Mercados de ações e obrigações indiferentes (para já) ao caos político em França
Apesar da queda do governo, o CAC 40, principal índice da Bolsa de Paris, negoceia em alta de 0,26%, enquanto o spread das obrigações francesas face às da Alemanha baixou para os 81,4 pontos
Michel Barnier avisou que derrubar o seu Governo traria uma “tempestade” económica e financeira à França. Mas, nas primeiras horas após se confirmar a queda do Executivo nomeado pelo Presidente Emmanuel Macron há menos de três meses, as ações e os títulos da dívida da segunda maior economia da Zona Euro negoceiam estáveis.
Cerca das 11h05 (mais uma hora em França) desta quinta-feira, o principal índice da Bolsa de Valores de Paris, o CAC 40, sobe 0,26%, com as ações dos maiores bancos, designadamente o BNP Paribas, o Credit Agricole e o Societe Generale, a valorizarem entre 2% e 3,1%.
Mesmo os seus congéneres na Europa, como o pan-europeu Stoxx 600, o alemão DAX, o espanhol IBEX 35 e o britânico FTSE 100, não dão sinais de estarem a ser impactados pela crise política gaulesa, ao negociarem em terreno positivo. Em Lisboa, o PSI soma ganhos de 0,26%, tendo recuado face aos 0,75% a que negociava nos primeiros minutos após a abertura da sessão.
Já o spread entre as obrigações soberanas de França a 10 anos e as bunds alemãs — que serve de barómetro da confiança dos investidores na fiabilidade creditícia da segunda maior economia da Zona Euro — está nos 81,4 pontos de base, distanciando-se dos 88 pontos de base registados no início da semana. A taxa de rendibilidade, por sua vez, recua para os 2,892% face a quarta-feira.
Desde junho, quando Macron anunciou legislativas antecipadas na sequência da vitória da extrema-direita francesa nas eleições europeias, o diferencial dos títulos da dívida gaulesa face às da Alemanha tem-se mantido em níveis só comparáveis aos da crise da dívida da Zona Euro.
Sem Governo e sem Orçamento, a melhoria das finanças públicas é adiada
Agora, o país confronta-se com a possibilidade de não ter Orçamento para o próximo ano. “Penso que o risco é o seguinte: quem é que quer comprar a França com uma dimensão material a estes níveis? Parece barato, mas será que queremos fazê-lo se, de repente, tivermos um Governo que alivia o Orçamento e formos objeto de uma descida [de rating]? As pessoas querem ter clareza“, disse Jens Peter Sorensen, analista-chefe do Danske Bank, citado pela Reuters.
Com o voto favorável de 331 deputados da Assembleia Nacional a uma das moções de censura apresentadas contra o Governo minoritário de Michel Barnier, a consequência, além da queda do Executivo, é a (provável) entrada em 2025 sem um Orçamento aprovado.
O risco é o seguinte: quem é que quer comprar a França com uma dimensão material a estes níveis? Parece barato, mas será que queremos fazê-lo se, de repente, tivermos um Governo que alivia o Orçamento e formos objeto de uma descida [de rating]? As pessoas querem ter clareza.
Tendo em conta que a Constituição estipula um período mínimo de um ano entre eleições, Macron não pode dissolver a Assembleia Nacional nem agendar novas legislativas até julho de 2025, pelo que o passo seguinte é nomear um novo primeiro-ministro e formar um novo Governo.
Mas a polarização e a divisão entre três grandes grupos — esquerda, centro-direita e extrema-direita — na Assembleia Nacional dificulta a tarefa do Presidente francês, arriscando o país ficar sem Governo durante semanas ou até meses.
Sem a possibilidade de votar o Orçamento de Estado e o Orçamento da Segurança Social para 2025 propostos pelo Governo agora derrubado, será preciso esperar que um novo Executivo tome posse para que sejam submetidas novas propostas orçamentais para apreciação dos deputados franceses.
Perante este cenário, os analistas preveem a adoção de um Orçamento provisório, que consiste em que os limites de despesas inscritos no Orçamento do ano anterior transitem para o novo ano enquanto não é aprovado um novo Orçamento.
Ainda assim, esta “lei especial” inscrita na Constituição tem de receber ‘luz verde’ da Assembleia Nacional — o que os diferentes grupos políticos já disseram que fariam, para evitar que os funcionários públicos fiquem sem salário.
No entanto, fica em causa o caminho para a redução do défice e da dívida pública — que, em 2023, se fixaram em 5,5% do PIB e 110,6% do PIB, respetivamente. O Governo de Barnier esperava reduzir o défice para 5% até 2025, mas este objetivo está agora fora de alcance.
O prolongamento do orçamento de 2024 para 2025 significa também que a tabela do imposto sobre o rendimento não será alterada para ter em conta a inflação, ao contrário do que estava previsto
Com a queda do Executivo, cerca de 30 mil milhões de euros das receitas adicionais previstas não serão aprovadas pelo Parlamento, além de que, segundo o banco ING, o “prolongamento do orçamento de 2024 para 2025 significa também que a tabela do imposto sobre o rendimento não será alterada para ter em conta a inflação, ao contrário do que estava previsto”.
“Isto trará 4 mil milhões de euros de receitas adicionais, apenas o suficiente para compensar a indexação das pensões, que deveria ter sido adiada mas não o será, com um custo de 3 mil milhões de euros. Assim, os trabalhadores verão os seus impostos aumentar, enquanto os reformados ficarão em melhor situação”, aponta o banco neerlandês, numa análise às consequências do impasse político francês.
Do lado da despesa pública, “a renovação do orçamento de 2024 exigirá uma redução da despesa pública real, que normalmente deveria ter aumentado cerca de 3% para compensar a inflação e o crescimento”, indica também o ING, assinalando que “representa uma poupança entre 15 mil milhões e 18 mil milhões de euros, um valor bastante próximo do proposto no projeto de orçamento para 2025”.
Acresce que a queda do Governo e o consequente impasse político vai continuar a pesar sobre a confiança das empresas e dos consumidores, mesmo que a política orçamental possa ser ligeiramente menos restritiva. O banco ING estima um crescimento do PIB francês de 1,1% este ano e de 0,6% em 2025, mas não exclui uma revisão em baixa “se a instabilidade persistir, especialmente se os rendimentos das obrigações subirem ainda mais devido ao atual imbróglio político”.
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