Futuro das pensões portuguesas em debate
O Governo espera que o primeiro saldo deficitário da Segurança Social aconteça em meados da década de 2030, mas estarão estas perspetivas próximas da realidade?
Numa altura em que se prevê que as pensões registem um aumento entre 5.2% e 6.2% no próximo ano e em que o Governo prolongou para meados da década de 2030 o primeiro saldo deficitário da Segurança Social, torna-se cada vez mais pertinente falar sobre a sustentabilidade deste sistema.
São várias as pensões associadas à Segurança Social, entre as quais está a pensão de velhice, cujo valor está previsto cair para metade nos próximos 25 anos, de acordo com a Comissão Europeia. Isto numa altura em que a esperança média de vida continua a aumentar e, por essa razão, depois da idade da reforma, prevê-se que as pessoas ainda vivam mais 20 ou 30 anos. Como garantir, então, a subsistência?
Para discutir este e outros temas relacionados com o futuro das pensões em Portugal, Jorge Bravo, professor da Universidade Nova de Lisboa; e Jorge Botelho, responsável pela gestão de ativos do BBVA, juntaram-se numa conversa moderada por Luís Leitão, editor do ECO.
Relativamente à previsão do saldo deficitário da Segurança Social para meados da década de 2030, Jorge Bravo alertou para uma “falta de transparência” nessa informação, já que projeções apresentadas pelo Orçamento de Estado (OE) não consta a despesa alocada à Caixa Geral de Aposentações (CGA) que, de acordo com o professor, depende já hoje de quase oito mil milhões de euros de transferência do OE.
“A análise do sistema tem de ser feita somando a CGA com o Sistema Previdencial da Segurança Social. E, se somarmos os dois valores, o sistema já é hoje deficitário, não excedentário. A CGA depende já hoje de quase oito mil milhões de euros de transferência do OE, mas esses oito mil milhões e o montante que se seguirá no futuro não aparecem nas contas da projeção. Se as transferências do OE terminassem hoje, as receitas próprias dos sistemas contributivos não seriam suficientes para pagar as prestações em pagamento, como pensões, como subsídio de desemprego, de doença, etc“, declarou.
Jorge Bravo acrescentou, ainda, que esta dependência da Caixa Geral de Aposentações das transferências do Orçamento do Estado tem “tendência para aumentar”, uma vez que “o sistema vai ter cada vez menos subscritores e a despesa vai continuar a aumentar porque chegarão à reforma as gerações mais numerosas de portugueses, que nasceram nos anos 60 e 70”.
Como assegurar a subsistência na reforma?
O cenário parece, por isso, pouco positivo para quem espera chegar à idade da reforma e receber uma pensão de velhice que lhe permita pagar despesas e viver uma vida tranquila. No entanto, Jorge Botelho explicou que, além do Estado, há mais dois pilares que podem dar esta segurança às pessoas, nomeadamente as empresas e as instituições financeiras, que “têm promovido a literacia e a poupança das famílias”.
“Nos últimos 60 anos, a esperança média de vida em Portugal aumentou 20 anos e isso faz toda a diferença porque as pessoas vivem muito para além da reforma. É necessário entender o que é preciso para uma fase de acumulação e as necessidades que existem para uma fase de desacumulação, que existe, na perspetiva das pessoas quererem uma maior qualidade de vida, associada a esta longevidade e à sustentabilidade”, continuou.
A mesma opinião foi partilhada por Jorge Bravo, que afirmou mesmo que “a proteção social não tem que ser apenas uma responsabilidade pública”. O professor justificou esta opinião com exemplos de alguns países mais desenvolvidos da OCDE, nos quais a proteção social está ancorada em três pilares – “pilar público, o pilar das empresas e o pilar da responsabilidade individual”.
O professor referiu que os incentivos fiscais são uma boa opção, mas, para além disso, considera importante haver outro tipo de opções, como a do contribution matching, “que é um mecanismo através do qual, por cada montante alocado para o aforro a longo prazo, por parte do trabalhador, o empregador e, nalguns casos, o próprio Estado, acompanha“.
“Temos também, nalguns países, a adoção de ensinamentos da economia comportamental e a experiência mais conhecida é a do Reino Unido, que criou um programa em que, por cada novo contrato de trabalho que é iniciado, o trabalhador é automaticamente inscrito num plano de aforro complementar, com diferentes níveis de contribuição que ele pode escolher. Este programa tem uma cláusula de saída, ou seja, ele não é obrigado a aforrar e tem a opção de sair do plano. Este programa começou em 2012 e já tem, hoje, mais de oito milhões de participantes, ou seja, estamos a falar de que dos 100% que são inscritos automaticamente, só cerca de 12% ou 13% é que decidem acionar a cláusula de saída”, explicou.
No fundo, este tipo de programas, de acordo com os especialistas, permitem tornar a inércia produtiva, já que a “não decisão” de sair do programa permite aos trabalhadores estarem a poupar automaticamente, sem nada terem que fazer para esse efeito.
“A grande vantagem disto, além da poupança, é a retenção dos trabalhadores. Ou seja, há um vínculo às empresas muito importante. E isto é algo que existe cá em Portugal, mas que pode ser muito mais usado. Isto traz benefícios fiscais para as empresas também. Mas há falta de literacia também nas empresas e é por isso que deve haver mais transparência para a informação chegar aos agentes económicos e às empresas“, disse Jorge Botelho.
Planos de aforro a longo prazo
Pela falta de opção ou pelo desconhecimento da existência de outras opções, os planos de aforro têm sido a aposta de algumas famílias. Ainda assim, o facto de estes planos serem de investimentos a médio/longo prazo leva a que muitas pessoas se sintam inseguras no momento de investir, já que ponderam a hipótese de virem a precisar daquele dinheiro e não poderem aceder a ele. No entanto, na prática, isso não funciona assim.
Jorge Bravo explicou que “quase todos os planos de aforro de longo prazo preveem que, em condições de desemprego de longa duração ou doença prolongada, seja possível mobilizar estes aforros a longo prazo. Ou seja, quando uma família toma a decisão de poupar para o longo prazo, ela sabe que está a imobilizar património por um período mais prolongado, mas também sabe que já existem válvulas pelas quais é possível, em situações de vulnerabilidade financeira, aceder àquele património“.
No entanto, Jorge Botelho alertou que pelo facto de as características dos fundos de pensões abertos e dos PPR serem focadas no médio/longo prazo, isso leva a que se se olhar para estes planos “numa perspetiva de curto prazo, as coisas podem não resultar”. Ainda assim, o responsável pela gestão de ativos do BBVA considera que esta é uma boa altura para investir em ativos de dívida pública, dadas as “taxas de juro reais de médio/longo prazo positivas”.
“Isto era algo que não tínhamos há 10 anos atrás. Temos de estar atentos às oportunidades que temos neste momento para investir em ativos com menor risco, com rentabilidades a médio/longo prazo“, concluiu.
Pode rever esta conversa aqui:
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