Quem quer casar com a Galp? Da Chevron à BP, conheça os potenciais pretendentes
Alterações de liderança podem deixar as empresas mais instáveis e vulneráveis, mas no caso da Galp deverá ser um eventual refrescar da estratégia a torná-la mais atrativa para compradores externos.
A mudança na comissão executiva da Galp tem de vir acompanhada por alterações no plano estratégico para a empresa ser um alvo mais apetecível para operações de M&A. É o que dizem os especialistas contactados pelo ECO, que destacam que o setor atravessa uma fase de consolidação e a Galp tem histórico de solidez operacional, mas não basta(m) novo(s) CEO.
“Não consideramos que a demissão do CEO torne a Galp imediatamente mais atrativa para operações de fusão ou aquisição”, considera o analista Vítor Madeira, da XTB. No entanto, “empresas que gerem ativos valiosos e possuem um histórico operacional sólido, como a Galp, são frequentemente observadas como alvos atrativos em momentos de transição na liderança”, escreve o responsável de Trading do Banco Carregosa, João Queiroz. Esta constatação torna-se mais premente quando um setor atravessa um período de consolidação e/ou de transição tecnológica, que é o caso do setor energético, indica o mesmo.
Na visão de João Queiroz, transições de liderança podem “criar perceções de instabilidade estratégica”, o que pode ajudar a que a Galp seja um alvo de fusões ou aquisições. Ao mesmo tempo, “a Galp poderia já ter empresas interessadas em potenciais operações M&A dadas as recentes correções nos preços das suas ações”, concede a XTB, alertando que as empresas interessadas podem tentar negociar em baixa os preços oferecidos face à fase de transição na gestão.
Outro fator facilitador destas operações é a “concentração significativa de capital” em grandes investidores que a estrutura acionista apresenta atualmente, o que a torna mais acessível à abordagem de eventuais interessados, continua o Banco Carregosa. Em último lugar, a descoberta das reservas de petróleo na Namíbia surge como um fator de atração.
“Poderia ter racional a Galp explorar parcerias ou potenciais fusões com empresas internacionais que tenham interesse em reforçar a sua posição em África ou que procurem diversificar as suas carteiras no setor upstream”, resume João Queiroz. No entanto, nesta categoria inserem-se vários tipos de candidatos. Por um lado, o analista aponta os gigantes do setor energético global, empresas como a TotalEnergies ou a ExxonMobil, já que têm experiência na monetização de grandes reservas offshore, como as da Namíbia, e poderiam beneficiar da integração dos ativos da Galp nas suas carteiras de ativos.
"Poderia ter racional a Galp explorar parcerias ou potenciais fusões com empresas internacionais que tenham interesse em reforçar a sua posição em África ou que procurem diversificar as suas carteiras no setor upstream”
Também empresas estatais, como a Sonangol ou outras entidades africanas com experiência no setor petrolífero, poderiam formar joint ventures com a Galp para desenvolver conjuntamente as reservas na Namíbia, partilhando riscos e custos. Numa terceira hipótese, investidores financeiros ou fundos soberanos, como o Norges Bank (já acionista da Galp) ou fundos soberanos de países com interesse estratégico em energia, de que há exemplos no Médio Oriente, poderiam adquirir uma participação maior ou mesmo considerar uma operação de aquisição estratégica ou oportunista, relacionada com os ativos upstream.
Por fim, Queiroz vê uma boa conjugação entre a Galp e empresas mais focadas na transição energética, como a BP, que tem investido em “híbridos” de petróleo e renováveis. Neste caso, poderiam explorar uma aquisição parcial ou total para alavancar o conhecimento da Galp nos dois domínios.
Chevron anda às compras
A hipótese de M&A na Galp surgiu na semana passada após a demissão de Filipe Silva. Uma research da RBC Capital Markets, consultada pelo ECO, transmitiu que a saída deveria alimentar expectativas sobre uma potencial aquisição da energética portuguesa por um concorrente maior dadas as expectativas de crescimento no curto prazo à boleia do Brasil. “O legado de Filipe [Silva] tem sido ‘arrumar’ as prioridades da Galp na transição energética, simplificando a estratégia de baixo carbono, ao mesmo tempo que dinamiza o portefólio upstream através da venda de ativos em Angola e Moçambique”, escreveram os analistas Biraj Borkhataria e Adnan Dhanani.
Tal como a ExxonMobil, que comprou a Pioneer Natural Resources em maio, a Chevron tem um histórico de capital em caixa disponível para ‘caçar’ os rivais e conseguir dimensão e melhorias operacionais. No entanto, há quase dois anos que a Chevron tem outro (grande) processo de aquisição em marcha: o da Hess no valor de 53 mil milhões de dólares (52 mil milhões de euros).
Já há sete meses que os acionistas aprovaram o acordo e a Comissão Federal do Comércio deu o aval em setembro, mas o negócio, cuja conclusão estava prevista para o primeiro semestre de 2024, continua embrulhado por uma disputa legal com a ExxonMobil sobre o bloco de petróleo Stabroek, no mar da Guiana. Estaria a Chevron disposta a iniciar outro processo sem fechar esta consolidação?
Para a XTB, “qualquer operação de aquisição que possa surgir será mais estratégica se for desencadeada por intermédio de outra empresa do mesmo setor e que, preferencialmente, tivesse já operações partilhadas”.
“Para a Galp, a entrada de novos parceiros ou investidores estratégicos poderia reforçar a sua capacidade financeira e competência tecnológica mais dependente de escala, para desenvolver as reservas na Namíbia e enfrentar os desafios da transição energética”, conclui o responsável de Trading do Banco Carregosa.
Uma das principais alterações na estrutura acionista da Galp nos últimos anos foi a venda faseada da posição da petrolífera italiana Eni, que chegou a deter mais de um terço (33,34%) da empresa nacional, mas entre 2012 e 2015, essa participação foi sendo alienada em várias transações avaliadas num total de 3.283 milhões de euros. No início da década, pôs-se até em cima da mesa a hipótese de os italianos comprarem mais 10%, que estava prevista no âmbito de um acordo assinado com o Estado durante o Governo de António Guterres, embora essa opção nunca tenha avançado – nem era a vontade do Executivo de José Sócrates em 2005.
Atualmente, a Galp vale mais de 11 mil milhões. A empresa agora coliderada por Maria João Carioca e João Diogo Marques fechou a sessão desta segunda-feira com uma avaliação em bolsa de 11,31 mil milhões de euros, sendo que registou lucros recorde de 890 milhões de euros nos primeiros nove meses de 2024.
"O mercado aguarda com alguma expetativa o desfecho do processo de venda de uma participação relevante na holding que detém a exploração dessa operação [na Namibía], iniciada no ano passado
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Na opinião do advogado Francisco Santos Costa, especializado em energia, a Galp tem vindo a beneficiar de perspetivas favoráveis ao seu crescimento, inclusive pelas recentes descobertas de reservatórios na Namíbia, portanto “o mercado aguarda com alguma expectativa o desfecho do processo de venda de uma participação relevante na holding que detém a exploração dessa operação, iniciada no ano passado”.
“Apesar da mudança de liderança, o rumo estratégico da empresa deve manter-se inalterado, o que é, aliás, reforçado pela solução interina de governance adotada”, defende.
O sócio da Cuatrecasas diz ao ECO que a atividade de M&A neste setor na Europa tem sido “relevante” por causa da transição energética, que gera necessidade de as empresas recorrerem a aquisições de portefólios de energias limpas. “Houve também movimentos de consolidação em resposta a flutuações acentuadas nos preços do petróleo e do gás natural, desinvestimentos estratégicos, mudanças no contexto regulatório e a necessidade de incorporar novas tecnologias livres de carbono para obter ganhos de eficiência”, acrescentou Francisco Santos Costa.
O managing director de Oil & Gas (O&G) Corporate Finance da Kroll também considera que a mudança da gestão não deverá ter efeitos na estratégia de M&A. O que poderá influenciar esse movimento é a redefinição da estratégia, como já aconteceu com outras grandes petrolíferas, diz. “A Galp também já deu alguns sinais nesse sentido, em que tem existido uma mudança novamente para o O&G, e uma aposta mais cuidada nas renováveis. Por motivos muito particulares e exógenos, a Galp já desistiu de dois projetos focados na transição energética, em particular o Aurora e o de gás em Moçambique, para uma aposta mais forte no Brasil e na Namíbia”, argumentou Diogo Pais ao ECO.
“Geralmente, a atividade de M&A no setor do petróleo e gás é influenciada pela necessidade de consolidar portefólios e beneficiar de economias de escala, assim como pelos preços relativamente altos do petróleo nos últimos anos, que faz com que as empresas tenham dinheiro em caixa suficiente para realizar estas operações. Na Europa, a compra da Wintershall Dea por parte da Harbour Energy é focada em temas operacionais e estratégicos e permite à empresa aumentar a escala, uma maior diversidade geográfica e uma melhora do balanço financeiro”, exemplifica Diogo Pais.
Mais de 200 negócios em 2024
Globalmente, o radar da consultora norte-americana Kroll contabilizou 222 fusões e aquisições no setor do petróleo e gás, no terceiro trimestre de 2024, que totalizaram 75 mil milhões de dólares (73 mil milhões de euros), o que correspondeu a aumento em cadeia face aos 67 mil milhões do trimestre anterior e a queda em número (-18), segundo o Global Oil and Gas M&A Outlook.
A maior economia do mundo tem-se mostrado dinâmica no M&A neste setor, tendo em conta que entre julho e setembro, os Estados Unidos representaram 34% dos negócios mundiais anunciados com 76 transações num valor acumulado de 21 mil milhões de dólares (sendo que apenas 28% dessas operações tiveram o preço publicado). Ainda na sexta-feira a norte-americana Constellation Energy informou que iria comprar a Calpine, de energia geotérmica e gás natural, por 26,6 mil milhões de dólares (26 mil milhões de euros), o que fez disparar as ações da Constellation mais de 22%.
Apesar deste peso dos EUA no M&A do petróleo e gás mundial, outras regiões do globo têm mexido com a atividade, impulsionada principalmente pelos grandes meganegócios que envolveram o SK Group e a Saudi Aramco.
“Ao priorizar investimentos de elevado retorno e manter o foco na eficiência da produção, as empresas de petróleo e gás têm trabalhado para garantir um desempenho financeiro robusto e manter a confiança dos investidores. Nos últimos quatro anos, as despesas de capital da indústria aumentaram 53%, enquanto o seu lucro líquido aumentou quase 16%. Os serviços de campos petrolíferos reportaram o seu melhor desempenho de 2023 a 2024 nos últimos 34 anos”, assinala o Oil and Gas Industry Outlook 2025 da Deloitte.
O relatório mostra que existem incertezas no horizonte – quer em torno dos cortes da OPEP+ quer das políticas energéticas da administração Trump – mas a “disciplina de capital” da indústria do petróleo e do gás e os investimentos em novas tecnologias cimentarão um 2025 robusto”.
Em Portugal existem poucas referências a este setor, mas a área das energias renováveis foi a quarta com mais transações em Portugal em 2024: 38, de acordo com o relatório da TTR Data, divulgado esta segunda-feira. Ainda assim, registou-se um decréscimo homólogo de 21% no número de operações neste segmento de atividade económico.
No final do ano passado, concluíram-se vários negócios ligados à energia em Portugal, nomeadamente a compra das empresas Elpor e Mtaron pelo grupo familiar francês Sonepar, que faz distribuição B2B de equipamentos elétricos, ou a aquisição da Electroclima pelo grupo Greengray, do qual fazem parte sociedades de metalomecânica, energia ou engenharia. Mais a norte, a japonesa Tokyo Gas, a maior empresa nipónica de gás natural, comprou uma participação de 21,2% da Windplus – dona do projeto de eólica offshore flutuante WindFloat Atlantic, ao largo de Viana do Castelo – à OceanWinds, joint venture entre a EDP e a Engie.
Até mesmo a promotora imobiliária CBRE foi às compras e ficou com o negócio de advisory em energia renovável do grupo NRG Energy para reforçar a capacidade de resposta neste setor, acelerar transações e apoiar os clientes a incluir energia limpa nos seus portefólios imobiliários.
Filipa Barreto, partner de Advisory da KPMG Portugal, antecipa que, em 2025, as empresas continuem a recalibrar as suas estratégias de M&A para as focar mais no core business e serem mais seletivas na transição energética, em particular pela agenda da administração Trump para o setor. “De destacar ainda outros catalisadores relevantes da atividade transacional no setor, tais como: a consolidação no midstream, a recuperação da atividade de private equity, o aumento do número de carve-outs na sequência dos mega deals dos últimos 18 meses, bem como a aceleração da transformação digital”, enumera.
“Estas perspetivas de maior dinamismo são tendências globais que terão naturalmente eco em Portugal ainda que com menor intensidade”, crê a consultora.
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