Seguros de saúde versus planos de saúde. O que os une e o que os separa?

Associações que representam as seguradoras e os hospitais privados admitem que "continua a haver muita confusão" entre os dois produtos. Oscar Gaspar pede para acelerar regulação dos planos de saúde.

Numa altura em que se verificam constrangimentos no Serviço Nacional de Saúde (SNS) há cada vez mais cidadãos a recorrerem a seguros de saúde ou planos de saúde para terem acesso a cuidados de saúde. Mas afinal, quais são as diferenças?

Ao subscrever um plano de saúde o cidadão tem acesso a descontos numa rede de prestação de cuidados de saúde, como consultas, videoconsultas ou exames, bem como a condições de financiamento especiais, mediante o pagamento de uma mensalidade, que pode ser mensal, trimestral, semestral ou anual.

Por sua vez, o seguro de saúde cobre riscos relacionados com a prestação de cuidados de saúde, consoante as coberturas previstas nas condições dos contratos e com limites neles fixados. Na prática, com o seguro de saúde o subscritor transfere para uma seguradora a responsabilidade pelo pagamento, total ou parcial, de um conjunto de despesas médicas e como contrapartida paga um prémio de seguro que varia consoante as características da pessoa detentora do seguro.

“Os planos de saúde são cartões de desconto que cobrem o ambulatório, mas fica-se por aí. Os seguros vão muito mais além. Cobrem uma componente de risco que tem que ver com a doença, com o internamento, com cirurgias…”, resume o presidente da Associação Portuguesa de Seguradores (APS), em declaração ao ECO.

Regra geral, e ao contrário dos seguros de saúde, os planos de saúde não têm limite de idade, período de carência ou exclusão de doenças pré-existentes. Além disso, estão limitados a uma rede de prestadores pré-determinados e permite apenas aceder a um conjunto de cuidados de saúde, como consultas e exames a um preço reduzido. Neste âmbito, o pagamento é feito diretamente e na totalidade pelo cliente.

Já nos seguros de saúde o cidadão pode escolher livremente o prestador de cuidados de saúde, bem como um conjunto alargado de coberturas, como cirurgia, internamento, exames e consultas com um elevado valor de comparticipação. Deste modo, o cliente paga apenas o valor que não é comparticipado ou, em alternativa, a totalidade da despesa, mas é posteriormente reembolsado numa parte significativa.

Apesar de ser, segundo a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), uma “opção mais completa e mais protetora e, por isso, mais dispendiosa”, há situações que o seguro de saúde habitualmente não cobre, segundo uma nota informativa divulgada em 2021. São elas:

  • Doenças profissionais e acidentes de trabalho;
  • Perturbações nervosas e doenças do foro psiquiátrico;
  • Check-up e exames gerais de saúde;
  • Perturbações originadas por abuso de álcool ou drogas;
  • Acidentes ou doenças resultantes da participação em competições desportivas;
  • Tratamento ou cirurgia para emagrecimento;
  • Fertilização ou qualquer método de fecundação artificial.
  • Transplante de órgãos ou medula;
  • Tratamento ou cirurgia estética, plástica ou reconstrutiva e suas consequências (salvo se for necessário devido a doença ou acidente cobertos pelo seguro);
  • Estadias em estabelecimentos psiquiátricos, termais, casas de repouso, lares de terceira idade, centros de desintoxicação de alcoólicos ou toxicodependentes.

Planos de saúde e seguros de saúde devem ser entendidos, por isso, como duas coisas distintas: “tem de ser muito claro o que se está a adquirir, bem como as suas vantagens e inconvenientes”, nota ainda o regulador ao ECO, que assegura que tem vindo a trabalhar “na comunicação com o consumidor” sobre o tema.

Tal como o ECO revelou, a ASF compromete-se a apresentar um diploma para regular os planos de saúde ainda este semestre, dado que as fronteiras entre o que diferencia estes planos e os seguros de saúde ainda não estão bem definidas. “O inconveniente mais evidente para os consumidores são os potenciais conflitos com a entidade comercializadora na eventualidade de um diferendo relativamente ao objeto do contrato“, sinalizou o regulador, ao ECO.

Falta de informação causa insatisfação para os consumidores

Um estudo divulgado pela ERS, em 2014, apontava já para “falhas no mercado e riscos de adesão” a estes planos, nomeadamente “dificuldades na rescisão dos contratos celebrados e na devolução dos valores pagos a título de mensalidade, veiculação de uma informação deficitária a propósito dos benefícios associados e fácil confundibilidade com os seguros de saúde“.

A “confusão” entre os dois produtos e que leva a uma “insatisfação” por parte dos consumidores, resultando “muitas vezes em reclamações” é sinalizada, quer pela associação que representa as seguradoras, quer por parte da associação que representa os hospitais privados. “Continua a haver muita confusão na sociedade e no mercado sobre planos de saúde e seguros de saúde”, denota o presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (APHP), sublinhando que “são produtos “totalmente diferentes”.

Por outro lado, José Galamba de Oliveira adianta que esta “confusão” resulta do facto de “as pessoas quando estão a comprar não estão a ser suficientemente informadas ou, pelo menos, quem está a vender não explica claramente qual é diferença entre um seguro e um plano de saúde“. “É um produto que está um bocadinho em terra de ninguém”, atira.

Nesse sentido, apesar de sublinharem que a proposta de regulamentação dos planos de saúde é “bem-vinda” e de aplaudirem a iniciativa, ambos consideram que “vem tarde”. “Valia a pena acelerar o processo [para haver] maior clarificação, nomeadamente porque os planos de saúde não estando sujeitos, até agora, a um acompanhamento estrito por parte da ASF. E a verdade é que acabam por ter mais liberdade, por exemplo, em termos de marketing, nomeadamente em termos de spots de televisão, que, porventura, se o produto fosse mais regulado teria que passar por outro crivo em termos da informação disponível”, admite Oscar Gaspar, em declarações ao ECO.

Tanto Oscar Gaspar como José Galamba de Oliveira realçam que “há espaço para os dois produtos”, dado que estes respondem a “necessidades de saúde” e objetivos diferentes”, mas consideram fundamental regular os planos de saúde e apostar na literacia.

“Mesmo no seguro também é importante que as pessoas tenham a noção exata do que estamos a falar porque, por vezes, faz diferença ter uma cobertura em termos de internamento de 10 mil euros ou de 50 mil euros. Pode fazer a diferença, por exemplo, entre a pessoa ter uma cobertura para um problema oncológico ou não ter“, sublinha Oscar Gaspar.

Com SNS sob pressão, procura por seguros de saúde tem disparado

Numa altura em que o SNS enfrenta constrangimentos e que há mais de 1,7 milhões de portugueses sem médico de família atribuído, a procura por seguros de saúde tem disparado nos últimos anos. “É uma tendência que tem vindo a manifestar-se de forma mais intensa desde 2019, mesmo antes da Covid“, realça, o presidente da associação que representa os hospitais privados e que têm como “principais clientes” esta franja da população.

De acordo com o Observatório dos Seguros de Saúde, em 2022 havia cerca de 3,7 milhões de pessoas em Portugal com seguro de saúde, enquanto os subsistemas públicos abrangiam 1,6 milhões de cidadãos. Na prática, isto significa que cerca 37% da população portuguesa tem seguro de saúde.

O valor médio das apólices de grupo (empresariais) era, nesse ano, de 303 euros por pessoa. Já um estudo da Aon, divulgado pelo Expresso, aponta que este ano as empresas deverão pagar, em média, mais 10% pelos planos de saúde dos seus trabalhadores.

Entre as principais razões apontadas pelos consumidores para adquirir um seguro de saúde, segundo o Observatório, é a dificuldade de acesso a serviços do SNS (43%), bem como a redução do tempo de espera na marcação de consultas, exames ou tratamentos (quase 26%). Por outro lado, os cidadãos valorizam ainda a liberdade de escolha na hora de decidirem o médico pelo qual querem ser tratados ou observados (20,1%).

“Isto faz uma diferença muito grande entre uma ida ao SNS — em que por norma a pessoa é atendida pelo médico que esteja — ou ter um seguro de saúde e fazer a marcação direta com o clínico que pretende”, nota Oscar Gaspar. Além disso, 23,6% dos inquiridos apontam ainda a “maior qualidade dos serviços prestados no privado”, dado que o setor aposta numa tecnologia mais inovadora.

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