Entrada do Irão no conflito fará disparar preço do petróleo, prevêem analistas

  • Joana Abrantes Gomes
  • 28 Outubro 2023

Envolvimento direto do Irão no conflito levará a cotação acima dos 100 dólares. O que potenciaria uma segunda vaga de inflação, taxas de juro altas e a possibilidade de estagflação, alertam analistas.

Os mercados têm tido uma reação moderada ao mais recente conflito no Médio Oriente, espoletado na sequência do ataque do Hamas contra Israel há cerca de duas semanas. O impacto mais imediato está a ser no preço do petróleo, com o Brent, o barril de referência para as importações nacionais, a valorizar 6,5% desde 6 de outubro. Mas os analistas mostram-se prudentes: só o envolvimento de outros países da região no conflito, em particular do Irão, é que representaria um risco de uma nova escalada nos custos da energia.

Os conflitos geopolíticos, sobretudo no Médio Oriente, provocam normalmente uma subida dos preços do petróleo e, desta vez, não é diferente“, assinala Gregor Hirt, diretor global de investimento (CIO) em multiativos da Allianz Global Investors. No passado, o exemplo mais dramático ocorreu durante a década de 1970, quando os preços de crude quadruplicaram com a Guerra do Yom Kippur, que opôs Israel ao Egito e à Síria.

Esta sexta-feira, a cotação do Brent subiu mais de 2%, para os 90 dólares por barril. Mas é preciso notar que o aumento de preços que se tem verificado desde o ataque do Hamas está, ainda assim, longe dos máximos do final de setembro. Na primeira semana de outubro, o preço do Brent caiu mais de 11 dólares, tendo agora recuperado mais de 3 dólares.

Este cenário aparenta corroborar, pelo menos por enquanto, as palavras de Elena Domecq, da equipa de clientes e estratégia para Portugal da JPMorgan, que, na apresentação das perspetivas para o 4.º trimestre da instituição financeira, na quarta-feira, declarou que “as tensões geopolíticas costumam ter um impacto mais no curto prazo e não no longo prazo“.

Contudo, “a estabilização dos preços do petróleo pode ser vista como um caso em que nenhuma notícia é uma boa notícia”, alerta Ricardo Evangelista, analista sénior da ActivTrades, notando que “a situação permanece crítica e continua a ameaçar envolver o Médio Oriente num conflito mais amplo, um cenário que poderia perturbar o fornecimento global de petróleo bruto”.

A explosão num hospital de Gaza na noite de terça-feira, que matou um número ainda incerto de civis, aumentou as tensões e, segundo alguns analistas, reduziu as hipóteses de uma solução através de negociações. No caso de o conflito se alastrar a outros países do Médio Oriente, região com grandes produtores e exportadores de petróleo, ficará em risco a oferta da matéria-prima no mercado global e a subida dos preços será ainda maior.

O conflito, tal como está agora, não tem impacto no preço do petróleo. Se a situação se alastra para o Irão, aí sim, por duas razões: porque o Irão tem uma produção considerável e porque o Irão controla o Estreito de Ormuz, que é por onde passa 20% do petróleo mundial.

Ricardo Marques

Analista da IMF - Informação de Mercados Financeiros

O cenário mais preocupante é um eventual envolvimento do Irão, seja direto ou até através de um proxy – como o Hezbollah, movimento xiita do sul do Líbano. Apesar das sanções norte-americanas, o país exporta cerca de 4,7 milhões de barris de petróleo por dia, tendo sido responsável pela produção de 4% da matéria-prima a nível global no ano passado. De acordo com a Bloomberg, um conflito direto entre Israel e o Irão poderia elevar o preço do petróleo até aos 150 dólares, o que penalizaria o Produto Interno Bruto (PIB) global em 1,7 pontos percentuais.

Além da produção considerável, o Irão controla o Estreito de Ormuz, por onde passa cerca de 20% do petróleo mundial. Países como a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos ou o Qatar também exportam crude através da entrada do Golfo Pérsico, pelo que o fornecimento ao continente europeu também pode vir a ser afetado perante um conflito regional devido à falta de canais de escoamento, refere o economista Paulo Rosa, do Banco Carregosa.

O diretor executivo do grupo deVere, Nigel Green, resume o cenário da seguinte forma: “Uma crise prolongada no Médio Oriente irá perturbar as cadeias de abastecimento de petróleo. Tal poderá dever-se a ataques às infraestruturas petrolíferas, às rotas de transporte marítimo ou a outros estrangulamentos que impeçam o fluxo regular de petróleo. Essas perturbações causarão escassez de oferta, fazendo subir os preços do petróleo”.

Subida do preço do petróleo pode ter “efeito dominó”

Se se confirmar o aumento da cotação para valores muito acima dos 100 dólares, face a uma escalada para um conflito regional, os analistas contactados pelo ECO antecipam que será mais difícil controlar a inflação. Nesse cenário, os bancos centrais poderão ter de repensar as suas trajetórias de política monetária.

A probabilidade de as taxas de juro nas principais economias, como os EUA e a Europa, permanecerem mais elevadas durante mais tempo, poderia aumentar“, considera o diretor global de investimento em multiativos da Allianz GI. O analista Ricardo Evangelista, da ActivTraders, aponta mesmo que “em alguns casos as taxas poderiam voltar a subir”.

Para fazer face à subida do custo da energia, as empresas reduzem frequentemente a produção e os consumidores cortam nas despesas, o que afetaria também o crescimento económico. “Uma política monetária mais restritiva e uma pressão sobre as famílias devido ao aumento dos preços das matérias-primas resultariam num crescimento mais lento, criando um resultado estagflacionário“, prevê ainda David Rees, economista sénior de Mercados Emergentes da Schroders.

Ao ECO, Ricardo Marques, da IMF (Informação de Mercados Financeiros), lembra que neste momento já há muitos países numa situação de alguma contração económica, como é o caso da Alemanha, o que “poderá levar a uma redução do consumo de combustíveis, se eles estiverem a preços muito elevados”. O analista dá o exemplo dos EUA, “onde o consumo de gasolina em setembro foi muito abaixo do que seria normal nesse mês”.

As flutuações do preço do petróleo têm ainda um impacto direto nos mercados financeiros mundiais. Segundo Nigel Green, um aumento dos preços do crude contribui para “a volatilidade do mercado de ações, o que afeta particularmente as indústrias sensíveis aos custos da energia“.

Por ora, estes cenários não passam de conjeturas. Além de sinalizar o apoio dos EUA a Israel, a visita a Telavive do Presidente Joe Biden, na quarta-feira, enviou uma mensagem clara a Teerão, que financia o Hamas: para que se mantenha fora do combate.

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