Exclusivo Elvira Fortunato esconde parecer que defende parcerias da FCT com escolas americanas
A ministra da Ciência cancelou as Parcerias Internacionais com três universidades americanas, contrariando um parecer de personalidades independentes que recebeu em junho, mas meteu na gaveta.
Elvira Fortunato decidiu cancelar as parcerias da Fundação Ciência e Tecnologia (FCT) com três universidades norte-americanas, a Carnegie Mellon University, o MIT e a University of Texas at Austin, em plena crise política e contra um parecer encomendado pelo Conselho Nacional da Ciência, Tecnologia e Inovação (CNTI) a um grupo de personalidades independentes como Maria Manuel Mota, Isabel Furtado e João Barros, que foi escondido pela ministra. A decisão da ministra da Ciência, tomada depois de o Presidente da República aceitar a demissão do Governo e marcar eleições antecipadas, está a gerar uma onda de indignação de empresários, investigadores e académicos que consideram o programa de Parcerias Internacionais um fator crítico para o desenvolvimento da ciência e inovação em Portugal.
O parecer do grupo de personalidades independentes que analisou as Parcerias Internacionais — programa que existe desde 2006 e já foi renovado por duas vezes — é claro nas suas conclusões. O parecer a que o ECO teve acesso, entregue ao conselho liderado por José Manuel Mendonça e dependente da tutela política de Elvira Fortunato e do ministro da Economia, Costa Silva, foi escondido nos últimos meses.
Quem integrou este grupo que fez o parecer a pedido do conselho de ciência? Guy Villax, João Barros, Isabel Sousa Pinto, Maria Manuel Mota, Teresa Pinto Correia e Isabel Furtado. E o que concluiu o parecer que Elvira Fortunato mandou ‘meter na gaveta’? Segundo o grupo de personalidades independentes, “com base nos elementos fornecidos pela FCT e nos testemunhos adicionais que recolhemos, estamos convictos que o impacto destas parcerias foi altamente expressivo e multifacetado. Isto aplica-se tanto ao Sistema de Ciência e Tecnologia Nacional (SCTN) como aos parceiros industriais e empresariais do ecossistema nacional de inovação“. E quais foram as conclusões?
O CNCTI é de opinião que:
- As Parcerias Internacionais (PI)constituem um elemento basilar da estrutura do orçamento da FCT, e a parte do orçamento dedicado às PI deve manter no mínimo o mesmo grau de materialidade que no passado (5% do orçamento da FCT);
- As Parcerias Internacionais devem ser de número limitado a 3 ou 4, de mesma ordem de grandeza de valor ou daquele valor que garanta que as instituições parceiras atribuam prioridade a Portugal e às suas obrigações nas Parcerias Internacionais;
- As áreas do conhecimento a privilegiar devem incluir i) aquelas que devem continuar por terem sido e permanecerem apostas certas, nomeadamente digitalização, manufatura e inteligência artificial, ii) novas que equipem o país para fazer face aos desafios novos, nomeadamente o mar, as alterações climáticas, a degradação continuada dos recursos naturais e a perda de biodiversidade, e iii) alinhadas com a União Europeia onde Portugal pode contribuir e desenvolver vantagens comparativas para o futuro.
Este parecer, acrescentam os membros independentes que produziram o relatório, “recebeu a maioria dos votos dos seus membros independentes (isto é excluindo [as entidades públicas] ANI; FCT e IAPMEI)“.
A notícia do cancelamento destes programas foi revelada pelo Expresso e mereceu uma crítica pública severa do fundador da Feedzai nas redes sociais. Nuno Sebastião assinala, desde logo, que este unicórnio (vale mais de mil milhões de euros) só existe por causa da parceria com Austin. “A Feedzai existe porque em 2013 emigrei para os Estados Unido, inicialmente para Austin, onde estive nas instalações da incubadora da The University of Texas at Austin”, escreve na sua conta pessoal do Facebook.
Nuno Sebastião considera que “só mesmo uma falta de conhecimento e miopia [de Elvira Fortunato] é que pode ter uma interpretação diferente e que justifique o cancelamento (a um mês de serem renovadas) destas parcerias”, atira o empreendedor. “Agora digam-me o número de patentes ou uma que seja a empresa de sucesso criada por esses laboratórios e laboratoriozinhos que existem por essas universidades portuguesas. A resposta é simples. Não existem porque não criam valor nenhum para além de alimentar empregos e serem usados nas disputas de poder dentro das universidades“, acusa.
A comunidade empresarial e académica foi apanhada de surpresa pela decisão de Elvira Fortunato, pelos resultados destes programas, e também pelo momento escolhido, isto é, o Governo está ainda formalmente em funções, mas vai passar à condição de governo de gestão em meados de dezembro, e as eleições legislativas estão marcadas para 10 de março. Para já, os membros independentes do Conselho Nacional da Ciência, Tecnologia e Inovação escusam-se a fazer comentários públicos, mas já estará marcada uma reunião de emergência na próxima semana, e são admitidos todos os cenários, incluindo colocar os seus lugares à disposição ou até uma demissão em bloco.
Os resultados das três Parcerias Internacionais em 11 imagens
Outro dos documentos relevantes na avaliação dos resultados destas três parcerias internacionais é um memorando, a que o ECO teve acesso, com uma análise detalhada e números. “Ao todo, e até hoje, as três Parcerias concederam financiamento a mais de 330 projetos de investigação — vários dos quais liderados por empresas portuguesas — e apoiaram mais de 1.500 alunos de mestrado e doutoramento, e mais de 500 intercâmbios de professores e estudantes“, lê-se neste memorando. “Em 2012, e na sequência de uma transição de governo, o Ministério da Educação e a FCT encomendaram à Academia da Finlândia um relatório de avaliação independente sobre as Parcerias. No resumo, de um parecer manifestamente positivo, pode ler-se: “A colaboração portuguesa com universidades dos E.U.A. em ações de investigação e educação é o exemplo de um programa internacional ambicioso, entre entidades de ensino e governos, com objetivos políticos de ciência e inovação de alto perfil“, recorda.
Os números dos resultados na criação de empresas são expressivos, de acordo com os dados oficiais que constam deste memorando. “Se Portugal dispõe, atualmente, de um ecossistema vibrante de criação de startups na Europa, ocupando a 28.ª posição no Global Startup Ecosystem Index 2022, muito do crédito deve ser dado às Parcerias que contribuíram para a formação de uma geração de investigadores-empreendedores, converteram tecnologias em produtos e serviços inovadores e lançaram ou apoiaram startups de base científica com um perfil internacional claramente dominante (e.g. DoDoc, Feedzai, Mambu, Outsystems, Remote, Sword Health, Talkdesk, Unbabel e Veniam)“.
Neste memorando, são ainda recordados os números antes e depois das Parcerias Internacionais. “O percurso das Parcerias Internacionais da FCT coincide, em grande medida, com a melhoria da balança de pagamentos tecnológica de Portugal. Negativa até 2007, veio a registar uma tendência ascendente desde aí, passando de 750 milhões de euros em 2015 para 1,3 mil milhões de euros em 2021 (0,6% do PIB) — um crescimento impulsionado, em grande parte, pelas exportações de serviços de Tecnologias de Informação e Comunicações (no valor de, aproximadamente, 3 mil milhões de euros em 2021), fortemente apoiadas por projetos e iniciativas que se inscrevem também no âmbito daquelas parcerias“.
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