“Borlas” fiscais do Governo para incentivar a poupança sabem a pouco

As medidas propostas pelo Governo para incentivar a poupança de longo prazo são bem recebidas pelos especialistas, mas estes instigam o Governo a criar um quadro fiscal mais equitativo e competitivo.

Há vários anos que a taxa de poupança dos portugueses cai sem parar. Nas últimas duas décadas, o nível de poupança minguou para metade, passando de uma taxa de poupança de 12,9% do rendimento nacional bruto em 2003 para os atuais 6,3%. Além de ser um mínimo histórico desde pelo menos 1995, Portugal apresenta também uma das taxas de poupança mais baixas da Zona Euro.

Associado a esta realidade, os portugueses continuam a revelar-se bastante avessos ao risco na aplicação das suas poupanças, alocando cerca de 48% dos seus ativos financeiros em depósitos a prazo que, no longo prazo, chegam a apresentar taxas de rendibilidade reais negativas, como consequência do efeito corrosivo da inflação.

Foi para combater este ambiente de baixos níveis de poupança e de baixa diversificação do património financeiro das famílias que o Governo avançou recentemente com uma Proposta de Lei aprovada em Conselho de Ministros de 27 de maio que engloba uma série de medidas para incentivar a poupança de longo prazo, essencialmente através da redução das taxas de tributação sobre mais-valias de fundos de investimento, ações e outros ativos negociados no mercado de capitais.

Para Isabel Ucha, a proposta é um “passo positivo” na direção certa. A presidente da Euronext Lisboa sublinha que, nos últimos 20 anos, houve uma redução significativa dos incentivos à poupança e ao investimento, prejudicando o papel vital do mercado de capitais na captação e remuneração da poupança das famílias.

“Este diploma reconhece a importância do mercado de capitais no apoio à transformação digital e à transição climática”, afirma Isabel Ucha, acrescentando que “procura incentivar a poupança de médio e longo prazo, e a sua aplicação em instrumentos de mercado, sejam ações, obrigações, fundos de investimento ou de pensões e outros.”

Segundo a Proposta de Lei, o saldo apurado de mais e menos-valias de valores mobiliários admitidos à negociação e de unidades de participação de fundos de investimento, em vez de ser tributado à atual taxa de 28% como sucede atualmente, será sujeito a uma tributação que poderá ser reduzida a 19,6% caso os ativos sejam detidos a mais de oito anos, em virtude de ficarem excluídos da tributação 30% deste saldo.

  • Para investimentos entre 2 e 5 anos, são excluídos da tributação 10% do rendimento realizado, correspondendo a uma taxa global de tributação de 25,2%.
  • Para investimentos entre 5 e 8 anos, a Proposta de Lei exclui 20% do rendimento realizado, correspondendo a uma taxa global de tributação de 22,4%.
  • Para investimentos acima dos 8 anos, a Proposta de Lei exclui 30% do rendimento realizado, correspondendo a uma taxa global de tributação de 19,6%.

Apesar de o quadro fiscal proposto pelo Governo para estes produtos financeiros ainda estar longe do quadro fiscal mais vantajoso dos planos de poupança-reforma (PPR) e dos seguros financeiros (como os unit-linked), é uma tentativa de aproximar a fiscalidade do investimento no mercado de capitais destes. João Pratas, presidente da Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios (APFIPP), aponta o dedo justamente a esta dualidade de critérios.

“Estranha-se a opção por uma diferença de tratamento no que respeita a rendimentos decorrentes de investimentos por um prazo superior a 8 anos, já que a exclusão de tributação prevista para as mais-valias aí referidas, é metade da que se aplica no caso de rendimentos decorrentes de seguros do ramo vida”, salienta João Pratas, sublinhando que “era importante que esta diferença fosse eliminada, em sede de discussão parlamentar, instituindo um regime de neutralidade fiscal relativamente à tributação dos seguros do ramo vida.”

Bem diferente é a avaliação desta medida pela Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), liderada por Margarida Aguiar. “A ASF entende que são relevantes os quadros fiscais e regulatórios que regem a poupança para a reforma”, refere ao ECO o regulador e supervisor da indústria seguradora, resseguradora, fundos de pensões e respetivas entidades gestoras e da mediação de seguros.

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Apesar da crítica feita pelo presidente da APFIPP à permanência de um quadro fiscal distinto de produtos de poupança e investimento, João Pratas destaca que a Proposta de Lei apresentada pelo Governo “replica, no essencial, o que havia sido preparado pelo Executivo anterior, incluído na pasta de transição” e que, por isso, a Proposta de Lei está alinhada com as expectativas da APFIPP.

O ECO procurou uma reação da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) sobre as medidas anunciadas, dado que, recentemente, o seu presidente, Luís Laginha, na conferência anual do regulador, pediu “vontade” ao Governo para apostar no mercado de capitais, mas a CMVM preferiu não tecer qualquer comentário.

A proposta de um regime fiscal menos penalizador do investimento dos pequenos investidores proposto pelo Governo é também aplaudida por Mário Freitas, diretor comercial da IMGA, a segunda maior sociedade gestora nacional com mais de 4,2 mil milhões de euros de ativos sob gestão.

No entanto, Mário Freitas sugere várias medidas adicionais, como a criação de um campo fiscal equitativo entre organismos de investimento coletivo nacionais e estrangeiros, mais incentivos à poupança individual de longo prazo através, por exemplo, “da adoção da possibilidade da transferência de investimento entre fundos, a exemplo de outros mercados internacionais, permitindo que não seja aplicada fiscalidade no momento de resgatar um fundo para realizar novo investimento em outros fundos nacionais (exemplo espanhol e de outras legislações europeias).”

João Pratas, presidente da APFIPP e Isabel Ucha, presidente da Euronext Lisboa, têm procurado ao longo dos últimos anos sensibilizar diferentes Governos para promoverem políticas fiscais menos duras para os pequenos investidores, com vista a promover a poupança de longo prazo.Hugo Amaral/ECO

Fiscalidade para produtos para a reforma

Para lá dos valores mobiliários negociados em bolsa, a Proposta de Lei do Governo introduz um regime fiscal específico para os Produtos Individuais de Reforma Pan-Europeus (PEPP), em linha com a recomendação da Comissão Europeia de 29 de junho de 2017.

Este regime visa criar condições mais favoráveis e equitativas para a poupança de longo prazo, incentivando as pessoas a planearem a sua reforma de maneira mais eficiente. Para esse efeito, o Governo propõe que as contribuições para os PEPP sejam tratadas de forma similar a outros produtos de poupança para a reforma, como os PPR, e que estes produtos recebam um tratamento fiscal neutro quando comparados com outros PPR, evitando qualquer discriminação fiscal.

João Pratas revela ao ECO que a APFIPP e os seus associados depositavam esperança em que a regulamentação nacional dos PEPP, associada a um regime fiscal atrativo e diferenciado, pudesse constituir um fator de incremento da poupança para a reforma. No entanto, com as medidas anunciadas, essa perspetiva esmoreceu. “Com o regime que foi proposto, temos dúvidas de que o PEPP possa vir a ter o sucesso que todos desejamos, enquanto instrumento de poupança para a reforma dos portugueses”, diz.

Com uma taxa de poupança em declínio contínuo e um cenário de aversão ao risco que restringe o potencial de crescimento financeiro das famílias portuguesas, a nova Proposta de Lei do Governo surge como uma tentativa ambiciosa de inverter esta tendência preocupante.

Ao introduzir incentivos fiscais significativos para investimentos de longo prazo e medidas específicas para produtos como os PEPP, a proposta governamental procura criar um ambiente mais favorável para a poupança e o investimento de longo prazo. No entanto, é importante não esquecer que o atual regime fiscal de IRS já oferece a possibilidade de os contribuintes baixarem a sua tributação sobre mais-valias mobiliárias através da opção de englobamento dos rendimentos, mediante o seu nível de riqueza.

A generalidade dos intervenientes no mercado aplaude as iniciativas presentes na Proposta de Lei, mas instiga o Governo a ser mais ambicioso, procurando criar um quadro fiscal mais equitativo e competitivo relativamente a outros instrumentos de poupança, como os seguros de vida, para garantir que os novos incentivos possam estimular a poupança de forma eficaz.

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