Von der Leyen enfrenta “derrota antecipada” com nova Comissão

Ainda sem uma Comissão oficializada e perante braço de ferro com Estados-membros, a presidente alemã já se encontra politicamente "fragilizada". Esta terça-feira, von der Leyen apresenta nova equipa.

Depois de uma reeleição que se antecipava difícil, a presidente da Comissão Europeia viu-se confrontada com a primeira derrota mesmo antes do novo executivo entrar em funções. As negociações com os Estados-membros para a formação do novo colégio não correram como esperado: houve falhas de prazo, mudanças de candidatos (uma delas, inesperada), ameaças à paridade e apenas um país respeitou as vontades da líder alemã. E, depois de ter sido obrigada a adiar uma vez o anúncio da sua nova equipa, e ainda com um nome em falta, o Parlamento Europeu pressionou von der Leyen a anunciar a estrutura e os portefólios da futura Comissão esta terça-feira.

Há aqui um relativa derrota antecipada da parte da presidente von der Leyen pela circunstância dos Estados-membros não lhe terem facilidade a vida garantindo-lhe uma Comissão paritária“, aponta o embaixador Francisco Seixas da Costa ao ECO. Essa foi a primeira derrota da líder alemã” e isso vai ter um grande impacto na reação do Parlamento. Vai ser o seu primeiro grande problema”.

A 27 de julho, antes da pausa de verão, von der Leyen convidou todos os Estados-membros a apresentar dois nomes para integrar a futura Comissão: um homem e uma mulher. O objetivo era garantir uma equipa tão ou mais paritária quanto a atual. Mas no decorrer do mês de agosto, ficou evidente que o pedido tinha sido amplamente ignorado, numa tentativa de os países conservarem o seu direito institucional de apresentar um candidato à Comissão, e não dois. Só a Bulgária propôs dois nomes, ambicionando alcançar uma pasta de relevância no próximo mandato.

“O objetivo é louvável, mas era muito evidente que seria difícil os países apresentarem dois candidatos por causa do prestígio das pessoas. Quem não fosse escolhido, ficaria fragilizado. E alguém não é escolhido publicamente, sobretudo para um cargo de grande prestigio, fica numa posição muito complicada”, analisa Seixas da Costas.

Além da dupla candidatura ter ficado pelo caminho, os países também ignoraram o tema da paridade. A atual Comissão, da qual integra Elisa Ferreira, conta com 14 homens e 13 mulheres. Hoje, dos nomes conhecidos até ao momento, 10 são de mulheres (um deles, o de Maria Luís Alburquerque) e 17 são de homens. O quadro atual não agradou a von der Leyen (que até recebeu a proposta da Bélgica dois dias fora do prazo) e, por isso, a responsável encetou negociações com os países mais pequenos para que fizessem alterações aos aspirantes a comissários por mulheres, mas só a Roménia cedeu.

À Eslovénia também foi pedido uma troca nos nomes – Tomaž Vesel, antigo presidente do Tribunal de Contas pela diplomata Marta Kos – mas a tentativa foi bloqueada pelo Partido Democrático Esloveno (SDS), liderado pelo antigo primeiro-ministro Janez Janša que pede acesso à correspondência trocada entre o governo e Bruxelas antes de a Comissão dos Assuntos Europeus aprovar a nomeação. A oposição exige saber os motivos que levaram von der Leyen a pedir uma alteração dos nomes a Liubliana e o que foi prometido (ou melhor, que pasta) ao país como moeda de troca.

Em Bruxelas, foi rejeitada essa possibilidade sob o argumento de a correspondência entre Bruxelas a os Estados-membros ser “confidencial“. Mas nem isso desbloqueou o impasse no país balcânico.

Depois, veio a reviravolta inesperada na manhã de segunda-feira. Thierry Breton, comissário para o mercado interno, apresentou a sua demissão depois de von der Leyen ter pedido ao Presidente francês que “retirasse” o seu nome, oferecendo “como contrapartida política uma pasta alegadamente mais influente para França”. Além de se ter demitido do executivo comunitário (Margrethe Vestager ficará encarregue das responsabilidades do francês até 30 de outubro), Breton retirou-se simultaneamente da corrida a um segundo mandato, tendo sido substituído por Stéphane Séjourné.

“Já se estava à espera. Breton estava em rota de colisão com von der Leyen”, aponta o embaixador, recordado a última polémica.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e o comissário europeu responsável pelo mercado interno, Thierry Breton, no início da reunião semanal do colégio da Comissão Europeia em Bruxelas, Bélgica, 28 de setembro de 2022. EPA/OLIVIER HOSLET

Em agosto, numa carta publicada no X dirigida a Elon Musk, Breton alertou que nos termos da legislação europeia, a rede social estava obrigada a impedir a amplificação de conteúdos nocivos e prometeu “utilizar plenamente a caixa de ferramentas” da UE em caso de infração. O tiro saiu imediatamente pela culatra e desencadeou uma onda de críticas contra Breton por aquilo que foi visto como um ataque à liberdade de expressão e um potencial caso de excesso de poder. A Comissão Europeia rapidamente se distanciou das declarações e von der Leyen frisou não ter tido conhecimento prévio da mensagem de Breton.

“Seria muito difícil para Breton continuar depois de uma divergência pública tão grande”, acrescenta Seixas da Costa. “Macron fez uma mudança rápida, por alguém do núcleo do seu partido“, diz, ainda que essa função seja da competência do Governo, agora nas mãos do republicano Michel Barnier, e não do presidente liberal.

Perante a incerteza, von der Leyen vê-se confrontada com dois cenários: ou limita-se a apresentar a orgânica do executivo, detalhando apenas a sua composição e respetivos portefólios que serão criados, omitindo, para já, os nomes de quem ficará encarregue de cada pasta. Ou assume uma Comissão com um nome a menos.

É difícil apresentar uma equipa incompleta. Pode haver uma negociação com o Parlamento relativamente à data da estrutura da comissão, mas a melhor solução será tentar negociar um nova data“, recomenda o embaixador.

Segundo mandato de von der Leyen fragilizado

O medir de forças entre os Estados-membros e Berlaymont vai certamente deixar marcas na presidente alemã que parte para um segundo mandato com novos desafios, face aos últimos cinco anos. “Há uma fragilização objetiva e evidente de von der Leyen do primeiro para o segundo mandato“, considera Seixas da Costa.

E perante os rumores de que a presidente reeleita prometeu à primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni e líder do partido de Irmãos de Itália, uma pasta de relevo na próxima legislatura, as negociações com os partidos que apoiaram a reeleição em junho poderá cair por terra. Raffaelle Fitto, atual ministro dos Assuntos Europeus de Itália, foi a escolha de Meloni para candidato a comissário e está na corrida a uma vice-presidência executiva, algo que não agradou aos socialistas que já ameaçaram chumbar a próxima comissão durante as audições no Parlamento, previstas para arrancar em outubro.

“Von der Leyen fez um namoro a uma extrema-direita mais frequentável. Meloni teve a inteligência de se colar às posições da Comissão e isso garantiu-lhe um posicionamento mais favorável“, explica o embaixador.

Se passar este obstáculo e até dezembro, o mais tardar, conseguir ter um executivo em funções, não será certo que a alemã terá um mandato sem tumultos. Aos olhos de Seixas da Costa, a presidente do executivo comunitário testou no seu primeiro mandato os limites do Conselho Europeu, instituição que representa os chefes de Governo e de Estado da UE, liderado atualmente por Charles Michel e a partir de dezembro por António Costa, numa “espécie de subliminar golpe de Estado”. E parece ter intenções de manter essa governação.

“Von der Leyen fez com que o papel da Comissão pisasse o terreno que era da competência do Conselho [Europeu] de ministros. É alemã, vem de um país com poder, e isso faz toda a diferença”, vinca o embaixador jubilado.

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