Investimento em arte cai em 2023. Vendas nas principais casas de leilões abaixo dos níveis pré-pandemia
As vendas no mercado de arte caíram 4% em 2023, assistindo-se a um declínio notável no gasto médio. Porém, o investimento em obras de artistas emergentes e femininas está a aumentar.
Maior interesse em explorar novas galerias, foco em artistas emergentes e femininas e participação em eventos artísticos acima dos níveis registados antes da pandemia de Covid-19. Estas são algumas das conclusões do relatório da Art Basel e do UBS sobre o mercado de arte, que aponta para um abrandamento das vendas em 2023, cenário que deverá manter-se até ao fim deste ano.
O inquérito sobre colecionismo global, divulgado na quinta-feira e elaborado pela economista cultural e fundadora da Arts Economics Clare McAndrew, traça um retrato das atitudes e dos comportamentos dos indivíduos com elevado património líquido (high-net-worth individuals, ou HNWIs, em inglês) durante o ano passado e a primeira metade de 2024.
Foram inquiridos mais de 3.660 colecionadores de arte com um património líquido acima de um milhão de dólares (excluindo ativos imobiliários e empresariais) em 14 mercados-chave: Brasil, França, Alemanha, Hong Kong, Itália, Japão, China Continental, Singapura, Taiwan, Reino Unido, Estados Unidos, Indonésia, Suíça e México – sendo que foi a primeira vez que estes três últimos países participaram no estudo.
Vendas e gasto médio em obras de arte em queda
Após a recuperação da pandemia de Covid-19, as vendas no mercado de arte abrandaram no ano passado, caindo 4% para 65 mil milhões de dólares, devido, sobretudo, ao segmento de luxo. O relatório refere que houve um decréscimo de 32% no gasto médio dos HNWIs, para 363.905 dólares, enquanto a despesa mediana destes colecionadores também baixou, mas de forma menos significativa – de 50.165 dólares em 2022 para 50.000 dólares em 2023.
Agregado global das importações de arte e antiguidades (2010-2023). Fonte: Arts Economics com dados da UN ComtradeO ambiente de compra cauteloso manteve-se nos primeiros seis meses deste ano, destacando-se o abrandamento da atividade no setor dos leilões. Entre janeiro e junho deste ano, as vendas da Christie’s, Sotheby’s, Phillips e Bonhams desceram 26% no seu conjunto face a igual período de 2023 e ficaram abaixo dos níveis pré-pandemia. “A despesa mediana para o primeiro semestre de 2024 (25.555 dólares), se indicativa do nível para o segundo semestre do ano, poderá refletir um nível anual estável de despesa”, antecipa o “Art Basel and UBS Survey of Global Collecting 2024”.
Investimento dos millennials baixou para metade. Chineses são os que gastam mais
Até 2022, os inquiridos mais jovens vinham a registar alguns dos maiores aumentos no gasto médio, mas a tendência inverteu-se no último ano, com o principal motivo para o declínio a incidir na diminuição de 50% das despesas dos millennials (geração nascida entre 1981 e 1996), para 395.000 dólares.
Já os colecionadores da Geração X (nascidos entre 1965 e 1980), apesar do baixo crescimento anual de 3%, tiveram o gasto médio mais elevado em 2023 (578.000 dólares). A sua liderança manteve-se nos primeiros seis meses deste ano, com níveis mais de um terço superiores aos dos millennials e o dobro relativamente aos boomers (nascidos entre 1946 e 1964) e à Geração Z (de 1997 a 2012).
Na comparação por país, destacam-se os investidores da China continental com o maior gasto em arte e antiguidades em 2023 e no primeiro semestre de 2024, registando uma mediana de 97.000 dólares, mais do que o dobro de qualquer outra região.
Foco crescente em artistas emergentes e femininas
Em 2023 e na primeira metade deste ano, mais de metade (52%) das despesas dos HNWIs foi em obras de artistas novos e emergentes, contra 44% no inquérito relativo a 2022. Já 21% dos gastos foram em obras de artistas a meio da carreira (menos 6% face ao inquérito anterior) e 26% em obras de artistas consagrados (queda de 2% em relação a 2023 e de 5% comparativamente a 2022).
Além do maior apoio a artistas em início de carreira, a percentagem de obras de artistas do sexo feminino nas coleções privadas dos inquiridos também aumentou, atingindo um rácio de 44% em relação às obras de artistas do sexo masculino em 2024, o seu nível mais elevado em sete anos, quando em 2018 o rácio era de 33%. Igualmente, a percentagem de despesas em obras de mulheres também foi de 44%, contra 56% nos gastos em obras feitas por homens.
Pinturas são a arte favorita
A pintura continua a dominar como o tipo de arte preferido dos investidores: mais de três quartos dos HNWIs compraram um quadro em 2023 e no início deste ano. Não obstante, as obras em papel também estão a ganhar força, com metade dos inquiridos a investir ativamente nesta categoria, enquanto os gastos em prints tiveram um aumento notável de 35% no último ano.
Já as despesas em esculturas e outros tipos de trabalhos artísticos, como fotografia e arte digital, têm vindo a abrandar, em grande parte devido à concentração da atividade do mercado de arte em obras a preços mais acessíveis.
Quanto aos canais de compra de arte, a esmagadora maioria dos investidores privilegia as galerias e os revendedores, seguindo-se os leilões. O estudo assinala que “a compra multiplataforma veio para ficar” em 2024: só entre as compras diretamente a negociadores de arte, 29% fizeram-no através dos seus websites, sem ver o trabalho pessoalmente; 28% compraram por e-mail ou telefone, também sem ver a obra pessoalmente; 23% fizeram a aquisição pelo Instagram; e 20% optaram por comprar pessoalmente, em eventos ou exposições em galerias.
Quase 90% dos HNWIs compraram em novas galerias em 2023 e este ano. O número de galerias às quais adquiriram obras de arte é maior do que em anos anteriores, com uma média de 18 em 2023 e 17 até agora em 2024, acima das 13 registadas em 2019.
Mais de 70% têm obras herdadas ou doadas nas suas coleções
Os inquéritos dos últimos nove anos mostraram um pico de alocação da riqueza dos HNWIs para o mercado de arte de 24% em 2022, caindo para 19% em 2023 e novamente para 15% em 2024. Os mais ricos (com um património avaliado em mais de 50 milhões de dólares) destacam-se ao alocar 25% da sua riqueza às suas coleções artísticas.
Outro dado do estudo é que 91% dos inquiridos tinham obras que foram herdadas ou oferecidas, mas apenas 72% destes mantiveram pelo menos algumas dessas obras nas suas coleções privadas.
Entre os principais motivos para a venda de obras herdadas, 55% apontaram não ter espaço suficiente para as guardar, enquanto 47% utilizaram os lucros para ajudar a liquidar os impostos sobre as heranças. Menos de um terço dos investidores mais jovens (millennials e Geração Z) referiram a falta de adequação às suas coleções como motivo para a venda ou a doação.
Maior participação em eventos artísticos
Os HNWIs participaram, em média, em 49 eventos artísticos no ano passado, perspetivando participar em 46 em 2024, mais oito do que em 2019. Para 2025, a maioria dos colecionadores planeava participar em exposições em galerias ou feiras de arte, com 48% a esperar atingir aproximadamente os mesmos números que este ano e 44% a esperar participar em mais eventos do que em 2024.
Simultaneamente, 43% dos inquiridos disseram que planeiam comprar uma obra de arte nos próximos 12 meses, abaixo dos pouco mais de metade da amostra em 2022 e 2023. Em sentido inverso, os que esperam vender obras das suas coleções particulares aumentaram para 55%.
Citado no relatório, Christl Novakovic, em representação do UBS, sublinhou o papel da inteligência artificial (IA) no mercado de arte, notando que as ferramentas baseadas em IA “estão a melhorar a forma como os colecionadores e as instituições descobrem, interagem e apreciam a arte” e antecipando que “é provável que a sua integração no mundo da arte se intensifique”.
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