Riqueza das famílias portuguesas continua concentrada em betão

Mais de 62% do património líquido dos agregados familiares está alocado em ativos imobiliários. É o valor mais elevado dos últimos dez anos. Seguem-se os depósitos e só depois as ações.

Os portugueses continuam a alocar a maioria do seu património à habitação. Atualmente, 62% do património líquido das famílias está concentrado em imobiliário (particularmente na habitação onde residem). É o valor mais elevado dos últimos dez anos e há sete que esta percentagem apresenta uma dinâmica de crescimento contínuo.

Os portugueses gostam de ter casa. É uma questão financeira (o mercado de arrendamento continua a ter muitos problemas), mas é sobretudo uma questão cultural, que se reflete na composição da riqueza das famílias.

Segundo os resultados do Censos de 2021, a maioria das famílias, cerca de 70%, é proprietária ou coproprietária do imóvel onde vive. E segundo o Inquérito à Situação Financeira das Famílias realizado em 2020, 63,5% das famílias que arrendam a casa em que habitam preferiam ter comprado e só não o fizeram por não terem condições financeiras.

Atualmente, os cerca de 4,1 milhões de agregados familiares apresentam, em média, um património imobiliário de cerca de 120 mil euros (quase o dobro do que tinham em 1999) e um património financeiro de 116 mil euros. Estes números traduzem-se num património líquido de mais de 193 mil euros, de acordo com cálculos do ECO com base nas mais recentes séries longas do património das famílias (1980-2022) publicadas pelo Banco de Portugal no boletim económico de junho.

Esta realidade não é inteiramente nova. Em outubro de 2021, de um trabalho académico publicado por Sónia Costa, Luísa Farinha, Luís Martins e Renata Mesquita, todos eles economistas do Banco de Portugal, resultou a conclusão de que “a residência principal pesa quase 50% do total de ativos e os outros imóveis quase 20%” na composição da riqueza dos portugueses.

Nos últimos anos, a adoração por betão por parte das famílias deu frutos. Como resultado do bom momento do mercado imobiliário, particularmente após 2013, o património imobiliário das famílias cresceu a um ritmo médio anual de 4,4% ao longo da última década, sendo o maior responsável pelo aumento de 54% da riqueza dos agregados familiares entre 2012 e 2022.

Apesar desta evolução, a riqueza das famílias portuguesas ainda está muito longe da realidade europeia. “A riqueza média ou mediana das famílias em Portugal é cerca de 30% inferior à da área do euro”, concluem os quatro economistas no mesmo paper. Segundo os investigadores, “a riqueza média é menor em Portugal principalmente porque os valores médios da maior parte dos ativos [sobretudo imóveis] para as famílias que os possuem são muito inferiores” quando comparados com os europeus.

Esta realidade vai ao encontro das conclusões de um estudo de Edward Wolf, um dos maiores especialistas mundiais em economia da riqueza, que revela que as pessoas mais abastadas (em grande medida aquelas que enriqueceram a trabalhar e não por heranças) têm menos dinheiro investido em ativos imobiliários relativamente a capital investido em ações e em outros ativos financeiros.

Os dados do Banco de Portugal mostram, por exemplo, que a seguir ao betão, as preferências das famílias portuguesas recaem nos depósitos bancários ou produtos semelhantes, como Certificados de Aforro e Certificados do Tesouro, ativos em que quase 30% da sua riqueza líquida está aplicada. Segundo cálculos do ECO, as 4,1 milhões de famílias têm atualmente aplicado em depósitos bancários ou produtos equivalentes, em média, 56,6 mil euros.

Apenas considerando o património financeiro, 49% dos ativos dos agregados familiares estão atualmente aplicados em depósitos ou produtos semelhantes, cerca de 5,9 pontos percentuais acima do peso registado há dez anos. Só depois surgem os investimentos acionistas, com um montante médio de 35,7 mil euros, cera de 31% do património financeiro.

“As famílias acumularam poupanças significativas desde o início da pandemia”, refere o Banco de Portugal em resposta a questões do ECO, sublinhando ainda que “no período da pandemia, esta evolução refletiu parcialmente uma poupança involuntária decorrente das limitações ao consumo, que influenciou a evolução dos depósitos”.

Na composição do património financeiro das famílias destaca-se ainda a exposição a seguros e a produtos comercializados pelas seguradoras, que foram os únicos ativos financeiros a perderem espaço no portefólio das famílias nos últimos dez anos: se em 2013 pesava 17% na carteira, no final do ano passado tinham uma representação de 12,9%, o valor mais baixo desde a adesão de Portugal ao Euro.

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