França à beira de novo impasse político. O que se segue?
- Joana Abrantes Gomes
- 4 Dezembro 2024
Se se confirmar a queda do Governo de Barnier, com a aprovação de uma das moções de censura apresentadas pela oposição, é incerto como é que o país em défice excessivo se vai governar em 2025.
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O que levou ao novo impasse político em França?
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Quando vão ser votadas as moções de censura?
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Quantos deputados já declararam apoio às moções de censura?
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O que acontece se uma das moções for aprovada?
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Quais as consequências orçamentais caso o Governo caia?
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A instabilidade política tem efeitos nos mercados?
França à beira de novo impasse político. O que se segue?
- Joana Abrantes Gomes
- 4 Dezembro 2024
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O que levou ao novo impasse político em França?
Na segunda-feira, o primeiro-ministro francês, Michel Barnier, anunciou o recurso ao n.º 3 do artigo 49.º da Constituição para conseguir adotar o projeto de lei de financiamento da Segurança Social, sem este ser sujeito a votação parlamentar.
A decisão foi tomada após vários dias de negociações com a União Nacional, partido de extrema-direita de Marine Le Pen, a quem o Governo francês fez várias concessões, como a eliminação de um imposto sobre a eletricidade, o corte na ajuda médica a imigrantes ilegais e a manutenção do reembolso de vários medicamentos.
Mas, ao recusar uma última exigência de Le Pen — adiar o aumento das pensões por meio ano para contrariar a inflação –, o Executivo minoritário de centro-direita liderado por Michel Barnier deixou de contar com o apoio da União Nacional para o seu orçamento receber ‘luz verde’ na Assembleia Nacional.
O primeiro-ministro decidiu, então, invocar o artigo da Constituição francesa que força a adoção do documento mesmo sem a votação na Assembleia Nacional, declarando que tinha “chegado ao fim do diálogo” com os grupos políticos.
Só que o artigo em causa inclui uma norma que possibilita ao Parlamento francês apresentar uma moção de censura contra o Governo nas 24 horas seguintes, que foi o que fizeram, separadamente, a França Insubmissa e a extrema-direita de Le Pen.
Proxima Pergunta: Quando vão ser votadas as moções de censura?
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Quando vão ser votadas as moções de censura?
O debate e a posterior votação das moções de censura apresentadas pela França Insubmissa e pelo União Nacional estão agendados para as 16 horas (15 horas em Lisboa) de quarta-feira, de acordo com fontes parlamentares citadas pela AFP.
O jornal Le Monde explica que a primeira moção a ser votada é a da França Insubmissa, por ter o maior número de signatários (185). Caso tenha os votos necessários para a sua aprovação (de, pelo menos, 288 dos 577 deputados), a moção apresentada pelo União Nacional e os seus aliados do UDR, que foi assinada por todos os seus 141 deputados, não será sujeita a votação.
Proxima Pergunta: Quantos deputados já declararam apoio às moções de censura?
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Quantos deputados já declararam apoio às moções de censura?
Enquanto os grupos que compõem a frente de esquerda da Nova Frente Popular (NFP) não deverão apoiar a moção do União Nacional, o partido de extrema-direita de Le Pen já anunciou que vai votar a favor da moção apresentada pelo França Insubmissa.
Isto significa que, a não ser que haja uma reviravolta de última hora, o número de deputados que votarão favoravelmente à moção de censura do França Insubmissa (185+140=325) ultrapassa largamente o mínimo necessário de 288 votos para a sua aprovação.
Os deputados franceses só podem votar a favor da moção de censura ou então não participam na votação, já que não há possibilidade de voto contra neste processo.
Proxima Pergunta: O que acontece se uma das moções for aprovada?
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O que acontece se uma das moções for aprovada?
A provável união dos votos da aliança de esquerda e da extrema-direita levará à queda do Governo de Michel Barnier, no que seria o mandato mais curto desde a fundação da V República, em 1958. Além disso, seria o primeiro Governo a cair desde que o Executivo de George Pompidou foi rejeitado, através de uma moção de censura, em 1962.
Caso se confirme a queda do Governo francês, o Presidente Emmanuel Macron não poderá dissolver a Assembleia Nacional nem marcar legislativas antecipadas antes de julho de 2025, uma vez que a Constituição prevê um período mínimo de um ano entre eleições.
Assim, Macron terá de nomear um novo primeiro-ministro, estando em cima da mesa várias opções:
- Reconduzir Michel Barnier;
- Nomear o antigo primeiro-ministro e ex-ministro do Interior Bernard Cazeneuve, de esquerda mas anti-Nova Frente Popular (coligação de esquerda que reúne a esquerda radical, os socialistas e os ecologistas);
- Formar um Governo técnico, com a nomeação de ministros sem filiação partidária.
Todas estas hipóteses são, no entanto, arriscadas, dada a polarização e a divisão em três grandes campos — esquerda, centro-direita e extrema-direita — na Assembleia Nacional, que, ao não conseguirem chegar a um consenso, elevam o risco de uma nova moção de censura.
Mesmo a nomeação de um Governo técnico, frequentemente utilizado em Itália em tempos de crise, é difícil que se mantenha no longo prazo, devido à falta de legitimidade nas urnas.
Proxima Pergunta: Quais as consequências orçamentais caso o Governo caia?
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Quais as consequências orçamentais caso o Governo caia?
Face à queda iminente do Governo francês, é pouco provável que a França venha a ter um Orçamento do Estado para 2025 aprovado e promulgado até ao final deste ano. No entanto, a Constituição francesa tem inscrita uma “lei especial” que permite que os limites de despesas inscritos no orçamento do ano anterior transitem para o novo ano enquanto não é adotado um novo orçamento.
Ainda assim, essa medida é sujeita a votação no Parlamento. Caso seja rejeitada, ou Macron ativa o artigo 16.º da Constituição que confere poderes excecionais para tomar medidas orçamentais sem passar pelo Parlamento ou o país entra em shutdown.
Para evitar a paralisação, o Le Monde escreve que restaria um cenário “ainda mais hipotético”: ativar o artigo 47.º da Constituição, que permitiria ao Governo interino promulgar uma lei por decreto, sem votação, se o Parlamento não a tiver votado após setenta dias. Esta possibilidade, no entanto, divide os especialistas jurídicos.
Note-se que França está sujeita a um procedimento por défice excessivo de Bruxelas, visto que ultrapassa o teto de 3% do PIB previsto pelas regras da União Europeia (UE). As previsões apontam para que o défice público francês se fixe nos 6,1% do PIB este ano, e o Governo de Barnier esperava baixar o défice para 5% em 2025. Mas, sem um orçamento aprovado para o próximo ano, este objetivo não será atingido.
Proxima Pergunta: A instabilidade política tem efeitos nos mercados?
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A instabilidade política tem efeitos nos mercados?
Sim. Embora a agência de notação financeira Standard & Poor’s tenha mantido, na semana passada, a classificação do país em “AA-“, com uma perspetiva estável, a eventual queda do Executivo de Michel Barnier está a preocupar os investidores, com o diferencial entre as taxas de juro francesas e alemãs a aumentar fortemente nos mercados.
Na segunda-feira, logo após o primeiro-ministro ter anunciado a adoção do Orçamento sem a votação parlamentar, o spread entre as obrigações soberanas de França a 10 anos e as bunds alemãs alargou-se mais sete pontos base, atingindo os 88 pontos base, um nível comparável ao de 2012. Esta terça-feira, continuou a rondar os 86,8 pontos base, espelhando o risco de instabilidade na segunda maior economia da Zona Euro.
O intervalo entre estas duas taxas serve de barómetro da confiança dos investidores na fiabilidade creditícia de França e, ainda que uma descida para terreno negativo das perspetivas da notação soberana do país tenha pouco impacto nos seus custos de financiamento, o derrube do Governo sem um Orçamento para 2025 poderá aumentar os receios em relação ao país.
O próprio Michel Barnier alertou para as “graves turbulências nos mercados financeiros” decorrentes do impasse político, numa altura em que as taxas de juro francesas são mais elevadas do que as de Espanha e Portugal e próximas das da Grécia, apesar da sua classificação mais baixa.