Exclusivo Estado tem de compensar concessionário da autoestrada da Beira Interior por fim das portagens e renegociar contrato
Se tivesse de ressarcir a Scutvias na totalidade, a indemnização poderia atingir os 175 milhões de euros, mas o Governo não se compromete com valores e admite estender a concessão.
O Estado vai compensar e renegociar o contrato com o concessionário da A23 da Beira Interior pelo fim das portagens naquela autoestrada, medida que entra em vigor a 1 de janeiro de 2025, revelou ao ECO fonte oficial do Ministério das Infraestruturas, sem indicar qual o montante destinado a ressarcir a Scutvias.
Numa resposta ao grupo parlamentar do PSD, a tutela já tinha informado que a perda acumulada de receita até 2032, quando termina o contrato, deverá atingir os 142,2 milhões de euros sem IVA. Com imposto, o valor sobe para 174,9 milhões de euros. Mas o Executivo não se compromete com os valores a injetar no parceiro privado, responsável pela exploração da via que liga Guarda a Torres Novas e acena com a extensão da concessão.
A decisão já tinha sido tomada pelo Conselho de Ministros, na semana passada. Em comunicado, o Executivo de Luís Montenegro indicou que foi aprovado “um decreto-Lei que estabelece um regime extraordinário e temporário para fazer face à perda integral da receita de cobrança de taxas de portagem na concessão da Beira Interior, na sequência da publicação da Lei n.º 37/2024, de 7 de agosto, que determinou a eliminação das taxas de portagem nos lanços e sublanços das autoestradas do Interior e em vias onde não exista alternativa a partir de 1 de janeiro de 2025″.
No entanto, não tinha ficado claro qual o “regime extraordinário e temporário” em causa. Por isso, o ECO pediu explicações ao Ministério das Infraestruturas de Miguel Pinto Luz que confirmou tratar-se de um sistema de compensação de receita mas não só.
“O regime extraordinário e temporário, a que diz respeito o decreto-lei aprovado pelo Conselho de Ministros na passada quinta-feira, que pretende assegurar a manutenção das condições de execução das obrigações contratuais por parte da concessionária (refere-se a título de exemplo a atividade operação, manutenção e assistência da A23), estará em vigor até ao termo da renegociação do contrato de concessão, tendo em conta a reposição do equilíbrio financeiro do contrato, que terá de ser efetuada entre o Estado português e a concessionária, nos termos do decreto-lei n.º 111/2012, de 23 de maio“, esclarece a tutela.
Ou seja, o Governo pretende repor o equilíbrio financeiro da Scutvias para compensar a perda de receita pelo fim das portagens, mas só até ao momento da renegociação do contrato que poderá ser estendido para lá de 2032 como outra moeda de troca. E o diploma, que menciona o gabinete de Pinto Luz, estabelece que, para esse efeito, “deve ser constituída uma comissão de negociação”.
O Ministério justifica a necessidade de compensação e renegociação do contrato porque, “no caso da concessão da Beira Interior, de acordo com o respetivo contrato de concessão, a única fonte de remuneração resulta da receita de cobrança de portagem. Assim, com a entrada em vigor da lei, a concessionária perderia integralmente qualquer fonte de receita, pelo que foi necessário estabelecer um regime extraordinário e temporário”, sublinha o gabinete de Miguel Pinto Luz, em resposta enviada ao ECO.
Há cerca de 10 anos que a Scutvias deixou de ser remunerada diretamente pelo Estado e as portagens passaram a ser a única fonte de financiamento.
O decreto-lei n.º 214-A/2015 de 30 de setembro, assinado pelo então primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, alterou o contrato de concessão, celebrado em 1999, entre a Scutvias e o Governo, e determinou que, a partir de 2015, “a concessionária da Beira Interior passa a ser remunerada pelas receitas de cobrança de taxas de portagem, cessando, assim, o período intercalar acordado entre a concessionária e o concedente em 2011″. Ou seja, a cobrança de portagens passou a representar toda a fonte de receita do operador privado.
A concessionária Scutvias pertence ao grupo espanhol Globalvia que é detido a 100% por três fundos de pensões: OPTrust, do Canadá; PGGM, dos Países Baixos; e USS do Reino Unido.
A criação do regime compensatório surge na sequência da aprovação de uma proposta do PS para acabar com as portagens em sete antigas vias sem custo para o utilizador (Scut) do Interior e Algarve: A4 – Transmontana e Túnel do Marão; A13 e A13-1 – Pinhal Interior; A22 – Algarve; A23 – Beira Interior; A24 – Interior Norte; A25 – Beiras Litoral e Alta; e A28 – Litoral Norte, nos troços entre Esposende e Antas, e entre Neiva e Darque.
A medida foi viabilizada em junho com ajuda dos votos favoráveis do Chega e deverá ter um impacto, no próximo ano, de 180 milhões de euros em perda de receita para o Estado, segundo as estimativas do Executivo de Luís Montenegro.
Entre as sete autoestradas em causa, apenas as portagens da A23 são receita da concessionária privada Scutvias, as taxas cobradas nas restantes seis vias vão para os cofres das Infraestruturas de Portugal (IP), que é detida pelo Estado.
“A IP e a Scutvias (concessionária da concessão Beira Interior) são as duas concessionárias afetadas diretamente pela Lei n.º 37/2024, de 7 de agosto, que determinou a eliminação das taxas de portagem nos lanços e sublanços das autoestradas do Interior e em vias onde não exista alternativa”, apontou fonte oficial do gabinete do ministro das Infraestruturas.
Governo admite indemnizar IP pelo fim das taxas em seis autoestradas
A tutela foi questionada pelo ECO se também tenciona criar um mecanismo para ressarcir a IP e, até ao fecho da edição deste artigo, não obteve resposta. Mas, ao que o ECO apurou, o preâmbulo do decreto-lei que estabelece o regime compensatório para a concessionária da A23, e que ainda terá de ser publicado em Diário da República, indica que também serão acauteladas outras situações, designadamente a perda de receita da IP com a eliminação dos pórticos em seis ex-Scut: A4 – Transmontana e Túnel do Marão; A13 e A13-1 – Pinhal Interior; A22 – Algarve; A24 – Interior Norte; A25 – Beiras Litoral e Alta; e A28 – Litoral Norte, nos troços entre Esposende e Antas, e entre Neiva e Darque.
O fim dos pórticos vai provocar um impacto negativo de cerca de 1,6 mil milhões de euros nos cofres da IP ao longo dos próximos 10 anos daquelas seis concessões rodoviárias, incluindo um troço da A23, entre Torres Novas e Abrantes, segundos os cálculos do ECO com base nas receitas geradas, no ano passado, de cerca de 161,3 milhões de euros, com a cobrança de portagens.
A confirmarem-se estas contas, o Estado terá de indemnizar a IP em 1,6 mil milhões de euros. Mas, tal como decorre do decreto-lei aprovado na semana passada, o Governo também pretende renegociar os contratos com a IP de modo a minimizar a fatura a pagar.
Em maio, ainda antes do diploma do PS ter obtido luz verde, a IP indicou ao Observador que “eventuais medidas que induzem perdas de receita com natureza permanente afetam o modelo económico-financeiro do contrato de concessão da IP, celebrado em 2007 e por um período de 75 anos”.
Por isso, “haverá que articular com o Estado um mecanismo suscetível de assegurar a compensação da empresa pela perda de receita em causa, ou o ajustamento em conformidade do modelo económico da concessão”, defendeu fonte oficial da IP em declarações àquele jornal online. O ECO sabe que a IP já solicitou ao Executivo uma estimativa da perda de receita com o fim das portagens e espera ser indemnizada nesses montantes.
Resta saber se o Executivo vai efetivamente aprovar um “regime extraordinário e temporário” tal como o fez para a Scutvias, a concessionária da A23 da Beira Interior, que liga Guarda a Torres Novas.
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