Portugal é uma exceção mundial com as ações a perderem para as obrigações do Tesouro há 20 anos

Contra a tendência global, Portugal viu as obrigações do Tesouro superarem as ações nas últimas duas décadas em mais do dobro, expressando com isso o baixo apelo do mercado acionista português.

Nos últimos 125 anos, as ações têm consistentemente superado todos os outros ativos financeiros, apresentando uma rendibilidade real anualizada de 5,2% desde 1900 face a um desempenho de apenas 1,7% das obrigações e 0,5% dos títulos de dívida de curto prazo.

Esta é uma das principais conclusões do “Global Investment Returns Yearbook 2025”, um estudo abrangente que analisa o desempenho de vários ativos financeiros desde 1900 em 90 mercados mundiais, incluindo Portugal.

O estudo, elaborado pelos académicos Elroy Dimson, Paul Marsh e Mike Staunton em parceria com o UBS, demonstra de forma inequívoca a superioridade das ações como veículo de investimento a longo prazo. “A longo prazo, o desempenho superior das ações tem sido notável. As ações superaram as obrigações, os títulos e a inflação em todos os países”, refere o relatório.

Para ilustrar este fenómeno, os investigadores apontam que um investimento inicial de 1 dólar em ações americanas em 1900 teria crescido para 107.409 dólares em termos nominais até ao final de 2024. Em contraste, o mesmo investimento em obrigações ou títulos do Tesouro norte-americano teria crescido para apenas 268 e 67 dólares, respetivamente, enquanto o índice de inflação teria atingido 37 dólares.

Mesmo reduzido o período de análise para as últimas duas décadas, a conclusão é ainda mais marcante, com as ações a contabilizarem uma rendibilidade real anualizada de 5,2% entre 2005 e 2024, face uma performance de 1,1% das obrigações e de -1% dos títulos de dívida de curto prazo.

Ao contrário da maioria dos países, nos últimos 125 anos, os investidores consideraram que Portugal tinha mais risco em pagar a sua dívida de curto prazo do que a dívida de longo prazo (obrigações do Tesouro).

Esta realidade é igualmente marcante considerando individualmente o mercado nacional. Tal como no resto do mundo, também em Portugal investir em dívida pública numa perspetiva de longo prazo não é um bom investimento. Nos últimos 125 anos, as obrigações do Tesouro português registaram uma rendibilidade real média de -1,7% e os Bilhetes do Tesouro perderam, em média, 1,1% por ano, face a ganhos reais de 3,5% das ações.

Estes números revelam ainda que, ao contrário da maioria dos países, nos últimos 125 anos, os investidores consideraram que Portugal tinha mais risco em pagar a sua dívida de curto prazo do que a dívida de longo prazo (obrigações do Tesouro). Num ambiente saudável das finanças públicas, a relação seria exatamente a oposta.

Algo que já é visível quando se encurta o período de análise para os últimos 20 anos, com a rendibilidade das obrigações do Tesouro a alcançar uma yield real anualizada de 3%, superando assim não apenas a rendibilidade real de -0,8% dos títulos de dívida de curto prazo como também os ganhos reais de apenas 1,3% das ações.

Esta superação das obrigações do Tesouro face às ações é também ela uma exceção no contexto mundial (em que as ações renderam anualmente 5,2% e a obrigações 1,1%) como também no contexto europeu (em que as ações ganharam 2,7% por ano e as obrigações perderam 1%), que espelha a pouca atratividade do mercado acionista português.

O paradoxo do desempenho das ações

Apesar de os autores do estudo destacarem que, coletivamente, as ações são a classe de ativos com melhor desempenho no longo prazo, a maioria das ações tem um desempenho fraco. De acordo com os dados recolhidos entre 1990 e 2020, 52% das ações tiveram rendibilidades negativas, 57% tiveram um desempenho inferior aos títulos de dívida pública de curto prazo dos EUA e 71% ficaram abaixo do desempenho do índice de referência.

Segundo o relatório, “a geração de riqueza está extremamente concentrada numa minoria das ações com os melhores desempenhos”, o que significa que “os investidores devem ter uma carteira bem diversificada, a menos que tenham talento para escolher ações”.

Face a estes dados, o estudo sublinha a importância crucial da diversificação nas carteiras de investimento. “A diversificação tem ajudado a gerir a volatilidade. Embora a globalização tenha aumentado a extensão em que os mercados se movem em conjunto, os potenciais benefícios de redução de risco da diversificação internacional continuam a ser grandes”, destaca o relatório.

O market timming pode ser dispendioso se perder os melhores meses, e até para os investidores profissionais é uma estratégia extremamente difícil de seguir.

Paul Marsh

Um dos três autores do estudo Global Investment Returns Yearbook 2025

Para os investidores de mercados desenvolvidos, os mercados emergentes continuam a oferecer melhores perspetivas de diversificação do que outros mercados desenvolvidos. O estudo menciona ainda que a diversificação entre classes de ativos também tem sido eficaz na redução do risco.

Além disso, Paul Marsh, na apresentação do estudo esta manhã, destaca a importância de os investidores terem o cuidado de contabilizarem as expectativas no mercado quando tomam as suas decisões de investimento, notando que “quando existe um elevado consenso no mercado, os investidores devem questionar se essa perspetiva não está já descontada no mercado”.

Essa ideia pode explicar o facto de este ano as ações europeias apresentarem um desempenho bem superior ao desempenho as ações dos EUA, quando todos os outlooks para 2025 das principais casas de investimento apontavam os EUA tendo maior potencial que o mercado europeu.

Paul Marsh destaca também o risco de procurar seguir uma estratégia de “market timming“, marcada por entradas e saídas constantes do mercado por parte dos investidores, na expectativa de serem capazes de maximizar o seu investimento. “O market timming pode ser dispendioso se perder os melhores meses, e até para os investidores profissionais é uma estratégia extremamente difícil de seguir”, destaca o especialista, recordando que “os grandes ganhos não estão na compra nem na venda [das ações], mas na espera”, citando uma famosa frase de Charlie Munger, histórico parceiro de negócios de Warren Buffett.

Os autores destacam assim que a estratégia de tentar bater o mercado recorrendo à compra e venda constante de ações pode ser bastante cara se perder os melhores dias do mercado (algo qeu os autores consideram altamente provável de acontecer) e “é preciso ser uma pessoa muito inteligente” para alcançar bons resultados a longo prazo com esta estratégia.

Mercados em transformação constante

O estudo destaca também como os mercados se transformaram dramaticamente desde 1900. Das empresas norte-americanas cotadas em 1900, cerca de 80% do seu valor estava em indústrias que hoje são pequenas ou extintas, sendo que o número para o Reino Unido é de 65%.

“Adicionalmente, uma elevada proporção das empresas cotadas hoje vem de indústrias que eram pequenas ou não existiam em 1900”, referem os autores do estudo, destacando que, nos EUA, essa porção é de 63% e no Reino Unido é de 44%.

Um fator particularmente relevante é o nível de concentração dos mercados atuais. O estudo revela que “a concentração é uma questão crescente. Apesar de um mercado global de ações relativamente equilibrado em 1900, os EUA agora representam 64% da capitalização mundial, em grande parte devido ao desempenho superior das principais ações tecnológicas”.

A lição fundamental destes 125 anos de história de investimento é que as ações, quando combinadas com uma estratégia de diversificação adequada, continuam a ser a melhor opção para quem procura construir riqueza no longo prazo.

Esta concentração no mercado americano encontra-se no nível mais elevado dos últimos 92 anos, constituindo um risco potencial para os investidores, destacam os autores do estudo. As dez maiores empresas a nível mundial representam atualmente cerca de 25% do valor global das ações.

Na apresentação do estudo esta manhã, Paul Marsh sublinhou que, atualmente, “um fundo cotado (mais conhecido por ETF) que replique o mercado mundial apresenta uma exposição de dois terços da sua carteira aos EUA”, enquanto um ETF que replique o mercado de ações de mercados desenvolvidos terá cerca de três quartos do seu portefólio exposto ao mercado norte-americano.

Apenas 10 ações representam agora 24% da capitalização mundial

Elroy Dimson, Paul Marsh e Mike Staunton analisaram também a relação entre a inflação e o desempenho dos ativos, concluindo que “a inflação é uma consideração importante nos retornos de longo prazo”, notando que “os retornos dos ativos têm sido mais baixos durante períodos de taxas de juro em alta e mais elevados durante ciclos de flexibilização” e que “os retornos reais também têm sido mais baixos durante períodos de inflação elevada e mais altos durante períodos de inflação mais baixa”.

Entre os ativos que podem servir como proteção contra a inflação, os autores do estudo “Global Investment Returns Yearbook 2025” apontam o ouro e as matérias-primas destacam-se. “Desde 1972, as alterações no preço do ouro têm tido uma correlação positiva de 0,34 com a inflação”.

A lição fundamental destes 125 anos de história de investimento é que as ações, quando combinadas com uma estratégia de diversificação adequada, continuam a ser a melhor opção para quem procura construir riqueza no longo prazo. Como escreveu Harry Markowitz, criador da teoria moderna da gestão de carteiras com base no princípio da diversificação que lhe deu o Nobel da Economia em 1990, a diversificação é verdadeiramente “o único almoço grátis no investimento”.

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