Como o corte das taxas de juro do BCE mexe com a sua carteira

A redução das taxas de juro do BCE em 25 pontos base desapontou os aforradores que aplicam a maioria das suas poupanças em depósitos, mas alegrou os titulares de créditos à habitação.

Esta quinta-feira, o Banco Central Europeu (BCE) anunciou um corte de 25 pontos base das taxas de juro. Foi o primeiro corte das taxas diretoras do BCE após um período de dez subidas consecutivas que elevaram o preço do euro em 450 pontos base, entre julho de 2022 e setembro de 2023.

Apesar de ter sido uma decisão largamente esperada pelos mercados, e por isso já descontada nas taxas Euribor e nas cotações das ações e de outros ativos financeiros, traz implicações significativas para as finanças pessoais dos portugueses, sobretudo em virtude das declarações proferidas por Christine Lagarde na conferência de imprensa após o anúncio da decisão do Conselho do BCE.

Na carteira das famílias, o corte das taxas de juro anunciadas agora pelo BCE e a abertura para a realização de pelo menos mais um corte até ao final do ano traduz-se, desde logo, na forte possibilidade de a taxa de inflação se manter controlada, aproximando-se cada vez mais da meta dos 2%.

“A confiança [dos membros do Conselho do BCE] relativamente à inflação aumentou ao longo dos últimos meses”, referiu Christine Lagarde, presidente do BCE, no seguimento da conferência de imprensa que deu após o anúncio do corte das taxas de juro, sublinhando que esse foi mesmo o principal argumento para o BCE cortar as taxas diretoras.

No entanto, essa expectativa deverá também produzir uma descida da taxa de juro dos depósitos a prazo nos próximos meses. Aliás, desde dezembro que as taxas de juro dos depósitos da banca nacional têm caído, inclusivamente de forma mais acentuada do que na Zona Euro.

Atualmente, estes depósitos bancários remuneram as poupanças das famílias a uma taxa média de 2,75%, 0,33 pontos percentuais abaixo da taxa de juro média praticada em dezembro, e 0,36 pontos percentuais a menos que os 3,11% praticados na Zona Euro. Segundo dados do Banco de Portugal, entre os 20 Estados-membros, apenas seis pagam menos que os bancos nacionais.

O cenário atual exige assim às famílias uma maior atenção e diversificação das suas estratégias de poupança e investimento, de forma a mitigar os impactos negativos da mudança do rumo da política monetária europeia.

A descida mais abrupta da taxa de juro dos depósitos em Portugal face à média da área do euro deve-se, em parte, à expectativa do mercado em redor de cortes agressivos por parte do BCE, levando os bancos a ajustarem as suas ofertas. Filipe Garcia, economista e presidente da IMF, explica que esta tendência reflete o poder de mercado da banca portuguesa sobre as poupanças, resultando numa fraca remuneração dos depósitos aos particulares.

Os bancos cortaram nas remunerações [dos depósitos a prazo] para se defenderem da possibilidade de o BCE cortar as taxas de juro de forma mais agressiva no segundo semestre, mas as remunerações continuam longe das Euribor para esse prazo, sobretudo se estivermos a falar da oferta para o retalho”, refere Filipe Garcia, notando ainda que “a fraca remuneração dos depósitos ao retalho em Portugal não é uma situação nova e mostra o poder de mercado da banca no que toca a poupanças. Seriam bem-vindas atuações mais competitivas”.

Menos juros nos depósitos e também no crédito da casa

Com quase 50% dos ativos financeiros concentrados em depósitos bancários ou produtos semelhantes, é natural que as famílias mais aforradoras não tenham adorado o corte das taxas do BCE. Porém, se forem mutuários de um empréstimo à habitação, o sentimento é exatamente o oposto.

A maioria dos contratos de crédito para a compra de casa (mais de 95%) usam como indexante de uma das mais relevantes taxas Euribor (3, 6 ou 12 meses). Estes indexantes acompanham de perto as taxas diretoras do BCE, oscilando conforme a política monetária do BCE e, sobretudo, com as expectativas do mercado em redor das taxas de juro do BCE.

É por essa razão que desde o quarto trimestre do ano passado as taxas Euribor têm estado a corrigir, “prevendo-se que esta correção possa continuar, embora perante a maior incerteza de futuros cortes pelo BCE, Fed, Banco de Inglaterra e de outras autoridades monetárias, a um ritmo mais moderado”, revela João Queiroz, head of trading do Banco Carregosa.

Não é previsível que as taxas Euribor desçam de forma muito mais acelerada, nem que iniciem um ciclo de descidas ao mesmo ritmo com que subiram no passado recente.

Atualmente, a Euribor a seis meses, utilizada em cerca de 38% dos contratos de crédito à habitação, está a 3,738%, segundo o European Money Markets Institute, e deverá baixar para os 3,41% até ao final do ano, de acordo com as projeções divulgadas pela Chatham Financial para os forward rate agreements deste indexante — contratos financeiros negociados em mercado secundário que permitem a fixação de uma taxa de juro no futuro e que são utilizados pelos profissionais para antecipar as oscilações das taxas de juro no longo prazo.

Num empréstimo de 200 mil euros a 30 anos com um spread de 1%, esta queda da Euribor a seis meses traduz-se na passagem de uma prestação de 1.042 euros para 1.003 euros.

No entanto, não é previsível que as taxas Euribor desçam de forma muito mais acelerada, nem que iniciem um ciclo de descidas ao mesmo ritmo com que subiram no passado recente. “No caso das maturidades mais curtas, que estiveram a ajustar ao corte que se esperava, deverão voltar a ajustar a um corte para setembro/outubro”, antecipa Filipe Garcia.

“Já a Euribor a um ano encontra-se estável desde fevereiro, oscilando entre 3,65% e 3,75%, a descontar o cenário de dois ou três cortes este ano e de três ou quatro cortes a um ano de distância”, refere ainda o economista e presidente da IMF.

O corte de 25 pontos base na taxa de juro pelo BCE anunciado esta quinta-feira marca o início de uma nova fase de política monetária na Zona Euro, com implicações diretas nas finanças pessoais dos portugueses. Enquanto os detentores de créditos à habitação poderão beneficiar de uma ligeira redução nas prestações, os aforradores enfrentarão uma remuneração ainda mais baixa para os seus depósitos.

O cenário atual exige assim às famílias uma maior atenção e diversificação das suas estratégias de poupança e investimento, de forma a mitigar os impactos negativos da mudança do rumo da política monetária europeia, desde logo porque há outros ativos financeiros, como as ações, que deverão beneficiar com isso.

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