Empresários portugueses “apreensivos” com crise em França, mas confiam na robustez da economia

Empresários de negócios do metal, têxteis e mobiliário estão preocupados com a instabilidade, mas afastam maior impacto nas exportações. Setor dos componentes automóveis é o mais exposto ao mercado.

A instabilidade política que se abateu sobre França e que culminou com a queda do Governo esta quarta-feira tem colocado o país no radar dos investidores mundiais, com a segunda maior economia europeia — um dos principais parceiros comerciais de Portugal — em risco de entrar numa crise financeira. Um ambiente que está a ser acompanhado com “apreensão” pelos empresários portugueses, mas sem alarmes.

Representantes dos setores com maior peso nas exportações para França, como o metal, mobiliário ou têxtil, acreditam que a economia gaulesa será capaz de resistir à política.

A economia francesa é mais sólida do que o Estado francês“, defende Rafael Campos Pereira, o vice-presidente executivo da Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP) e vice-presidente da CIP. O responsável da AIMMAP, que representa um dos setores com maior peso nas exportações lusas, nota que “até ao momento, não tem havido impacto relevante.

Estamos apreensivos, mas confiamos que a economia francesa é mais sólida do que o estado francês. Até ao momento, não tem havido impacto relevante.

Rafael Campos Pereira

Vice-presidente da AIMMAP

Rafael Campos Pereira adianta que a associação está a organizar uma presença coletiva na Global Industrie em Lyon, em março de 2025, “e a adesão de empresas portuguesas é enorme”. Estarão mais de 100 empresas a expor em Lyon no total dos vários certames da Global Industrie, o que mostra que “as empresas portuguesas continuam focadas nos compradores franceses.

O setor do metal tem visto as vendas crescerem de forma contínua. França é atualmente o segundo maior mercado do setor, com 15% das exportações, tendo sido responsável por vendas na ordem dos 3,9 mil milhões de euros em 2023 — cerca de 39% dos mais de 10 mil milhões de euros exportados por empresas portuguesas para França no ano passado. “Em 2024, os números das exportações para França serão semelhantes aos de 2023”, antecipa Rafael Campos Pereira. “Apesar de apreensivos com as notícias [sobre a crise política em França], até ao momento não vemos motivos para alarme”.

França é um dos principais parceiros portugueses de Portugal, sendo atualmente o segundo maior destino de exportações do país, logo a seguir à Espanha, representando 13% das exportações nacionais no ano passado.

Do lado das importações, França surge como o terceiro maior fornecedor de Portugal, com um peso de cerca de 7% (7,3 mil milhões de euros) nas importações nacionais, no final de 2023, segundo os dados compilados pela AICEP para o ECO, no passado mês de junho.

Olhando para os primeiros nove meses do ano, as exportações para França somam 7,3 mil milhões de euros, ligeiramente abaixo dos 7,7 mil milhões registados até ao final de setembro de 2023, segundo mostram os dados do INE sobre as trocas comerciais com França. O material de transporte, com um volume de vendas de 1,3 mil milhões no acumulado dos nove meses e os veículos automóveis, tratores, ciclos e outros veículos, suas partes e acessórios seguem-se na lista de bens com maior montante exportado para França: mil milhões de euros.

França é ainda o segundo maior investidor direto estrangeiro em Portugal, que atingiu 17,4 mil milhões de euros no ano passado, ligeiramente acima dos 17,3 mil milhões registados em 2022, revelam os números do Banco de Portugal. Importantes empresas como a Airbus, Renault, ou a Euronext, que são responsáveis pela criação de mais de 60 mil postos de trabalho no país.

Com a segunda maior economia europeia em risco de ficar sem governo, após as moções de censura votadas esta quarta-feira no Parlamento gaulês, a instabilidade política no país poderá refletir-se na confiança dos consumidores e dos investidores.

 

À semelhança do que acontece no setor da metalurgia e metalomecânica, no têxtil, outro dos mais expostos a França, com uma dependência de cerca de 15% das exportações do setor, a crise gaulesa não deverá afetar o negócio das empresas que vendem para o país. “Não antevemos impacto nas nossas exportações” que são destinadas a marcas de luxo, adianta Mário Jorge Machado. O presidente da ATP (Associação Têxtil e Vestuário de Portugal) admite que “todas as situações de instabilidade política e económica na Europa acrescem às preocupações” do setor, mas França não é atualmente o que mais preocupa o responsável.

No mobiliário, que tem em França o seu maior mercado, com uma quota de 32%, o que corresponde a 664 milhões de euros, Gualter Morgado, diretor executivo da Associação Portuguesa das Indústrias de Mobiliário e Afins (APIMA), explica que “a situação não é a melhor, mas o mercado já estava difícil e em estagnação, esta situação apenas atrasa a recuperação do mercado”.

Mais difícil é a situação no setor automóvel, que tem um grande peso em França e que enfrenta uma grave crise na Europa. “Os franceses estão preocupados com o que acontece na indústria automóvel, que tem uma grande importância para a economia francesa”, refere José Couto, presidente da Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel (AFIA).

“As empresas portuguesas produzem componentes para automóveis e se os automóveis não se venderem provavelmente vamos ter que diminuir as atividade das empresas nacionais (..) Portugal depende das encomendas dos construtores e isso pode ter um efeito cascata e consequente negativo para as empresas portuguesas”, realça José Couto.

Ao contrário de setores do calçado, têxtil, metalurgia e metalomecânica, e madeira, que exportam cerca de 15% da sua produção para França, no caso das exportações portuguesas de componentes automóveis, Europa representa 88,5% das vendas internacionais, com França a surgir como terceiro maior mercado, com um peso de cerca de 8%.

No acumulado de 2024, as exportações do setor para o mercado europeu registaram uma queda de 4,6% face ao mesmo período de 2023. Espanha mantém-se como o maior comprador, absorvendo 28% dos componentes fabricados em Portugal, seguida pela Alemanha (23,9%) e França (8,2%).

A tecnológica portuguesa PrimeIT, que abriu o 9.º escritório em França recentemente para atacar o aeroespacial e a defesa, adiantou ao ECO que, “desde a sua fundação, em 2011, a Prime Engineering tem-se consolidado como uma consultora tecnológica de referência no mercado francês, superando com resiliência os diversos períodos desafiantes que têm marcado o país.”

Neste momento de instabilidade política, com o governo francês a enfrentar desafios internos e a possibilidade de queda, a Prime Engineering está posicionada para continuar a oferecer apoio constante a todos os seus clientes.

Fonte oficial da Prime Engineering

“França, pela sua complexidade social e política, enfrentou diferentes crises que testaram a capacidade de adaptação das empresas, como ataques terroristas, a pandemia Covid-19, e greves gerais como o movimento dos coletes amarelos e os protestos dos agricultores. Cada um destes eventos exigiu uma rápida resposta por parte das empresas e a Prime Engineering demonstrou, uma vez mais, a sua capacidade de se adaptar a um ambiente em constante mudança”, adiantou fonte oficial da empresa.

A empresa garante que, “neste momento de instabilidade política, com o governo francês a enfrentar desafios internos e a possibilidade de queda, a Prime Engineering está posicionada para continuar a oferecer apoio constante a todos os seus clientes” e “está preparada para continuar a oferecer soluções de elevada qualidade e acreditamos que 2025 será mais um ano de crescimento sustentável.”

“A instabilidade política tem sempre repercussões na economia e deve por isso ser alvo de atenção, análise e ação”, reconhece Ramiro Brito. O presidente da AEMinho acredita, porém, que “a solidez histórica das relações comerciais que temos com França será a garantia de que essas repercussões possam ser controladas e reduzidas ao mínimo.”

Por um lado, França representa cerca de 13% das nossas exportações nacionais, por outro representa 17% do investimento estrangeiro realizado no nosso país, o que demonstra que a relação e importância estratégica desta relação tem dois sentidos.

Ramiro Brito

Presidente da AEMinho

“Estamos confiantes que a economia será sempre mais forte e irá resistir a essas oscilações do cenário político, por diversas razões, nomeadamente pela própria relevância que o país tem na cena europeia”, reforça o líder da associação que representa os patrões do Minho.

Ramiro Brito destaca a importância de França para Portugal, lembrando que o país, “por um lado, representa cerca de 13% das nossas exportações nacionais, por outro representa 17% do investimento estrangeiro realizado no nosso país, o que demonstra que a relação e importância estratégica desta relação tem dois sentidos, sendo relevante para ambas as partes, corroborando a minha opinião que a solidez das relações pode ser uma boa âncora em cenários menos positivos ou favoráveis”.

O empresário, que lidera o Grupo Érre, reconhece que “o impacto de um travão na economia francesa significa logo à partida menos a probabilidade de menos investimento na nossa economia e menos exportações da nossa economia” e “um travão mais acentuado pode ter repercussões em Portugal, que obrigará as empresas portuguesas e fazerem algo que fazem muito bem, diversificar mais os seus mercados e geografias de ação, tornando-se ainda mais globais.”

Também a AEP realça que França é um dos principais parceiros comerciais de Portugal e “a instabilidade política e a fragilidade das contas públicas francesas (o FMI prevê défices orçamentais entre 2024 e 2026, que variam entre -5,3% do PIB até -6,2% do PIB e o crescimento da dívida pública de 109,9% do PIB em 2023 para 117,6% em 2026 e 124,1% em 2029) tendem a gerar efeitos negativos nos principais agentes económicos pela falta de previsibilidade”, explica Luís Miguel Ribeiro.

Luís Miguel Ribeiro, Presidente do Conselho de Administração da AEP, avisa que impactos da instabilidade internacional já se fazem sentir.Ricardo Castelo/ECO

Para o presidente do conselho de administração da AEP, “uma quebra da confiança das famílias e das empresas localizadas em França poderá afetar negativamente a balança comercial com Portugal, com maior impacto nas exportações de bens e serviços portugueses face às importações portuguesas provenientes de França”.

“Toda esta instabilidade num país com uma comunidade portuguesa tão numerosa gera sempre apreensão”, avisa. “Tal decorre, não só pelo número de empresários da diáspora que já estão a sentir a crise económica nos mais diversos setores, mas também porque grandes empresas francesas estão também elas a sentir dificuldades em continuar a contratar novo negócio ou a captar novos projetos. Em muitas delas trabalham muitos portugueses”, acrescenta Luís Miguel Ribeiro.

Num ambiente dominado por muitos riscos geopolíticos e a ameaça de tarifas por parte dos EUA, após a eleição de Donald Trump para a Casa Branca, o presidente da AEP alerta que “os impactos na economia portuguesa já se fazem sentir. Existe apreensão por parte dos empresários. França tem uma comunidade portuguesa numerosa e um elevado número de empresários da diáspora que já estão a sentir a crise económica nos mais diversos setores.”

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