Sogrape perde mais de metade dos lucros em 2023. “Resultados não foram aqueles que gostaríamos”

Dona do Mateus Rosé, Barca Velha, Sandeman ou Porto Ferreira fechou o ano com lucros de 11 milhões de euros. Perdas nos EUA pressionam queda global de 4% nas vendas do maior grupo português de vinhos.

A maior empresa portuguesa de vinhos, dona das marcas Mateus Rosé, Barca Velha, Esteva, Sandeman ou Porto Ferreira, não escapou a um “ano extremamente desafiante, com muitos obstáculos no caminho” que afetaram a performance deste setor. A Sogrape fechou o exercício de 2023 com lucros de 11 milhões de euros, o que representa uma quebra de 54,2% em relação aos resultados do ano anterior.

“Sabíamos que 2023 iria ser muito exigente, com todos os desafios que tínhamos pela frente, mas a verdade é que os primeiros meses do ano, em particular, foram ainda mais difíceis que o previsto. Os resultados não foram aqueles que gostaríamos e a que nos tínhamos proposto atingir, mas os ciclos são mesmo assim e na Sogrape não foi exceção”, justifica o CEO, Fernando da Cunha Guedes.

Depois do máximo histórico de vendas alcançado em 2022, a multinacional sediada em Vila Nova de Gaia, que detém mais de 1.600 hectares de vinha distribuídos por Portugal, Espanha, Chile, Argentina e Nova Zelândia, viu o volume de negócios encolher 4% em termos homólogos, para 333 milhões de euros. Num ano em que transacionou o equivalente a 120 garrafas por minuto em mais de 120 mercados, atingiu um EBITDA de 42 milhões de euros.

No Yearbook 2023, a que o ECO teve acesso, o administrador financeiro destaca, por outro lado, que “apesar do incerto e desafiante panorama macroeconómico mundial e de todas as suas implicações, que obrigam a uma constante adaptação, a Sogrape tem somado anos com performances e rentabilidades muito positivas”. “Em 2023, embora em menor grau, mais uma vez apresentou um desempenho financeiro sólido, onde a procura permanente de eficiência foi determinante para manter a sustentabilidade do negócio”, sustenta Bernardo Brito e Faro.

Os resultados não foram aqueles que gostaríamos e a que nos tínhamos proposto atingir, mas os ciclos são mesmo assim e na Sogrape não foi exceção.

Fernando da Cunha Guedes

CEO da Sogrape

O crescimento de 4% na comercialização de vinhos no Reino Unido e em Portugal, que em conjunto valem 63% do total, foi insuficiente para compensar a quebra superior a 20% (em euros) registada nos EUA. Aquele que continua a ser o terceiro principal mercado para a Sogrape foi “particularmente afetado pelo contexto mundial desfavorável, tendo o consumo de vinho apresentado a pior performance em décadas”. E o importador do grupo naquele mercado (Evaton) também viu as vendas caírem acima de 20% em dólares americanos.

Entre os restantes principais mercados, a empresa que acaba de lançar um fundo de capital de risco com dotação inicial de cinco milhões de euros para investir em startups, destaca ainda pela negativa o Benelux, França, Suíça, Alemanha e Itália. Em Angola também caiu acima dos 10%, embora ressalve no mesmo documento que isso “decorra da desvalorização cambial do kwanza face ao euro e não reflita a evolução positiva do negócio” neste país africano, onde a sua distribuidora própria Vinus cresceu a dois dígitos, tanto em valor das vendas em kwanzas, como em volume.

Fernando da Cunha Guedes, CEO da Sogrape

“A perda de poder de compra dos consumidores com a natural retração no consumo e a redução de stocks dos nossos distribuidores, num contexto inflacionário e de aumento das taxas de juro, desempenharam um papel crucial na performance do setor e, em particular, nos EUA. Podemos ainda falar da instabilidade geopolítica, das fortes desvalorizações do kwanza e do peso argentino, da valorização do euro face a outras moedas fortes, do agravamento da carga fiscal, da legislação sobre as bebidas alcoólicas e alteração nos hábitos de consumo”, contextualiza Fernando da Cunha Guedes.

Por outro lado, acrescenta o atual presidente e representante da terceira geração da família que em 1942 fundou uma pequena adega na região do Douro focada na produção de Mateus Rosé, a este contexto externo somaram-se “algumas decisões internas de foco em operações e produtos de maior valor acrescentado, o que levou a perder de forma voluntária algumas vendas de operação não tão rentáveis e alguns negócios menos estratégicos”.

Investimentos em Gaia, Vila Real e no Douro espanhol

Apesar desta “conjuntura externa desfavorável a impactar fortemente a atividade e o desempenho do negócio”, Fernando da Cunha Guedes sublinha que a Sogrape “soube aproveitar este momento para preparar ativamente o seu crescimento no futuro”. O plano de investimentos executado em 2023, avaliado em 17 milhões de euros, focou-se em projetos na Península Ibérica.

Em particular, na expansão e modernização da instalação produtiva e logística de Avintes, para o arranque das obras na adega de Vila Real e para a aquisição da Viña Mayor no lado espa­nhol do Douro. Uma pro­pri­e­dade com 20 hec­ta­res de vinha e faturação anual a rondar os dez milhões de euros, que foi comprada à Entre­ca­na­les Domecq e Hijos (EDH).

Com produção em Portugal (Douro, Vinhos Verdes, Dão, Lisboa e Alentejo), agora em quatro regiões de Espanha (Rioja, Rías Baixas, Rueda e Ribera del Duero), no Chile, Argentina e Nova Zelândia, num total de cinco origens e 12 regiões vitivinícolas, os vinhos ibéricos corresponderam a três quintos das vendas totais.

No caso das portuguesas, que dominam um portefólio composto por mais de 35 marcas próprias, enquanto a líder duriense Casa Ferreirinha cresceu 2% em termos homólogos, o Mateus caiu 4%. O tropeção conjunto nas insígnias de vinho do Porto superou os 10%, tal como (em euros) as que produz no chamado Novo Mundo: a argentina Finca Flichman, a chilena Viña Los Boldos e a nova-zelandesa Framingham.

Casa Ferreirinha igual vendas do Mateus

Em Portugal, tal como noutros quatro países em que também tem distribuição própria, o grupo que soma atualmente 1.200 trabalhadores (mais 50 do que no ano anterior), 19 adegas e 16 linhas de engarrafamento viu a distribuidora no mercado nacional, em que representa marcas de outros produtores, disparar quase 20%. Como é que isso aconteceu? “Por via de crescimento orgânico de marcas como Jack Daniels ou Gancia, [e] através da incorporação de novas marcas de vinhos e bebidas espirituosas no portefólio”, concretiza.

Já perspetivando o exercício de 2024, o grupo nortenho, que não respondeu às questões do ECO até à hora de publicação do artigo, sublinha no relatório que espera “manter o crescimento sustentado do negócio e, suportado na atual solidez financeira, procurar fontes adicionais de crescimento através da inovação, do desenvolvimento de novos canais ou através de projetos de aquisição estratégica”. Fortalecer a presença e relevância ibérica e acelerar a “premiumização” do portefólio são precisamente dois dos cinco pontos do plano estratégico a cinco anos que resolveu rever no final de 2023.

Os desafios que a empresa e a indústria do vinho enfrentam são também evidenciados neste documento. Vão além do atual contexto macroeconómico e exigem novas formas de alavancar a agilidade, a flexibilidade, a frugalidade e a eficiência ao longo de toda a cadeia de valor”. Vão desde as alterações climáticas às “mudanças significativas” ao nível da cadeia logística, passam pela “crescente consciencialização para a sustentabilidade” e regulamentação sobre o setor de bebidas alcoólicas, e terminam na transformação digital e na aceleração da inovação num setor tradicional.

Para equilibrar este exercício, no quadro das oportunidades aparece cada vez mais carregado o segmento do enoturismo, que no ano passado voltou a registar um recorde de vendas e EBITDA. Agora com um total de oito operações abertas ao público, incluindo as Caves da Sandeman e Porto Ferreira, em Vila Nova de Gaia; a Quinta do Seixo (Douro); ou o Mateus Hotel inaugurado no final do verão em Lisboa, no mesmo edifício do recém-inaugurado Independente-Bica, a unidade de negócios Grape Ideas contabilizou no ano passado um total de 250 mil visitantes de 20 nacionalidades.

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