (ainda) é o direito real máximo previsto no nosso ordenamento jurídico, ser constantemente desconsiderado.

Sandra Ferreira Dias, Advogada e Sócia do departamento de Contencioso e Arbitragem

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