Maria Luís Albuquerque, cara “moderada” da austeridade, está mais perto de Bruxelas

Pela segunda vez, Maria Luís Albuquerque volta a ser equacionada para integrar o elenco governativo em Bruxelas. Um dos rostos da 'troika' conta com um passado pesado que não passará despercebido.

À segunda foi de vez. Maria Luís Albuquerque foi proposta por um Governo social-democrata para ser comissária europeia. Para Luís Montenegro, o percurso político, académico e as competências da antiga ministra das Finanças são motivos mais do que suficientes não só para integrar o executivo comunitário como também assegurar que Portugal consegue um pelouro de peso em Bruxelas, na próxima legislatura. E depois de não ter conseguido que o seu nome chegasse a ser considerado formalmente em Berlaymont, em 2014, Maria Luís tem agora nas mãos uma nova oportunidade para chegar até à Comissão Europeia.

Há dez anos, o nome de Albuquerque corria nos meios financeiros e em Bruxelas. Na altura, Jean-Claude Juncker era o presidente da Comissão Europeia e tinha a governante debaixo de olho, tendo pressionado Pedro Passos Coelho a submete-la como candidata a comissária.

Era mulher, o que significava um executivo mais paritário, e tinha a competências técnicas úteis para um mandato em Bruxelas. O antigo primeiro-ministro chegou mesmo a equacionar a hipótese junto do Governo, mas com a queda do Banco Espírito Santo (BES), e sem uma garantia de que o pelouro em causa seria um de relevo, Passos Coelho recusou libertar Albuquerque.

“Era ministra das Finanças e a situação que estava a viver num dos bancos – o BES – inspirava-me a maior das preocupações”, cita o Público a justificação de Pedro Passos Coelho, em 2020. O plano B acabou por ser Carlos Moedas, que também se sentou à mesa nas negociações com a troika. Foi nomeado para comissário europeu para a Investigação, Inovação e Ciência para um mandato, gerindo um dos maiores orçamentos do executivo.

Volvida uma década, uma Maria Luís “moderada”, “discreta” e “sem dada a grandes superficialidades”, tal como caracterizam algumas vozes do PSD e próximas de Montenegro ouvidas pelo ECO, volta assim a estar na calha estando oficialmente na corrida para integrar o próximo executivo comunitário que deverá ser conhecido em setembro.

“Esperava-se que saísse da cartola de Montenegro uma novidade qualquer, mas desta vez a surpresa é essa: não ser surpresa“, aponta ao ECO o especialista em assuntos europeus, Paulo Sande. “Polémicas à parte, é uma boa escolha. Tem experiência na área económica e financeira, áreas muito importantes para o futuro da União Europeia”, acrescenta.

Um nome (e passado) de peso

Nascida em Braga, em 1967, e formada e mestre em Economia pela Universidade Lusíada e pelo ISEG, respetivamente, a antiga governante é um nome de peso dentro e fora do PSD. Por bons e maus motivos.

Hugo Soares conhece-a “bem”. Confiante na escolha do primeiro-ministro, o líder parlamentar do PSD reconhece-lhe uma “capacidade técnica”, “experiência política” e “conhecimento das instituições europeias” que poderão conferir “uma vantagem acrescida” para Portugal numa altura em que Ursula von der Leyen, particularmente atenta à paridade do executivo, negoceia com os Estados-membros a orgânica e as pastas da próxima Comissão.

Ainda não se sabe para que pelouros Maria Luís está a ser considerada. Esse tema começou a ser discutido entre Luís Montenegro e Ursula von der Leyen antes das eleições europeias. Mas dada a sua experiência “num leque muito vasto de pastas”, desde as sociais às económicas e financeiras, recorda Soares, a economista estará bem posicionada para presidir a um conjunto de pelouros.

Mas em Bruxelas, não é líquido “que a experiência na área financeira seja a única em cima da mesa“, admite a eurodeputada pelo PSD, Lídia Pereira, recordando o caso de Carlos Moedas. “Admito que haja esse cuidado, mas não tem de ser um portefólio associado aos serviços financeiros ou mercados de capitais”, diz ainda a vice-presidente do PPE, no Parlamento Europeu. Paulo Sande partilha da mesma opinião sugerindo, a título de exemplo, as pastas da digitalização, energia ou competitividade.

No entanto, caso acabe por ser essa decisão de von der Leyen, a líder alemã poderá ficar descansada: “[Maria Luís] é uma pessoa que domina estes temas“, diz Lídia Pereira.

Maria Luís Albuquerque ao lado de Paulo Portas e José Manuel Barroso (da esquerda para a direita)@CE

 

Secretária de Estado virada ministra, o percurso político de Maria Luís Albuquerque começou muito antes do tempo da austeridade. Depois de ter passado pelo gabinete de Estudos Técnicos Superiores e Previsões Económicas do Ministério da Economia e atuado como conselheira da Secretaria de Estado do Tesouro e Finanças, entre 1999 e 2001, a economista foi chefe do Departamento de Execuções e Mercados da Agência Portuguesa de Gestão da Dívida, entre 2007 a 2011.

Nesse ano, assumiu pela primeira vez o cargo de Secretária de Estado, ficando responsável pelas pastas do Tesouro e das Finanças e um ano mais tarde foi reconduzida, ficando, no entanto, limitada à gestão do Tesouro. Nestas funções, seguiu os assuntos do Eurogrupo e do Ecofin, o que lhe permitiu ir palpando o terreno em Bruxelas.

Em 2013, Vítor Gaspar apresentou a sua demissão e rumou ao Fundo Monetário Internacional (FMI), abrindo caminho para que a sua sucessora fosse Maria Luís Albuquerque. A decisão não agradou a todos, sobretudo a Paulo Portas. Mas Passos não lhe deu ouvidos e Portas partiu para a demissão “irrevogável”, que acabou por não o ser.

Na altura com 46 anos, a economista resistiu às pressões que resultariam do processo de resolução do BES e do programa de assistência financeira da troika, e manteve-se no cargo até ao final do mandato, em 2015. Nessa altura, Portugal libertava-se das amarras da troika e Maria Luís Albuquerque ficava com parte dos louros por ter concretizado uma “saída limpa” da austeridade.

“Estamos a falar de um período muito difícil para Portugal, para a banca e para os portugueses, sobretudo pensionistas. Estávamos na bancarrota, e ao fim de três anos, saímos relativamente bem dessa situação e Maria Luís Albuquerque desempenhou um papel importante nessa fase“, recorda Paulo Sande.

Em Bruxelas, também Paulo Cunha, eurodeputado do PSD salienta a “resiliência” de Albuquerque “num contexto particularmente difícil”. “O facto de ter tido a pasta das Finanças nessa altura fez com que conhecesse de perto várias áreas em Bruxelas. Foi uma ministra que fez além do convencional, dadas as circunstâncias do país. A eficácia no seu trabalho foi decisiva“, realça.

Mas na esfera política, os elogios ficam limitados à ala social-democrata. Da esquerda à direita, são várias as críticas lançadas contra a antiga ministra das Finanças. “Sinónimo de austeridade”; escolha “preocupante”; “má gestora de fundos públicos” são algumas das palavra de desaprovação vinda de partidos como o PAN, Bloco de Esquerda e PCP.

Maria Luís Albuquerque foi responsável direta por um conjunto de medidas muito gravosas para um conjunto significativo de setores do país – pensionistas, trabalhadores da Administração Pública, os próprios serviços públicos”, recordou esta quarta-feira, o vice-presidente do PS, Pedro Delgado.

Polémicas podem condicionar “crivo” no Parlamento

A escolha de Maria Luís Albuquerque não é definitiva. Na verdade, terá de passar por várias fases, a começar desde logo com uma entrevista com Ursula von der Leyen que servirá para avaliar se a antiga ministra das Finanças tem condições para ser proposta para a Comissão Europeia. Títulos, como o Politico, avançam que mesmo estando de férias na Alemanha, a líder alemã já teve oportunidade de conversar com alguns candidatos. Resta saber se constarão na proposta de colégio de comissários, em setembro.

Caso Maria Luís Albuquerque seja proposta a comissária, seguir-se-á um processo rigoroso e minucioso de audições nas comissões do Parlamento Europeu, em outubro. E em alguns casos, dependendo dos pelouros que sejam propostos a presidir, os candidatos poderão ser sujeitos até duas ou três audições. Será nesta altura, que, muito provavelmente, as polémicas de Maria Luís Albuquerque serão recordadas.

O escrutínio deve ser encarado com naturalidade. Não creio que o perfil de Maria Luís seja de tal maneira controverso que não possa ser devidamente esclarecido“, assegura Lídia Pereira que integra uma das comissões que poderá vir a questionar Maria Luís Albuquerque caso o nome seja proposto para uma pasta económico-financeira: a Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários.

Um desses temas serão os famosos swaps, um instrumento de investimento financeiro considerado altamente especulativo e de risco e que foram tema de uma comissão de inquérito, na qual a própria foi ouvida três vezes: duas vezes como secretária de Estado e uma já enquanto ministra. Em causa estavam alegações de que Maria Luís Albuquerque, enquanto diretora financeira na Refer, tinha estado envolvida no processo de compra deste tipo de ativo por empresas públicas que se revelaram ruinosos. Mas há mais.

Depois de ter cessado funções como ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque foi contratada, em 2016, para o cargo de administradora não executiva da Arrow Global, empresa financeira britânica que se dedica à gestão e recuperação de dívidas e que teria comprado em 2014 carteiras de crédito ao Banif, banco que Maria Luís acompanhara enquanto ministra. Na altura era deputada do PSD mas ainda assim foram várias as críticas vindas da esquerda e da direita, alegando “incompatibilidade”. No entanto, a economista permaneceu no cargo até 2021.

O seu percurso governativo conta ainda com outros percalços: as privatizações dos CTT e da REN. E a venda do BPN, considerado um buraco gigantesco nas contas públicas e cujo o processo de venda levantou várias dúvidas depois de terem sido tornadas públicas alegações de que o Governo teria dado ordens para alterar as contas de 2012, omitindo prejuízos. E ainda as ameaças do marido António Albuquerque, ex-jornalista e antigo editor do Diário Económico, contra Filipe Alves, jornalista da mesma publicação.

Desde 2022 que Maria Luís Albuquerque trabalha a partir da Alemanha, fazendo parte do conselho de supervisão de bancos do Morgan Stanley. Até Bruxelas, a viagem será menos de duas horas e será na capital belga que o seu destino será decidido. Até outubro, os eurodeputados terão tempo para estudar o passado de Maria Luís Albuquerque e avaliar se esta detém as qualidades e competências necessárias para integrar o próximo elenco governativo em Bruxelas.

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