Família Roquette afasta investidores da Quinta do Crasto. “Caminho será feito com o pelo do cão”
Numa altura em que se multiplicam os negócios no Douro, Tomás Roquette recusa a hipótese de vender a histórica Quinta do Crasto, que produz 1,4 milhões de garrafas e fatura quase 10 milhões de euros.
Tomás Roquette já quase perdeu a conta às abordagens que tem tido nos últimos tempos para aferir a disponibilidade da família em vender a Quinta do Crasto. “Se quisermos, com certeza que as propostas chegarão. Não temos é abertura [para alienar capital]. Temos uma ideia muito clara do caminho que queremos seguir e temos ainda vários projetos a desenvolver. Para já, não estamos abertos a isso”, sentencia o administrador da histórica empresa do Douro, em entrevista ao ECO.
Atualmente, 95% do capital da produtora de vinhos do Douro e do Porto está nas mãos de Leonor e Jorge Holtreman Roquette, com os restantes 5% a pertencerem ainda a um outro neto de Constantino de Almeida. Tomás, pertencente à quarta geração, garante que a família está capitalizada para avançar com esses projetos. “Temos de analisar sempre o enquadramento económico, mas temos tido até agora o apoio dos bancos, que estão sempre muito ativos e [a perguntar] em que é que podem ajudar mais. Por isso, o caminho será feito um bocadinho com o pelo do próprio cão”, acrescentou.
A Teak Capital, holding que agrega os investimentos da família de Carlos Moreira da Silva, acaba de notificar a Autoridade da Concorrência sobre a compra de 50% da Quinta do Vallado à família Ferreira, descendente da Ferreirinha e que detém mais de 100 hectares no Douro – abarcando a Quinta de Orgal e hotéis em ambas as propriedades.
Também na semana passada, o Grupo José de Mello, que já era dono da Ravasqueira (Alentejo), anunciou a aquisição da Wiese & Krohn (vinho do Porto), que tinha sido comprada em 2013 pela Fladgate à família Falcão Carneiro, incluindo a Quinta do Retiro Novo no vale do Rio Torto. E firmou um contrato de arrendamento de longa duração da também duriense Quinta do Côtto e do Paço do Teixeiró em Baião (Verdes), que continuam a ser propriedade da família de Miguel Champalimaud.
Poucas semanas antes, em setembro, foi a vez da gigante Roullier, que fatura 4,1 mil milhões de euros e está em 131 países com atividade em áreas como a nutrição de solos e de plantas, a extração de minerais ou a produção de energia a partir de biomassa, entrar na Quinta de São José (Ervedosa do Douro, São João da Pesqueira), que tem uma área total de 20 hectares, 15 dos quais dedicados à vinha.
O projeto iniciado pela família do enólogo João Brito e Cunha passou para as mãos da filial do grupo para a atividade vitivinícola, que já produz no Tejo (Falua) e nos Vinhos Verdes (Quinta do Hospital).
Outro negócio de relevo aconteceu há dois anos, quando já depois de iniciar a aposta nos vinhos do Douro com a compra da Quinta da Costa e do Sol em Gouvinhas (Sabrosa), o milionário brasileiro Rubens Menin, dono da construtora MRV e do banco Inter – já pediu autorização ao Banco de Portugal para trazer para o país a plataforma de e-commerce e produtos financeiros –, avançou com a aquisição da Horta Osório Wines (H.O.) à família que detinha a EIP – Eletricidade Industrial Portuguesa, que passou para as mãos da Visabeira na sequência de um processo especial de revitalização. Contabiliza já um investimento acumulado de quase 40 milhões de euros na região.
“Acho normais essas movimentações. O Douro está a ter uma valorização cada vez maior, é uma região única e que já há alguns anos está fechada a novas plantações, e os vinhos portugueses têm visto crescer o seu valor. Portanto, acho perfeitamente natural que empresas ou pessoas que tenham capital e que tenham essa ambição queiram entrar no setor, que tem de ser pela aquisição de quota ou a totalidade de uma empresa. Já aconteceu, está a acontecer e provavelmente vai acontecer mais no futuro”, comenta Tomás Roquette, que é um dos elementos dos “Douro Boys”, juntamente com o Vallado, Vale Meão, Vale D. Maria e Niepoort.
Não quer dizer que eu não ache que o valor [100 milhões de euros] seja, de facto, considerável. Mas, para mim, o nosso projeto tem um valor inestimável. O Douro tem feito um percurso e temos visto uma maior valorização dos seus ativos.
E o Douro fica a ganhar com este movimento? “Acho que sim. Normalmente, quem faz esse tipo de investimentos – não sei os valores envolvidos nas últimas transações que aconteceram, mas imagino que sejam consideráveis –, entra para trazer mais desenvolvimento e mais projeção a essas empresas onde estão a entrar com capital. É inegável [o ganho]”, responde o administrador da Quinta do Crasto, que no ano passado faturou 9,5 milhões de euros e produziu 1,4 milhões de garrafas de vinho (90% tranquilos e o resto categorias especiais de vinho do Porto).
Há dois anos surgiram rumores de que um fundo brasileiro teria feito uma oferta superior a 100 milhões de euros pela Quinta do Crasto. Tomás Roquette assegura que foi “completa especulação” e obrigou mesmo a produtora a dirigir um comunicado interno aos trabalhadores, aos distribuidores e aos bancos.
“Não quer dizer que eu não ache que o valor seja, de facto, considerável. Mas, para mim, o nosso projeto tem um valor inestimável. O Douro tem feito um percurso e temos visto uma maior valorização dos seus ativos. Não me estou a referir ao valor como um exagero; estou é a dizer que essa proposta e essa abordagem nunca existiu. Mas se chegasse, provavelmente também não iríamos considerá-la”, conclui.
Embora não tenha envolvido qualquer propriedade no Douro, a Fladgate, uma das maiores operadoras e proprietárias da região, dona de marcas de vinho do Porto Taylor’s, Fonseca ou Croft – além de projetos turísticos como o hotel Yeatman ou o World of Wine, em Gaia –, surpreendeu o setor ao entrar no segmento dos vinhos tranquilos.
Comprou a Quinta da Pedra (Verdes), a Quinta de Bella (Dão) e a Quinta Colinas de S. Lourenço (Bairrada) à Ideal Drinks, empresa fundada por Carlos Dias, que fez fortuna com a venda em 2009 da relojoeira Roger Dubuis ao grupo suíço Richemont.
Preço do vinho subiu 7% em 2023
Depois de ter fechado o exercício anterior com um novo máximo histórico de vendas, até ao final de setembro, a Quinta do Crasto estava com um crescimento acumulado de 6% em termos homólogos, justificado pelo aumento de preços “à volta de 7%”, em termos médios, com que avançou em 2023 para fazer face ao disparo “muito forte” dos custos suportados no ano passado com materiais como as garrafas, as caixas, o cartão ou as rolhas.
“Tentamos [subir] o mínimo possível. Não compensou totalmente o aumento de custos porque também tínhamos uma expectativa, que se está a verificar gradualmente, que iriam baixar um bocadinho. Sinceramente, não acredito que, de forma geral, voltemos aos patamares anteriores, mas teremos de nos adaptar e provavelmente corrigir [o preço] num vinho ou outro para fazer face a isso. De facto, não queríamos era perder margem. Não vamos se calhar aumentá-la tão rapidamente como gostaríamos, mas evitamos perdê-la”, relata.
Já o peso das exportações, que “tradicionalmente” rondava os 70%, baixou para cerca de 45%. Não porque as vendas ao exterior tenham baixado, mas porque o mercado nacional “cresceu muito mais”. Puxado também pelo turismo, que faz com que Portugal tenha o maior consumo per capita do mundo, equivalente a cerca de 52 litros de vinho. Porém, Tomás Roquette confessa que “gostaria de ver a exportação a ter um peso maior”, passando a estratégia por reforçar os mercados onde o Crasto já tem “bom posicionamento”, como é o caso do Brasil, Inglaterra, Suíça, Macau ou Canadá.
“Nos EUA mudámos um importador, estamos agora a recuperar e espero que venha a dar um contributo mais forte. E vamos estando atentos às oportunidades de entrar em novos mercados, como fizemos recentemente em Malta, e estamos em vias de abrir a Costa Rica. Queremos também ter uma presença mais forte na China porque podemos crescer ali claramente. Mas, acima de tudo, solidificar o que temos nos mercados maduros”, detalha o empresário nortenho.
Enoturismo vai ter alojamento no Douro
Mais do que pelo aumento da produção, Tomás Roquette antevê “muito mais o crescimento da empresa, da sua faturação, da sua rentabilidade, pelo aumento do preço médio e do volume nos vinhos melhores e que dão mais margem”. Depois do “investimento grande” feito nos últimos anos na área da viticultura e que “dá uma garantia de qualidade todos os anos”, cerca de 70% das uvas usadas proveem de produção própria na Quinta do Crasto e na Quinta da Cabreira. Já a Quinta do Meco abastece as uvas para o projeto Roquette & Cazes, uma parceria com o francês Château Lynch-Bages (Bordéus).
E se as “ameaças muito fortes” que enfrenta – a climática e a falta de mão-de-obra, cita –, desaconselham aumentar muito mais a área de vinha, nos planos de investimento da família, que emprega diretamente perto de 90 pessoas, está o desenvolvimento de um centro logístico no Douro e o alargamento da oferta no enoturismo, até agora limitada às visitas, provas e refeições, promovendo “alguns melhoramentos” nos edifícios que já possui para “melhorar um bocadinho a maneira como [recebe] as pessoas, e não necessariamente para receber muito mais gente”.
Vão construir unidades de alojamento no Douro? “Talvez. Vamos provavelmente passar a ter alguma possibilidade de as pessoas ficarem a dormir na quinta, que não existe atualmente. Estamos muito seguros daquilo que queremos fazer para o futuro porque a procura excede largamente a capacidade que temos para receber as pessoas”, adianta o administrador da Quinta do Crasto, que na semana passada apresentou aos jornalistas a nova edição do Vinha Maria Teresa 2019 (PVP a rondar os 250 euros) e o projeto PatGen Vineyards, o mapeamento genético de castas que está a desenvolver nesta vinha centenária do Crasto.
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