“Há risco de” diminuição na ambição. Agenda “verde” será posta à prova em Bruxelas na próxima legislatura

Com as projeções a sugerirem uma subida da direita, há suspeitas de que a agenda "verde" seja colocada em segundo plano, depois de um mandato em que a UE assumiu a liderança na transição energética.

Nos últimos cinco anos foram dados passos largos em matéria de combate às alterações climáticas e transição energética na União Europeia (UE), tendo os 27 Estados-membros assumido a ambição de liderar a agenda “verde” a nível mundial. Mas a poucos dias das eleições europeias, a 9 de junho, não será certo que na próxima legislatura a ambição “verde” se mantenha no topo da agenda.

À semelhança do que se vai assistindo um pouco por toda a Europa, as sondagens preveem um reforço da direita no Parlamento Europeu, com os liberais e a extrema-direita a ganhar peso entre as bancadas dos eurodeputados. “Sabemos que há um risco da extrema-direita ganhar mais terreno e haver uma diminuição nas ambições“, admite Sara Cerdas, eurodeputada do PS. Se for esse o caso, “é provável que tudo o que seja políticas ambientais sejam postas em causa“, afirma Susana Fonseca, vice presidente da Zero.

Em todo o caso, o Partido Popular Europeu (PPE) deverá continuar a ser o maior grupo político no hemiciclo em Bruxelas, o que leva ao PSD, que faz parte dessa família política, a reiterar que a bancada está comprometida com a agenda “verde” e a recordar, desde logo, o Pacto Ecológico Europeu. Apresentando por Ursula von der Leyen, poucos dias depois de ter tomado posse como presidente da Comissão Europeia, em 2019, “é o documento estruturante de toda a transição ambiental e económica que estamos a fazer”, composto por 14 propostas fundamentais, aponta Lídia Pereira, eurodeputada do PSD e coordenadora do programa da Aliança Democrática (AD), ao ECO.

É dentro deste pacote que nasce o Objetivo 55 – que faz da redução de emissões em todo o bloco, de pelo menos, 55% até 2030 uma obrigação legal – e a Lei Europeia do Clima, em 2021, “a primeira no mundo”, que vincula juridicamente os 27 com o objetivo da neutralidade carbónica até 2050, tal como recomendam os especialistas. Esta lei está assente em três dimensões: “A redução das emissões, o investimento em tecnologias limpas e a proteção do ambiente natural”, identifica Lídia Pereira.

Para a Zero, foi no âmbito desta lei que mais se verificaram evoluções no que toca ao clima e às alterações climáticas, e com “menor oposição”, mas ainda assim “há muito por fazer”. Parte desse trabalho será retomado na próxima legislatura, aponta Sara Cerdas, nomeadamente, com aplicação dos diplomas ligados aos transportes – que preveem a incorporação de mais combustíveis sustentáveis na aviação e transporte marítimo que hoje dependem quase exclusivamente dos combustíveis fósseis – e infraestrutura, ao adaptar as redes de carregamento face à transição para uma mobilidade elétrica.

“A próxima legislatura no Parlamento Europeu terá um papel de destaque porque vai garantir que os regulamentos estão a ser cumpridos. É um grande trabalho que terá de ser feito”, destaca a eurodeputada socialistas que não foi convidada a integrar a lista do PS, na próxima legislatura.

Mas os avanços no clima também se verificam noutras matérias. “Uma das principais propostas que conseguimos aprovar tem a ver com a descarbonização e a redução das emissões para a atmosfera, uma das principais causas para o aquecimento global”, recorda Sara Cerdas, sublinhando que o principal objetivo da Estratégia da UE para a adaptação às alterações climáticas permite tornar o bloco europeu “mais resiliente” às adversidades climáticas até meados do século.

E ainda com o nascimento do Net Zero Industry Act, em resposta ao Industrial Reduction Act (IRA, na sigla em inglês) dos Estados Unidos. Com este plano, aponta Lídia Pereira, Bruxelas pretende “aumentar a capacidade de desenvolvimento e produção de tecnologias que apoiem a transição para a energia limpa” emitindo gases baixos, nulos ou negativos numa altura em que se assiste a uma desindustrialização nos 27 Estados-membros face aos incentivos vindos dos Estados Unidos e da China.

Ambição “verde” será posta à prova

Para a próxima legislatura, tanto o PS como o PSD concordam que será necessário aumentar a ambição da agenda “verde” no Parlamento Europeu. Para Sara Cerdas, a prioridade terá de passar por “colocar a biodiversidade no centro do debate” e, por outro lado, “garantir que existe um reconhecimento dos impactos do clima na saúde” que, todos os anos, vitimiza 300 mil pessoas prematuramente na União Europeia devido à poluição do ar. Já Lídia Pereira aponta como prioridades “a eletrificação e a implantação de energias renováveis, o desenvolvimento do hidrogénio verde como solução industrial” ou a “elaboração de uma estratégia europeia” para a desertificação, água e oceanos.

Mas não será fácil. “Se houver um reforço da extrema-direita teremos problemas, e não é só na área ambiental“, alerta a vice-presidente da Zero, apelando para que o voto no dia 9 de junho tenha em conta a “importância e o futuro da UE”.

O alerta surge após a divulgação de um barómetro realizado por cinco organizações ambientalistas não governamentais, uma delas a Zero, no qual se concluiu que as bancadas mais à direita no Parlamento Europeu foram consideradas as piores na proteção do clima e natureza, no último mandato, quando analisado o sentido de voto nestas matérias.

Assim, as cinco ONG distribuíram os grupos parlamentares em três categorias: os “protetores” – Os Verdes Europeus (família do Livre e do PAN), a Esquerda Europeia (família do Bloco e do PCP) e a Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas (PS) –, os “procrastinadores” – Renovar Europa (família da Iniciativa Liberal) – e os “pensadores pré-históricos” – PPE (PSD e CDS), Conservadores e Reformistas Europeus e Identidade e Democracia (Chega).

Quanto mais à direita, menos apoio há. Ou há, mas com variabilidade face aos vários partidos que integram o PPE”, explica Susana Fonseca. “Na extrema-direita, isso não acontece. São praticamente sempre contra“, diz a ambientalista.

E os riscos de a bancada mais extremista ter um papel de destaque nas instituições europeias, nos próximos cinco anos, ganhou maior relevância nas últimas semanas, com Ursula von der Leyen a admitir negociar com Giorgia Meloni, primeira-ministra italiana e líder dos Conservadores e Reformistas Europeus, na próxima legislatura.

Da análise dos ambientalistas, apenas o PSD se manifestou contra, rejeitando as acusações. O partido que integra o grupo social-democrata na assembleia europeia sublinhou em reação à Lusa que, “estatisticamente, entre 2019 e 2024, o PSD votou favoravelmente 95% das propostas legislativas do Pacto Ecológico Europeu“, num total de 39 apoiadas de 41.

“Não é, por isso, rigorosa nem objetiva a comunicação feita por algumas organizações ambientalistas sobre o sentido de voto dos deputados do PSD relativamente às questões ambientais. Além dos dados estatísticos bem expressivos, fomos um verdadeiro motor de um dos textos mais importantes do mandato, a aprovação da Lei Europeia do Clima, a primeira do género no mundo e na qual o PPE teve um papel fundamental”, salientou Lídia Pereira.

Mas Sara Cerdas subscreve o alerta da Zero, recordando a votação polémica da Lei do Restauro da Natureza, no ano passado.

“Depois desta experiência que tive, é certo que se tivermos uma maioria do lado dos negacionistas no Parlamento Europeu, na próxima legislatura, prespetivo uma dificuldade acrescida em aprovar legislação adequada face às ambições que temos“, defendeu a socialista, acusado o PPE e os partidos da direita de levar a cabo uma “campanha de desinformação” que arriscou o futuro deste pacote legislativo, um dos 14 pontos do Pacto Ecológico Europeu.

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