Há pelo menos 10 benefícios fiscais dirigidos às empresas de “utilidade” questionável
Há incentivos em IRC, IS ou IUC atribuídos a menos de sete entidades. Economista do Conselho das Finanças Públicas defende que o "legislador deve questionar-se sobre a pertinência" destas "exceções".
Há pelo menos 10 benefícios fiscais dirigidos a empresas em sede de IRC, Imposto de Selo (IS), ISV ou IUC, de utilidade duvidosa, segundo um estudo realizado por Francisco Ruano, economista do Conselho das Finanças Públicas (CFP), e divulgado esta terça-feira. O perito analisou os incentivos atribuídos aos sujeitos passivos de IRC, entre 2020 e 2023, e detetou casos em que menos de sete entidades usufruíram de um desconto no imposto a pagar e em que a despesa fiscal foi residual, de mil euros.
“Os benefícios fiscais com menor utilização encontram-se dispersos pelos diferentes impostos, existindo múltiplas situações em que estes benefícios foram utilizados por um número diminuto de entidades. Também os seus valores, que muitas vezes são meramente residuais, devem levar o legislador a questionar-se sobre a utilidade e pertinência da continuação de algumas destas exceções existentes nos diversos códigos tributários em vigor”, defende o autor.
O economista sinaliza que “a existência de benefícios fiscais pressupõe a prossecução de objetivos extrafiscais considerados socioeconomicamente relevantes pelo legislador”. Por isso, sugere “a necessidade de reflexão quanto à utilidade da manutenção de certos benefícios fiscais, com o propósito de aumentar a eficiência e reduzir a complexidade do sistema fiscal português”.
“Nessa medida, e porque a utilização” de incentivos “implica um impacto negativo no montante de receita fiscal arrecadado (despesa fiscal), procedeu-se à análise da sua distribuição em sede dos diversos impostos suportados pelos sujeitos passivos de IRC no período compreendido entre 2020 e 2023″, justifica.
O tema tem estado no centro das atenções da reforma fiscal que este Governo quer levar a cabo. Até final de junho, a nova Unidade Técnica de Avaliação Tributária e Aduaneira (U-Tax) do Fisco tem de entregar ao Ministério das Finanças um relatório sobre a avaliação dos benefícios e respetivas recomendações.
De lembrar ainda que, em 2019, já tinha sido publicado um relatório do grupo do trabalho dos Benefícios Fiscais, criado na Assembleia da República. Dos 540 benefícios fiscais identificados, os peritos concluíram que não havia uma utilidade efetiva para quase um quarto (23% ou 127) dos incentivos.
O estudo do economista do CFP, agora publicado, vem reforçar a premência na revisão dos benefícios fiscais que são atribuídos em Portugal às empresas. Remontando a 2023, último ano para o qual a Autoridade Tributária (AT) disponibiliza dados, o autor verificou que “dos 10 benefícios fiscais com menor nível de utilização, dois foram utilizados por uma única entidade”.
Em causa estão isenções em Imposto de Selo em “garantias inerentes a operações de entidade gestora de mercados regulamentados ou sancionada no exercício de poder legal” e em todos os atos ou contratos necessários à realização do projeto de investimento. Para além disso, refere o economista, “o montante associado à sua utilização” rondou apenas os mil euros.
Dos restantes oito benefícios, atribuídos em 2023, “nenhum excedeu os 2.800 euros de utilização, nem foi usado por mais de sete entidades”, sublinha. De salientar que “os dados analisados têm por base a informação publicada anualmente pela AT na área dos benefícios fiscais”, indica o economista.
Francisco Ruano ressalva ainda que, “nos ficheiros divulgados anualmente” pelo Fisco, “constam os benefícios para os quais foram apurados valores, sendo adotado o critério de apenas serem consideradas as entidades que, relativamente a cada imposto, utilizaram benefícios de valor global superior a mil euros”. Ou seja, montantes inferiores não são contabilizados pelo Fisco para efeitos estatísticos.
![](https://ecoonline.s3.amazonaws.com/uploads/2025/02/beneficios-fiscais-com-menor-nivel-de-utilizacao-2023.png)
Da análise aos incentivos atribuídos em 2022 com menor nível de utilização, o autor destaca, “pela sua reduzida dimensão, os benefícios fiscais contratuais ao investimento produtivo em sede de IS (6,55 euros), o benefício relativo aos lucros colocados à disposição e rendimento de juros obtidos por sócios ou acionistas de sociedades licenciadas na Zona Franca da Madeira (91,03 euros), o concedido a veículos fabricados antes de 1970 (95,26 euros), bem como o atribuído a automóveis ligeiros de passageiros que se apresentem equipados com motores híbridos (247,29 euros)”.
“Dos 10 benefícios ficais com menor nível de utilização, nenhum deles foi usado por mais de duas entidades”, conclui.
Em 2021, dos 10 incentivos com menor utilização, “sete foram usados apenas por uma entidade, sobressaindo, pelo seu reduzido montante, os benefícios fiscais contratuais ao investimento produtivo em sede de IS (1,08 euros), ‘outras deduções à coleta’ em sede de
IRC (29,84 euros), o benefício atribuído ao emparcelamento rural de prédios confinantes em sede de IS (280 euros), o benefício relativo aos lucros colocados à disposição e rendimento de juros obtidos por sócios ou acionistas de sociedades licenciadas na Zona Franca da Madeira (349,71 euros) e, ainda, o benefício relacionado com o programa Polis em sede de IS (356,36 euros)”, lê-se no mesmo relatório.
Recuando a 2020, o autor destaca que das 10 medidas menos usadas, sete beneficiaram apenas uma empresa, como, por exemplo, “a majoração das despesa com sistemas de car-sharing e bike-sharing (25,2 euros) em sede de IRC, o benefício relativo às instituições da Segurança Social em sede de IS (129 euros) e o relativo ao Parque Nacional Peneda-Gerês, em sede de IMT (503 euros)”.
“Assinale-se ainda a despesa fiscal de 188 euros relativa à majoração das despesas com certificação biológica de exploração em sede de IRC, utilizada por cinco entidades”, de acordo com o estudo.
A análise restringe-se “ao período compreendido entre 2020 e 2023 por uma questão de comparabilidade dos dados, uma vez que, de acordo com a AT, existiu uma reclassificação dos desagravamentos fiscais em desagravamentos estruturais e benefícios fiscais, fazendo com que os dados diretamente comparáveis com os mais recentes se iniciem apenas no ano de 2020″, esclarece o autor.
Entre 2020 e 2023, “a despesa fiscal relativa aos benefícios fiscais utilizados pelos sujeitos passivos de IRC, em sede dos diversos impostos, cresceu em termos absolutos”, passando de 2.288 milhões para 3.139 milhões de euros, indica o relatório.
No entanto, “o seu peso no produto nominal e em percentagem da receita total dos impostos analisados (ISV, IEC, IRC, IMT, IS, IUC, IVA e IMI) registou uma relativa manutenção ao longo deste período, situando-se próximo de 1% do PIB e de 7% do total da receita agregada destes impostos”, de acordo com o documento.
![](https://ecoonline.s3.amazonaws.com/uploads/2025/02/evolucao-da-despesa-fiscal.png)
Francisco Ruano verificou que, entre 2020 e 2023, “os benefícios fiscais utilizados se concentraram maioritariamente nos setores do comércio por grosso/retalho e reparação de veículos automóveis/motociclos, nas indústrias transformadoras e nas atividades imobiliárias”.
As empresas sediadas nos distritos de Lisboa, Porto, Braga, Aveiro e Funchal foram as que mais beneficiaram do alívio fiscal. Por volume de negócios, os incentivos foram atribuídos sobretudo a microempresas e a grandes entidades, com volume de negócios acima dos 250 milhões de euros e em “em entidades com resultados líquidos positivos nos anos considerados”.
“Verificou-se, ainda, que os benefícios fiscais mais relevantes para estas entidades apresentavam, maioritariamente, objetivos extrafiscais de natureza económica e se concentravam, primordialmente, no IRC, dentro do qual se destacou a utilização do Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE) e o Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI)“, sublinha o autor.
“Em termos individuais, constatou-se que, das 10 principais entidades beneficiárias, a maioria pertence ao setor automóvel, em resultado da matrícula de veículos beneficiários de regime tributário especial no mercado nacional”, segundo o relatório.
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