Cidades inteligentes descolam do “facilitismo” do carro rumo à sustentabilidade
Vários especialistas participaram na conferência Cidade do Futuro, em Viana do Castelo, onde defenderam a importância de fazer um redesenho da mobilidade rumo a um modelo mais eficiente e sustentável.
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Promover um redesenho das cidades, com menos carros, mais transportes públicos e uma estratégia de mobilidade apoiada num sistema de transportes multimodal, que promova meios mais sustentáveis. É esta a visão defendida para o futuro das cidades pelos especialistas que participaram na conferência Cidade do Futuro, em Viana do Castelo, e que veem nos transportes públicos a “âncora” para esta transformação.
“Os autocarros não podem andar cheios. Um autocarro vazio cria valor, porque as pessoas têm uma hipótese de lá andar”, ilustrou Álvaro Oliveira Costa, professor da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) no evento organizado pelo ECO em colaboração com a Câmara Municipal de Viana do Castelo. Apontando roturas “gravíssimas” na rede de transportes públicos, o especialista lembrou que “a mobilidade tem um impacto brutal na economia” e alertou que os territórios têm de ter uma estratégia. E é preciso começar pelo início: “Não estão a pensar na coisa mais básica. Não há oferta“, atira. “Não me importa como as coisas são organizadas, quero ter oferta“.
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Também José António Baptista da Costa, CEO da Sextante Motriz, avisou que a questão da mobilidade é fundamental. “Uma cidade não é só um espaço social e económico. A integração da cidade é essencial”. E destacou ainda a importância que esta ligação tem com a economia: “Digam-me qual é o negócio da cidade”.
Quanto ao modelo, o especialista, que já foi administrador da Metro do Porto, defende um sistema multimodal, destacando que hoje “fala-se cada vez mais em transportes coletivos” e num cenário em que algumas câmaras passaram a ser autoridade de transportes. Num mundo em que o autocarro elétrico “mudou tudo”, há, contudo, que admitir que “o carro não vai ser eliminado das cidades”. Mas há a “necessidade de fazer o redesenho das cidades, com menos carros nas cidades”.
“Se as cidades estão a crescer como se dá resposta a isto?”, questiona José António Baptista da Costa. Para o especialista, não há uma resposta única, mas um conjunto de soluções, onde há mais transportes públicos, mais condições para usar bicicletas — “sem que os ciclistas sejam atropelados” — ou passeios confortáveis para andar. “O redesenho das cidades leva a tirar espaço ao automóvel, aumentar o transporte público — o transporte público é sempre a âncora”.
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“O desenho das cidades começa a descolar desse facilitismo do uso do carro”, concorda Hélder Rodrigues, Coordenador na Direção de Sustentabilidade e Mobilidade na ADENE (Agência para a Energia). O responsável nota que “vemos a vontade de tornar as cidades mais cicláveis, amigas da mobilidade leve, mas sabemos que cada vez mais andamos mais de carro”. E esta é uma mudança que vai levar o seu tempo. “Vamos demorar a ver os resultados. Vamos precisar de manter estas políticas para conseguir ver os resultados na prática”, antecipa, reforçando que “têm sido tomadas medidas de incentivo à procura dos transportes públicos, mas os resultados ainda estão por ser vistos”.
Adelino Ribeiro, do Instituto de Cidades e Vilas com Mobilidade, partilha a mesma opinião: “se não houver planeamento no território é esquecer o resto, quem não tem mobilidade não tem liberdade nenhuma”. Quanto à estratégia, realça que, enquanto antes as vias eram pensadas para os carros, hoje a prioridade são as pessoas. Deu o exemplo de Pontevedra, em Espanha, uma cidade que “é das pessoas e pensada para as pessoas”. “Para viver os territórios temos de ter esta mobilidade”, remata.
Neste novo desenho das cidades, as empresas de transportes públicos surgem como um dos atores principais na mudança. Nuno Lago de Carvalho, CCO na CaetanoBus, realça os avanços que estão a ser conquistados ao nível da tecnologia, referindo que o surgimento do primeiro autocarro elétrico foi um “momento de transformação”. Mas, mesmo nos elétricos, já existem diferenças, apontando o hidrogénio como mais um passo dado rumo a acelerar a descarbonização.
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“Para cidades do futuro, a combinação de tecnologia é fundamental. O hidrogénio é uma pequena fábrica de produção de eletricidade a bordo do veículo”, explica o CCO na CaetanoBus, que já conclui os testes do primeiro MetroBus a hidrogénio para o Metro do Porto. Quanto ao chamado sistema BRT — que está a ser explorado também na zona de Coimbra, entre outras –, “traz a vantagem, relativamente ao metro convencional, sem toda a infraestrutura na cidade”, permitindo “garantir uma operação rápida, dentro das condições de cidade”.
Mas o metrobus é apenas uma das peças do tabuleiro da mobilidade. “As cidades devem olhar à integração de soluções numa perspetiva integrada. É preciso ir do do ponto A a B, garantindo que apanha autocarro, depois um metrobus, depois a bicicleta e chega a casa”, completou.
Nuno Lago de Carvalho recordou que desde 2020 a CaetanoBus não produz autocarros sem ser com zero emissões, uma aposta que tem sido suportada pelos apoios financeiros à descarbonização. “E tem de ser. A tecnologia tem que ser apoiada [com fundos], para que depois os privados comecem a ser auxiliados”, defende.
Governo reforça verbas
O Executivo português também está empenhado em investir na mobilidade, em linha com a estratégia europeia. “É imperioso ter uma visão comum para uma mobilidade comum”, defendeu Cristina Pinto Dias, Secretária de Estado da Mobilidade, numa mensagem de vídeo emitida na conferência organizada pelo ECO, que decorreu esta quinta-feira, dia 20 de fevereiro.
Com vista a promover uma mobilidade inclusiva, “que não deixa ninguém de fora”, o Governo reforçou em mais de 223 milhões as verbas para a mobilidade, aumentando o cheque que vai investir para 833 milhões. Ou seja, um aumento de 37%, conforme quantificou a secretária de Estado.
“Estamos a trabalhar para eliminar a pobreza de mobilidade”, destacou Cristina Pinto Dias, referindo que o Governo está a “melhorar a qualidade do transporte público, garantindo que é cada vez mais descarbonizado“. Quanto a Viana do Castelo, a secretária de Estado fez saber que “vão chegar ao município 17 autocarros 100% elétricos“.
Sustentabilidade económica
A mobilidade é um dos elementos centrais dos planos de sustentabilidade, mas Hermano Rodrigues, Principal da EY-Parthenon, lembra que “este conceito de sustentabilidade deve ser visto de forma ampla”. “A sustentabilidade assenta num conjunto de pilares que são muito relevantes, desde logo a sustentabilidade económica“, alerta.
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“Uma cidade só é sustentável se tiver capacidade para crescer. Se gerar qualidade de vida, nível de bem-estar para as suas pessoas” e a “componente de ciência e tecnologia é um vetor fundamental”, realça Hermano Rodrigues, apontando ainda à importação do talento e da “capacidade para o atrair”.
O mesmo especialista refere ainda a vertente ambiental, na qual a tecnologia é cada vez mais importante. Tópicos como a “gestão da água, dos resíduos, da iluminação pública, às energias verdes, e depois também as vertentes mais ligadas à mobilidade, são muito importantes”.
E quando o tema é o futuro das cidades, Pedro Diez Gaspar, Future Business Technology Director no CEiiA, é perentório: “O futuro são as pessoas. Colocamos a pessoa no centro do que estamos a desenhar”. “Não há uma bala de prata, tem de ser um conjunto de ações”.
Com a sua plataforma AYR, o centro de engenharia CEiiA pretende ajudar a acelerar a descarbonização. A plataforma de sustentabilidade funciona com uma recompensa para pessoas e comunidades por não emitirem CO2. “Vamos incentivar as pessoas a mudar mobilidade e depois vamos medir“, explica. É um sistema que “funciona como ferramenta de política local“, conclui.
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