BRANDS' ECO Conferência “Sustainability4cities”: Como tornar as cidades sustentáveis?

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  • 6 Junho 2024

Decorreu ontem, na Fundação de Serralves, a conferência “Sustainability4cities”, que reuniu vários especialistas para discutirem as formas de tornar as cidades mais inclusivas e sustentáveis.

A Conferência “Sustainability4cities”, organizada pela Ordem dos Engenheiros – Região Norte (OERN), em parceria com a Fundação de Serralves, decorreu, ontem, Dia Mundial do Ambiente, durante o período da manhã, no Auditório do Museu de Arte Contemporânea da Fundação de Serralves.

O evento reuniu um conjunto de oradores especialistas que analisaram as diferentes abordagens para a constituição de cidades e comunidades inclusivas, seguras, resilientes, sustentáveis e biodiversas. O programa contou, ainda, com a realização de visitas guiadas e temáticas no Parque de Serralves.

Na abertura da sessão marcaram presença Ana Pinho, Presidente do Conselho de Administração da Fundação de Serralves; Maria João Correia, Vice-Presidente OERN; Fernando de Almeida Santos, Bastonário da Ordem dos Engenheiros; e Filipe Araújo, Vice-Presidente da Câmara Municipal do Porto.

“A sustentabilidade não é apenas uma palavra de moda. É uma necessidade absoluta e urgente. Está em causa o nosso modo de vida. Teremos de aprender a melhorar a forma como produzimos e consumimos energia, como construímos e mantemos edifícios, como usamos os transportes, como queremos que sejam as cidades onde vivemos e as que visitamos. E todos estes são temas onde os engenheiros são fundamentais”, começou por dizer Ana Pinho.

Nesse sentido, ressalvou a importância de se criarem “comunidades inclusivas e seguras” nas cidades, “onde todas as pessoas tenham igual acesso a serviços de qualidade”: “Para tal, é essencial que se invista em transportes públicos eficientes e que se desenvolvam políticas de habitação que garantam que todos têm um lugar digno para viver. Também é fundamental desenharmos edifícios e espaços públicos funcionais, isto porque as nossas cidades estão a ser vítimas de mudanças climáticas e precisam de ser projetadas para resistirem e se adaptarem a elas. Isso exige infraestruturas que suportem estes eventos, bem como a implementação de sistemas de alertas e planos de emergência eficazes”.

A requalificação de edifícios antigos, a preservação e restauração de ecossistemas naturais e a integração de espaços verdes nas áreas urbanas também foram medidas destacadas pela Presidente da Fundação de Serralves, que afirmou ser uma forma eficaz de “melhorar a qualidade do ar e proporcionar habitats para a fauna e flora, como também oferecer locais de lazer e bem-estar para a população”. E, neste ponto, deu o exemplo da Fundação de Serralves que, além de ser “o pulmão da cidade”, é também “um local de encontro, educação e inspiração para os habitantes”. “A consolidação dos 18 hectares do parque de Serralves, com mais de 100 mil exemplares de espécies contribuem para absorção de carbono na cidade”, disse.

Por essa razão, Maria João Correia explicou que foi importante trazer esta edição da conferência “Sustainability4cities” para Serralves, já que considera a Fundação “um exemplo a seguir por qualquer cidade”. “E, apesar de absorver muito dióxido de carbono através de toda a sua vegetação e arvoredo, reconhece que tem um percurso a fazer em prol da sua sustentabilidade, e tem a sua própria estratégia para a neutralidade carbónica.

A vice-presidente da OERN acrescentou, ainda, que esta conferência nasceu em 2020, quando a OERN entendeu “que era muito importante trazer a discussão o tema da sustentabilidade das cidades”: “Isto porque mais de metade da humanidade vive em cidades e estas são responsáveis por cerca de 65% das emissões de gases com efeitos de estufa. Havendo ainda pouco progresso nas nossas cidades a nível nacional, é essencial debatermos este tema”.

“A sustentabilidade, por si só, é um étimo suave e agradável pela simples razão de ser de aplicação facultativa, o que não quer dizer que não estejamos obrigados a aplicá-la, mas é no sentido positivo. Contrariamente à palavra resiliência, que é impositiva. Neste caso, a sustentabilidade é fazer bem as coisas, já a resiliência é aguentar até conseguir passar um período negativo. Mas a sustentabilidade não se esgota no ambiente. O ambiente é um dos pilares entre os três essenciais da sustentabilidade, que é o ambiente, o social e o económico. Se os dois primeiros não se conjugaram bem, contribuem negativamente para o económico. Na Ordem dos Engenheiros preocupa-nos a questão ambiental e temos vindo a fazer uma série de trabalho sobre estas matérias de energia, clima, ambiente, mas também pessoas. Nós não somos um país sustentável se não tivermos pessoas“, realçou, por sua vez, Fernando de Almeida Santos, Bastonário da Ordem dos Engenheiros.

A última intervenção da abertura foi feita por Filipe Araújo, Vice-Presidente da Câmara Municipal do Porto, que destacou o trabalho que a Câmara do Porto tem vindo a desenvolver para promover a sustentabilidade da cidade: “Temos trabalhado muito nas áreas que envolvem as questões da sustentabilidade, seja na área da energia, da água, da economia circular, de inclusão e também dos transportes. Mas este é um tema que não diz respeito apenas ao que o município pode fazer enquanto instituição, é um tema que diz respeito a um caminho que temos percorrido com diversas instituições da cidade“.

Equilíbrio entre urbanismo e natureza determina o bem-estar

Depois da sessão de abertura, seguiu-se o primeiro painel de debate, moderado por Rui Calçada, Diretor da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, com o tema “Ecossistemas e Biodiversidade – Panorama nas cidades”. Este painel contou com a presença de Helena Freitas, Diretora do Parque de Serralves; Nuno Banza, Presidente do Conselho Diretivo do Instituto da Conservação da Natureza e Florestas; Ricardo Rio, Presidente da Câmara Municipal de Braga; e Paula Mendes, Diretora do Departamento de Educação, Comunicação e Sustentabilidade da Lipor.

Hoje somos maioritariamente urbanos e, nas próximas duas ou três décadas, atingiremos cerca de 70%. Temos de aprender a viver nestes ambientes, não deixando de suprir as necessidades humanas, que passam pela conservação dos ecossistemas e da natureza. E este é um desafio tremendo que temos pela frente, é o grande desafio do século XXI“, começou por dizer Helena Freitas.

A diretora do Parque de Serralves acrescentou ainda que, neste contexto, “Serralves é um um exemplo notável de como é possível conservar um espaço verde na cidade e fazer dele um ato permanente de pedagogia pelo ambiente, pela educação, pela ciência”: “Não temos mais nenhum exemplo desta dimensão e capacidade. É o exemplo português mais notável e talvez um dos exemplos europeus de igual notoriedade”. Ainda assim, realçou que é um “desafio gigante” conservar o verde na cidade, já que isso exige estarem “permanentemente atentos, cuidar das espécies, garantir que previnem a doença, que a água chega e que não se gasta em excesso”.

A mesma opinião foi partilhada por Nuno Banza, que também reconheceu Serralves como um exemplo de um equilíbrio entre o ambiente urbanizado e o ambiente natural: “Quando falamos de sustentabilidade nas cidades, falamos da sustentabilidade no território onde vive a maioria das pessoas. Precisamos de olhar para as cidades numa perspetiva completamente diferente. Era interessante ter, a nível nacional, experiências como o Parque de Serralves, mas infelizmente isso não aconteceu“.

Contudo, o Presidente do Instituto da Conservação da Natureza e Florestas, reconheceu que, ainda assim, existem exemplos de cidades que se “desenharam e prepararam” para os desafios das alterações climáticas, “desafios esses que foram agravar algumas das características que decorreram dos modelos de governamento que foram sendo seguidos, muitos deles não garantindo um equilíbrio entre o espaço urbanizado e o espaço verde, e, felizmente, isso começa agora a ter uma dinâmica completamente diferente“.

E, dentro dos bons exemplos, Ricardo Rio, falou do papel do município de Braga: “Nós temos trazido os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para o enquadramento de todas as estratégias e iniciativas que temos desenvolvido. Fomos um dos primeiros municípios portugueses a trabalhar com a Universidade Católica para monitorizar o cumprimento dos ODS, fomos o primeiro município português a submeter às Nações Unidas o nosso relatório voluntário de escrutínio de cumprimento dos ODS e temos estado a trabalhar com várias redes internacionais nesse contexto e isso reflete-se em como concretizamos as políticas em termos locais”.

Neste ponto, o presidente da Câmara Municipal de Braga referiu, ainda, a importância da colaboração institucional, bem como a particularidade de Braga ter uma realidade territorial muito heterogénea, já que está rodeada de recursos naturais, nomeadamente pelo Rio Cávado, por Sacro Montes, o que “melhora a qualidade de vida dos cidadãos”.

“A biodiversidade não tem um impacto só ambiental, mas também social, financeiro e ético. A Lipor, com os seus oito municípios associados, tem vindo a mapear todas as questões de promoção e regeneração da biodiversidade na sua estratégia e naquilo a que chama de lado B, o lado da biodiversidade. Nesse lado B, temos vindo a identificar os impactos da nossa atividade, definindo ações de minimização, de prevenção, de regeneração e de promoção da biodiversidade. Hoje somos uma organização que fortalece e regenera o ambiente das áreas onde estamos”, afirmou Paula Mendes.

A responsável da Lipor explicou, também, que a estratégia da empresa assenta em quatro tópicos, nomeadamente na consolidação da estratégia; na promoção da biodiversidade e da transição climática; na experiência da natureza nas cidades e nos territórios; e na partilha da paixão pela natureza. Todos estes tópicos ligados a “dois drivers fundamentais” – a monitorização do programa e a medição do impacto do que está a ser gerado.

Fator pessoas é fundamental na promoção da sustentabilidade

O segundo painel de debate do evento, dedicado ao tema “Cidades e Comunidades inclusivas, seguras, resilientes e sustentáveis” e moderado por Alexandra Abreu Loureiro, Partner Brunswick Group, teve como oradores Rui Costa, Diretor de Recursos e Projetos Especiais da Fundação de Serralves; Francisco Vilhena da Cunha, CEO da GEOSAT; Inês Mota, Diretora de Sustentabilidade e Responsabilidade Social Corporativa da Mota-Engil; Luísa Salgueiro, Presidente da Associação Nacional dos Municípios Portugueses; e Luís Silva Santos, Presidente do Conselho de Administração da Ascendi SGPS SA.

Luísa Salgueiro começou por destacar a importância que os municípios tiveram ao nível do desenvolvimento do país, desde logo ao nível de infraestruturas. “Daí para cá, estamos num novo momento de desenvolvimento de população e do poder local com as comunidades, muito focado no tema da sustentabilidade. Isto porque os municípios têm um trabalho muito significativo na matéria de dupla transição – energética e digital -, mas isso só é possível atingir com o envolvimento das pessoas”.

Nesse sentido, a Presidente da Associação Nacional dos Municípios Portugueses deu um exemplo da aproximação do cidadão a estas metas ao partilhar a ideia do “Comboio das Bicicletas”, uma iniciativa que está a ser colocada em prática em Matosinhos, na qual vários encarregados de educação se organizam e definem um dia em que cada um será “maquinista” de vários alunos, que irão de bicicleta para a escola.

O envolvimento das pessoas e de parcerias com outras instituições também foi enaltecido por Rui Costa, que disse: “A Fundação de Serralves tem um património cultural e natural de exceção, e tem no seu ADN as questões da inclusão e sustentabilidade ambiental. As várias parcerias que estabelece têm proporcionado que, ao longo dos anos, Serralves se aprofunde, cada vez mais, em metodologias para resolver problemas sociais“.

Por sua vez, no que diz respeito à mobilidade, Luís Silva Santos reconheceu que este é um setor que é “pouco simpático para a sustentabilidade”, no entanto assegurou que a segurança do cidadão tem vindo a ser a prioridade para a Ascendi, assim como alguns projetos de autoconsumo que estão a implementar com o objetivo de “compensar” a emissão de gases com efeito de estufa: “Estamos a fazer uma experiência, que vai ser a primeira em Portugal, na qual fizemos um levantamento do potencial de energia solar nas autoestradas. Neste momento, temos uma fotografia muito exata do aproveitamento fotovoltaico nas nossas autoestradas. Vamos avançar com a instalação de painéis solares na A16, com uma capacidade de 7MW, que vai ser vendida em comunidades. Se alargássemos isso a toda a nossa rede, poderíamos cobrir cerca de 1/3 das emissões dos carros da nossa rede”.

“Mais de 20% da nossa frota é elétrica. Nas voltas mais longas ainda é difícil, até pela disponibilidade de carregamento elétrico ao longo das estradas, que também é um investimento grande que pretendemos fazer para disponibilizar carregamento elétrico em praticamente todas as estações de serviço. Também começamos a trabalhar em termos de hidrogénio que, para os veículos pesados, será parte da solução. Mas, para isso ser feito, tem de haver disponibilidade de pontos de carregamento e, nesse sentido, já temos um estudo feito para saber onde podemos pôr os pontos de carregamento de hidrogénio“, continuou o Presidente do Conselho de Administração da Ascendi.

Na perspetiva de Inês Mota, “tudo o que é poluição é um erro de design e um erro de engenharia”, já que acredita que “a performance de uma infraestrutura depende do seu planeamento e do seu projeto”: “Temos de assumir o nosso impacto e começarmos a trabalhar por aí. Temos de pensar no ciclo de vida como um todo, pensar nas três áreas de negócio, que é o ambiente, o social e o governo, fazer pequenos trade-offs, e pensar a longo prazo. O grande inimigo da sustentabilidade do negócio é o retorno a curto prazo e isto vai ter de ser feito num esforço conjunto, em que cada um assume o seu papel até à altura da construção”.

Esses trade-offs precisam de informação factual, que muitas vezes é disponibilizada por satélites. Francisco Vilhena da Cunha, CEO da GEOSAT, afirmou: “Temos dois satélites de alta resolução, mas o que interessa é o que conseguimos fazer com os satélites”. “Conseguimos conhecer o nosso mundo, já que os satélites nos dão uma visão imparcial do mundo; além disso, vão medir as variáveis do terreno; vão passar a informação sobre o que está a acontecer com as colheitas do nosso país, fruto do aumento da temperatura; mostram as novas construções; a água que está a ser utilizada; indicam se há fuga de água nas condutas; calculam o sequestro de carbono. E, além de tudo isto, também são cada vez mais utilizados para segurança.

A visão dos engenheiros e a visão do Estado

No encerramento da sessão, Bento Aires, Presidente da Ordem dos Engenheiros da Região Norte, começou por dizer que “só há uma ciência que liga o material e o imaterial, que é a engenharia”. E continuou: “Hoje o desafio é sairmos daqui com a consciência de que temos de estabelecer novas regras de sustentabilidade e de cidade. Eu não olharia para a cidade como uma grande metrópole, mas sim como um sítio onde vivemos em comunidade, na qual qualquer cidadão se insere, que é o mesmo sentido de coletividade que defendemos também para a engenharia, que pensa o futuro de forma coletiva”.

A sustentabilidade é a capacidade que temos de não consumir os recursos das gerações que vêm a seguir. A geração dos nossos filhos não tem a obrigação de nos desculpar e cabe-nos a nós conseguirmos resolver estes descontentamentos. Mas como é que nos conseguimos tornar mais sustentáveis? Primeiro, através da partilha de conhecimento, e a seguir é pela forma como tratamos o ambiente. E foi por isso que juntamos aqui a parte da governance e que convidamos líderes e empresas para fazermos uma reflexão global do que é sermos sustentáveis”, acrescentou o Presidente da OERN.

Bento Aires garantiu, ainda, que “conseguirmos ter profissionais capacitados para os desafios do futuro”, mas relembrou que “há outra geração que tem de ser capacitada”. No entanto, neste contexto, falou também da falta de engenheiros na comunidade, “sobretudo na Administração Pública”, que considera ser um fator crucial para “capacitar mais a decisão política de critérios de valor, bem como para reter e captar talento, com a ambição de fazer regressar quem está lá fora”.

“As emissões de Portugal, à escala do mundo, são pequenas. Mas temos de ser laboratórios mundiais. Temos de estar cientes de que podemos tornar isto um laboratório, internacionalizar e sermos globais“, concluiu o Presidente.

Nesse sentido, Emídio Sousa, Secretário de Estado do Ambiente, acrescentou que acredita que é precisamente através do ambiente que se conseguirá ter uma aceleração do plano de retenção de pessoas e de talento. Assim sendo, revelou que “a próxima grande ação do governo vai ser na área do ambiente”, nomeadamente uma revisão do Plano Nacional da Água, de forma a acabar com as perdas de água e as ineficiências hídricas.

Além disso, o governo tem como meta “reduzir em 10% os resíduos em aterro até 2025”. Mas, neste ponto, realçou a importância de dar um incentivo ao consumidor para que ele participe. “E eu até colocaria um novo desafio, que é deixarmos de falar de resíduos e começarmos a falar de materiais que podem ser reutilizados. A UE pode tornar-se competitiva se aprender a usar estes recursos. Se formos líderes em processos de sustentabilidade, seja em projetos e tratamentos de resíduos, podemos desenvolver novos setores económicos. O ambiente pode ser o novo trunfo dos europeus neste mercado global”, concluiu.

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