Plano de Montenegro para a saúde “pode surtir efeito”, mas não chega

Montenegro comprometeu-se a avançar com um plano de emergência para a saúde para vigorar em 2024 e 2025, caso a AD vença as eleições. Como o setor avalia as propostas?

Apesar de reconhecerem que é preciso conhecer “os detalhes”, os representantes e personalidades ligadas ao setor da saúde ouvidos pelo ECO consideram que o plano de emergência da saúde apresentado por Luís Montenegro é “bem-vindo” e pode “surtir efeito”. Da parte dos sindicatos, a Federação Nacional dos Médicos (FNAM) lamenta que não tenham sido apresentadas propostas concretas para a valorização dos médicos, enquanto o Sindicato Independente dos Médicos (SIM) avisa que a atribuição de vouchers tem que ser “exequível” e que contratação de médicos aposentados é “solução de recurso”.

Na convenção do PSD, este fim de semana, o presidente do PSD apresentou a medida baseada em três: encurtar prazo das consultas de medicina e geral e familiar através da promoção das teleconsultas, médicos aposentados e recorrer ao privado e social; atribuir vouchers para consultas e cirurgias quando ultrapassado o prazo e redefinir rede de urgências através de incentivos.

“Parece muito positiva a ideia avançada de que há um tempo limite de compromisso para a resposta aos doentes em espera inapropriada”, afirma Adalberto Campos Fernandes, ao ECO, em reação ao plano emergência para vigorar em 2024 e 2025 e baseado em três eixos apresentado na convenção da Aliança Democrática, que junta PSD, CDS, PPM e alguns independentes.

O antigo ministro da Saúde do primeiro governo de António Costa nota que “as reformas em saúde são muito demoradas” e que o cumprimento da Constituição “não é compatível” com longas esperas, dado que se prevê que aja uma “a resposta em tempo adequado com cuidados de qualidade”.

Nesse sentido, e apesar de sublinhar que a aposta no SNS deve ser “prioridade política de qualquer Governo”, sublinha que o setor social e o setor privado podem ajudar “muito” até que “até que o sistema público possa responder naturalmente e de forma completa”. “Não vale a pena vir brandir a questão da privatização, de que estamos a destruir o SNS. Os portugueses já sofreram demasiado com essa retórica ideológica e infelizmente essa retórica ideológica mata e prejudica as pessoas”, avisa.

A posição é partilhada tanto pelo secretário-geral do SIM como pelo bastonário da Ordem dos Médicos. Apesar de se recusar a comentar propostas concretas dos partidos, Carlos Cortes afiança ser “um grande defensor do SNS”, mas avisa que não tem “preconceitos ideológicos”, pelo que todas as medidas que visem melhorar o acesso aos cuidados de saúde com “qualidade” e as condições de trabalho dos médicos são “bem-vindas”.

Por sua vez, Jorge Roque da Cunha sublinha que “faz todo o sentido mobilizar setor social e privado para contribuir para melhorar acesso aos cuidados de saúde desde que se garanta qualidade semelhante àquilo que se exige no SNS“, nomeadamente no que toca aos serviços de urgência.

Ainda assim, no que respeita à proposta de atribuição de vouchers a todos os utentes cuja consulta ou cirurgia supere o Tempo Máximo de Resposta Garantida, o sindicalista e antigo deputado do PSD lembra que já existe o vale-cirurgia SIGIC, mas que tem “dado problemas” uma vez que “em termos financeiros e de prazos de pagamento é pouco atraente”, pelo que são poucas as unidades de saúde privadas a aceitá-lo. Nesse sentido, Roque da Cunha defende, ao ECO, que a atribuição do voucher deve ser “exequível nomeadamente em termos de proximidade” e de modo a que as pessoas tenham que se deslocar o mesmo possível para o utilizar.

“Atendimento deve ser fundamentalmente presencial”

Por outro lado, e no que toca ao encurtamento dos prazos das consultas de medicina geral e familiar, através da implementação da “teleconsulta e da atribuição de um enfermeiro e um médico de família a todos os portugueses, recorrendo, para isso, aos profissionais do SNS, aposentados que estejam interessados e também à capacidade do setor privado e social”, há mais críticas.

“Em relação à questão dos cuidados de saúde primários aposta tem que ser feitas nas consultas presenciais”, diz Roque da Cunha, defendendo que o “atendimento deve ser fundamentalmente presencial” e referindo que espera que o próximo Governo continue a permitir que deixe de haver quotas para as USF modelo A que transitem modelo B, dado que com esta mudança o “problema fica mitigado”. De notar, que há atualmente cerca de 1,7 milhões de portugueses sem médico de família atribuído.

Além disso, o secretário-geral do SIM indica que “há dificuldades nas teleconsultas”, nomeadamente por “não estar regulado em termos éticos e deontológicos a negligência médica” e avisa que a contratação de médicos aposentados é um “penso rápido” e “uma solução de recurso”.

“Nada substitui a relação médico-doente presencial e física e tem que ser o próprio médico em concertação com o doente – já depois de um grau de conhecimento e de relação estabelecido – que definem os momentos em que a teleconsulta substitui a consulta presencial”, corrobora Campos Fernandes.

Já o bastonário da Ordem dos Enfermeiros admite que o plano “pode eventualmente surtir os seus efeitos”, mas sublinha que o “foco” deve ter em conta dois eixos principais: por um lado, “é criar um novo modelo assistencial que reforce os cuidados de saúde primários, os cuidados ao domicílio, os cuidados continuados e também as estruturas residenciais para idosos”, de modo a que atividade assistencial não esteja tanto centrada nos hospitais e também de forma a responder ao envelhecimento da população.

Nesse sentido, sinaliza que a “questão do enfermeiro de família é uma questão importante”. Por outro lado, Luís Filipe Barreira defende um “reforço no capital humano do SNS”, nomeadamente de enfermeiros, dado que Portugal tem 7,3 enfermeiros por mil habitantes quando a média da OCDE é de 8,3 por mil habitantes.

Tal como o bastonário da Ordem dos Médicos, a presidente executiva da FNAM prefere não comentar propostas concretas dos partidos, mas lamenta que na convenção da AD não tenham sido apresentadas propostas concretas para melhorar as condições de trabalho e de valorização salarial dos médicos. “O nosso interesse é garantir e lutar por condições de trabalho melhores com salários mais justos e mais médicos no SNS”, afirma Joana Bordalo e Sá, ao ECO, sinalizando que tal como SIM, o sindicato vai apresentar o seu caderno reivindicativo aos partidos.

Os dois sindicatos que representam os médicos sinalizam que o acordo alcançado no final de dezembro sobre a grelha salarial destes profissionais é intercalar, porque defendem a retoma das negociações com um próximo governo e dado que a classe perdeu cerca de 20% de poder de compra na última década. Quanto ao recurso ao setor privado e social como complementaridade do SNS, a presidente da FNAM diz que isso diz respeito a políticas de saúde, mas alerta que “tem custos para o erário público”.

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