Espanha prepara redução da semana de trabalho. E Portugal?
Espanha está a preparar a redução da semana de trabalho para 37,5 horas. Em Portugal, 40 horas são a norma, mas há exceções: em alguns casos, negociação coletiva fixou as 35 horas.
Os espanhóis preparam-se para trabalhar menos horas por semana. O Governo de Pedro Sánchez deu “luz verde” à redução da semana de trabalho para 37,5 horas, faltando ainda o “sim” do Parlamento. Em Portugal, a semana de trabalho está fixada em 40 horas no setor privado e as confederações empresariais avisam que, neste momento, não há condições para encolher. Ainda assim, em algumas empresas e em certos setores, a negociação coletiva já vai conseguindo fazer emagrecer a carga horária semanal de trabalho.
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Comecemos pelo que está a acontecer no outro lado da Península Ibérica. Depois de ter assinado em dezembro um acordo com os representantes dos trabalhadores, o Governo espanhol aprovou em Conselho de Ministros na última semana um diploma que prevê a redução da semana de trabalho das atuais 40 horas para 37,5 horas, medida que impactará cerca de 13 milhões de trabalhadores.
A ministra do Trabalho espanhola, Yolanda Díaz, considerou num “dia histórico” e lembrou que há mais de quatro décadas que a semana de trabalho não era alterada. Esta redução, explicou a governante, não é somente uma mudança económica ou laboral. É uma medida para modernizar o país, argumentou.
A diminuição da semana de trabalho está, portanto, preparada e seguirá agora para o Parlamento, sendo que, neste momento, ainda não estão garantidos os apoios necessários para que saia efetivamente do papel. Mesmo que o Governo consiga garantir o apoio, segundo a Bloomberg, as 37,5 horas só deverão chegar ao terreno no arranque do próximo ano.
Já em Portugal, o Código do Trabalho dita, no seu artigo 203.º, que o período normal de trabalho não pode exceder as oito horas por dia e quarenta horas por semana no setor privado. Em contraste, na Administração Pública, pratica-se a semana de trabalho de 35 horas.
Esta diferença já levou os partidos da esquerda a apresentarem várias vezes no Parlamento propostas de redução da semana de trabalho para 35 horas no setor privado, mas todas foram reprovadas.
Apesar dos chumbos, do lado dos sindicatos, a reivindicação mantém-se: é hora de encolher a carga horária semanal de trabalho. “A fixação das 35 horas como limite máximo da duração da semana de trabalho para todos os trabalhadores é uma reivindicação da CGTP. Com os desenvolvimentos da técnica e da tecnologia, nada justifica que se adie a redução do tempo de trabalho sem quaisquer perdas de retribuição“, sublinha Tiago Oliveira, secretário-geral da CGTP, em declarações ao ECO.
Com os desenvolvimentos da técnica e da tecnologia, nada justifica que se adie a redução do tempo de trabalho sem quaisquer perdas de retribuição.
No mesmo sentido, Sérgio Monte, secretário-geral adjunto da UGT, frisa, em conversa com o ECO, que é preciso reduzir o horário de trabalho para se conseguir a tão defendida conciliação da vida pessoal e profissional. O sindicalista afirma que essa diminuição poderia ser feita pela negociação coletiva, mas, não se conseguindo, terá de ser ditada pela lei.
Por outro lado, ouvidas pelo ECO, todas as confederações patronais com assento na comissão permanente da Concertação Social rejeitam qualquer alteração global (isto é, por lei) à semana de trabalho do setor privado.
“Consideramos que o impacto da redução do horário semanal seria muito negativo“, salienta João Vieira Lopes. O presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) realça que redução dos horários “obrigaria à necessidade de contratar novos trabalhadores“, agravando os custos das empresas. Pior, neste momento, escasseia a mão-de-obra, o que tornaria esse recrutamento difícil, salienta o responsável.
Na agricultura, fonte oficial da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) defende que este setor “não pode nem deve avançar com uma redução da semana de trabalho ao nível do Código do Trabalho“, identificando também a “falta crónica de mão-de-obra” e o aumento dos custos como travões a essa eventual medida.
As razões determinantes para não se avançar relacionam-se com a falta crónica de mão-de-obra no setor e aumento de custos.
Na mesma linha, o diretor-geral da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), Rafael Rocha, alerta para o aumento dos custos unitários das empresas e para a redução potencial produtividade economia.
E no setor turístico fonte oficial da Confederação do Turismo de Portugal (CTP), salienta que, “de forma administrativa ou por imperativo legal”, Portugal não deve seguir o exemplo espanhol. “Nos últimos anos, o capítulo da gestão e organização dos tempos de trabalho tem sido sucessivamente limitado e restringido pelo legislador no que diz respeito à capacidade de gestão desta matéria entre os atores sociais e entre as empresas e os seus trabalhadores”, frisa ainda a mesma fonte.
Questionado pelo ECO sobre este tema da redução da semana de trabalho, o Ministério do Trabalho disse não ter comentários a fazer.
Negociação coletiva já faz emagrecer horários semanais
Ainda que a regra dite uma semana de trabalho máxima de 40 horas no setor privado português, há exceções por via da negociação coletiva.
Aliás, todos os anos, o Centro de Relações Laborais elabora um relatório relativo à contratação coletiva e o tempo de trabalho é, regra geral, um dos temas analisados, uma vez que essa é uma das matérias que mais atenção gera nesse âmbito (a par dos salários).
O relatório publicado no último ano, que é relativo a 2023, indica que a definição da duração máxima do período normal de trabalho diário ou semanal consta “habitualmente do clausulado das primeiras convenções (95% em 2023) e das revisões globais publicadas (98% nesse mesmo ano)”.
A maioria das convenções (65%) fica-se pelo que está previsto na lei, isto é, as 40 horas semanais. Mas há uma fatia (28%) que determina uma duração semanal inferior.
Por exemplo, em empresas públicas, como a NAV Portugal, a carga horária semanal máxima é de 35 horas. E no setor dos seguros, em instituições privadas de solidariedade social e na imprensa essa é também a semana de trabalho que foi acordada entre as partes. Além disso, há convenções que preveem uma duração máxima de 37,5 horas, nomeadamente a da empresa de infraestruturas Infraquinta.
Cerca de 28% das convenções determinam uma duração semanal inferior a 40 horas para todos os trabalhadores. Neste contexto, a duração máxima mais frequentemente definida para o período normal de trabalho semanal corresponde a 35 horas.
Perante estes dados, Sérgio Monte, da UGT, salienta que os sindicatos têm reivindicado e conseguido nalguns setores a redução da semana de trabalho, havendo até empresas onde há diferentes horários para diferentes funções, conta. “Mas há resistências várias por parte do patronato”, confessa.
Na visão deste sindicalista, o argumento de que não é possível reduzir a carga horária por causa dos níveis de produtividade não colhe, uma vez que há todo um outro conjunto de fatores a considerar, como “as tecnologias, os modelos de gestão e a cultura empresarial“.
Já na visão de Tiago Oliveira, da CGTP, o facto de se ir conseguindo diminuir a semana de trabalho em negociação coletiva “releva que é possível uma redução do tempo de trabalho e que desta resultam ganhos para os trabalhadores, mas também significam avanços civilizacionais e novas oportunidades de dinamização da atividade económica”.
Os exemplos de empresas que praticam semanas de trabalho abaixo das 40 horas (por negociação coletiva) mostram apenas que existem empresas e setores específicos em que esta opção é possível e viável. Não é o caso de muitas outras empresas ou setores.
Em resposta, as confederações empresariais sublinham que, se há setores onde essa redução é possível (como mostra a negociação coletiva), esse não é o caso noutros, daí a recusa a uma diminuição global da semana de trabalho.
“Os exemplos de empresas que praticam semanas de trabalho abaixo das 40 horas (por negociação coletiva) mostram apenas que existem empresas e setores específicos em que esta opção é possível e viável, sendo a situação avaliada e acordada pelas associações e empresas e as organizações sindicais na contratação coletiva, a sede natural para realizar ajustamentos específicos à realidade dos setores e das empresas. Não é o caso de muitas outras empresas ou setores“, assinala Rafael Rocha, da CIP.
Em concordância, João Vieira Lopes, da CCP, frisa que o que a contratação coletiva demonstra “é que nos setores ou nas áreas onde é possível reduzir o horário de trabalho semanal as empresas fizeram esse ajustamento há muitos anos“. Mesmo no comércio há exemplos de horários reduzidos, aponta. Neste caso, para profissionais de escritório e profissionais de tecnologias de informação, design e comunicação e outras funções análogas.
Da agricultura — setor coberto na íntegra pela negociação coletiva, segundo a CAP –, chega a mesma mensagem: a redução da carga horária é possível nuns casos, noutros não. E a CTP atira, em declarações ao ECO, que, “quando um determinado setor ou uma determinada empresa pratica um número menor de horas de trabalho semanal é porque entendeu, de acordo com a sua realidade empresarial e laboral, assim o fazer“. “Não deve ser o Estado, o Governo, a imiscuir-se nesta matéria“, assevera a confederação presidida por Francisco Calheiros.
Menos horas de trabalho, mais produtividade?
De acordo com os dados do Eurostat, os trabalhadores europeus trabalharam, em média, 36,1 horas semanais em 2023, havendo variações importantes entre os Estados-membros. Por exemplo, na Grécia, a média ficou pouco abaixo das 40 horas por semana, em Portugal rondou as 38 horas, mas nos Países Baixos ultrapassou em pouco as 32 horas semanais.
Além dos Países Baixos, os demais países que se destacam por terem as cargas horárias semanais de trabalho mais baixas são a Áustria (33,6 horas) e a Alemanha (34,0 horas). Ora, esses são os países onde os trabalhadores cumprem, em média, menos horas por semana, mas estão (também segundo o Eurostat) entre os mais produtivos do Velho Continente.
“De facto, os países com menos horas de trabalho por semana são precisamente os mais produtivos, mas isso mostra apenas que só ganhos relativos de produtividade permitem a redução do tempo de trabalho sem perda de competitividade. Não é este, ainda, o caso de Portugal”, reage Rafael Rocha, da CIP.
“A solução para alcançar ganhos de produtividade não será, obviamente, a redução do tempo de trabalho, mas a melhoria da qualificação da população portuguesa e a criação de um ambiente regulatório favorável ao desenvolvimento das empresas e da produtividade, o que passa, também, pela redução da carga fiscal e parafiscal que recai sobe o tecido produtivo, bem como pela redução dos custos de contexto, que consomem tempo e recursos que poderiam ser aplicados em atividades mais produtivas”, continua o responsável.
Parece-me difícil Portugal seguir esse caminho [espanhol]. Em termos políticos, o Governo já expressou sua perspetiva negativa, por exemplo, quanto à semana de quatro dias.
Também questionado sobre o aparente “paradoxo” entre a produtividade e a semana de trabalho, o economista Pedro Martins, professor na Universidade Nova de Lisboa, esclarece: “mais produtividade significa melhores condições de trabalho”. Ou seja, em economias mais produtivas, os trabalhadores conseguem refletir esses ganhos em aumentos salariais e na redução das horas de trabalho, observa,
De resto, na visão deste especialista, “é difícil” Portugal seguir o exemplo espanhol da redução da semana de trabalho. Por um lado, diz, a expressão de empresas que, em negociação coletiva, acordaram cargas inferiores a 40 horas ainda é baixa deste lado da fronteira, o que não suporta uma generalização das 37,5 horas.
Por outro, “em termos políticos”, o Governo já deixou clara a sua “perspetiva negativa”, por exemplo, em relação à semana de trabalho de quatro dias, sublinha Pedro Martins.
Uma oportunidade para Portugal?
Espanha vai cortar a semana de trabalho, sem diminuir os salários, encarecendo o custo do trabalho. Será esta uma oportunidade para Portugal ganhar competitividade no cenário europeu? As respostas recolhidas pelo ECO vão no sentido negativo.
“Para abrirmos essa porta, teríamos de nos equiparar a Espanha em relação a muitos outros fatores“, salienta a Confederação do Turismo de Portugal. “Antecipamos que a redução da semana de trabalho em Espanha irá prejudicar a sua competitividade, mas não será certamente a eventual deterioração da situação económica de Espanha que irá beneficiar Portugal, bem pelo contrário”, enfatiza Rafael Rocha, da Confederação Empresarial de Portugal.
João Vieira Lopes, da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal, deixa um recado na mesma veia: “a capacidade de um país para atrair investimento e o reforço da competitividade das empresas que trabalham em Portugal faz-se por múltiplos fatores, como o sistema fiscal, o funcionamento da justiça, a burocracia existente, entre outros aspetos“. Ou seja, mesmo com esta mudança, sem outras mudanças, Portugal não conseguirá melhorar a sua competitividade, remata.
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