Cedências ao PS fazem regressar Orçamento do Estado de um ‘bloco central’
Analistas consideram que se OE2025 for viabilizado também "terá um pouco do PS", mas será "instrumental e conjuntural" e não uma concordância de fundo estrutural.
É com a cedência em duas medidas bandeira do Governo – redução do IRC e IRS Jovem – que este procura viabilizar o Orçamento do Estado para 2025 (OE2025) com a abstenção do PS. Perante o recuo nas duas propostas políticas que ocupavam um lugar central no programa eleitoral da Aliança Democrática para incluir a visão dos socialistas, está-se perante o regresso de um orçamento de um bloco central, segundo os analistas, depois de anos de orçamentos viabilizados durante a ‘geringonça’ pela esquerda.
“O Governo, suportado por forças do centro direita (PSD e CDS) que não têm maioria no Parlamento, está a tentar chegar a um entendimento com a força do centro esquerda (PS) para que o Orçamento possa ser aprovado por uma maioria de parlamentares. Se chegarem a um acordo (cenário mais provável), e tendo em conta que o Governo fez cedências ao PS, então creio que não estaremos errados se, de facto, dissermos que este Orçamento também terá um pouco do Partido Socialista“, considera Ricardo Ferraz, investigador no ISEG e professor na Universidade Lusófona.
Se chegarem a um acordo (cenário mais provável), e tendo em conta que o Governo fez cedências ao PS, então creio que não estaremos errados se, de facto, dissermos que este Orçamento também terá um pouco do Partido Socialista.
É preciso recuar mais de dez anos para encontrar um Orçamento aprovado pela abstenção de um dos maiores partidos da oposição a um governo minoritário do seu rival. Em 2010, já com Pedro Passos Coelho na liderança do PSD, os sociais-democratas viabilizaram o Orçamento do Estado para 2011, o último do governo de José Sócrates, negociado entre o então ministro das Finanças, Fernando Teixeira dos Santos, e o ex-titular da pasta, Eduardo Catroga.
No ano seguinte, depois da queda do governo socialista de Sócrates, foi a vez do então secretário-geral do PS, António José Seguro, viabilizar o Orçamento do Estado para 2012, com “uma abstenção violenta” – a frase do socialista que ficou para a história. Anos mais tarde, em 2015, mas com outros contornos, a abstenção do PSD (com a exceção dos três deputados da Madeira, que votaram a favor) permitiu ao PS ver viabilizado o Orçamento Retificativo na sequência do resgate ao Banif.
Não é, assim, a primeira vez na democracia que os dois principais partidos servem de suporte um ao outro para, num cenário de minoria relativa, conseguirem fazer passar a proposta orçamental. O primeiro-ministro tem vincado que “quem governa é o Governo” e o secretário-geral do PS tem frisado que as negociações não impedem que o Orçamento continue a ser do Executivo.
No entanto, Paula Espírito Santo, politóloga e investigadora do Instituto de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, destaca que “se fosse viabilizado poder-se-ia dizer que era um acordo não num plano de regime, mas um acordo no sentido de encontro que salvaguardasse a estabilidade” em que “se colocaria o interesse nacional acima dos interesses partidários“.
“Os portugueses mais depressa acolhem um Orçamento que cumpram requisitos que não tenham a essência de um lado e de outro, e no qual haja um ponto de encontro, do que acolhem uma eleição antecipada“, advoga. Contudo, realça que a realidade política “está muito volátil” e numa “espécie de montanha russa”. Para a investigadora, caso o Governo não acolha as propostas do PS, é possível que os socialistas “possam manter a convicção política”.
Os portugueses mais depressa acolhem um Orçamento que cumpram requisitos que não tenham a essência de um lado e de outro, e no qual haja um ponto de encontro, do que acolhem uma eleição antecipada
Por seu lado, Pedro Braz Teixeira, diretor do gabinete de estudos do Fórum para a Competitividade, sublinha que a extensão de um acordo a médio prazo entre os dois principais partidos seria mais benéfico do que a viabilização única da proposta em cima da mesa.
“Se fosse realmente um compromisso de médio prazo entre o Governo e PS poderia ter uma grande vantagem no sentido de por um lado de assegurar estabilidade governativa e por outro lado estabilidade das políticas fiscais”, argumenta, considerando que “seria uma excelente notícia”.
Para o economista, a questão da duração do benefício do IRS Jovem deveria ser desvalorizada. “Ninguém com a instabilidade que existe e a falta de respeito que os partidos têm tido pelos compromissos vai decidir com base em daqui a cinco anos”, argumenta.
No entanto, em relação ao IRC advoga que “seria mais importante”, porque seria uma forma de atrair investimento estrangeiro: “O capital por trabalhador nos últimos oitos anos caiu 10%. Estamos a criar emprego, mas não estamos a investir o equivalente. Baixar o IRC seria forma de expandir o investimento quer dos investidores portugueses, quer dos estrangeiros”.
Nenhum investidor acredita que isto é uma mudança para ficar. A concordância do PS é absolutamente instrumental e conjuntural, não é uma concordância de fundo de opção politica de um acordo estratégico entre os partidos.
“O que está em cima da mesa é que a descida vai ser pequena e o PS concorda a contragosto, pelo que nenhum investidor acredita que isto é uma mudança para ficar. A concordância do PS é absolutamente instrumental e conjuntural, não é uma concordância de fundo de opção política de um acordo estratégico entre os partidos. Para os novos investidores a redução de um ponto de imposto em 2025 é praticamente irrelevante. O que interessa é a taxa de 2026, de 2027″, argumenta.
Por outro lado, Ricardo Ferraz destaca que “o Governo não irá poder aplicar 100% do tratamento que pretendia prescrever para a economia portuguesa, então terá aqui uma atenuante caso os resultados do tratamento não venham a corresponder exatamente àquilo que tinha previsto”.
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