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Montenegro “dá audiência” a cartaz do Chega, dizem especialistas em comunicação. É a melhor estratégia?

Carla Borges Ferreira,

Montenegro tentou, por via judicial, retirar um cartaz do Chega que o compara a Sócrates. Entre o direito ao bom nome e a estratégia de comunicação, o que dizem os especialistas?

Cartaz Chega, março 2025

O Chega e o seu líder não têm limites. Não se confunda liberdade de expressão com ofensas e calúnias gratuitas.” Luís Montenegro justifica assim, no X, a providência cautelar que interpôs contra o Chega, para retirar os cartazes nos quais o ainda primeiro-ministro surge lado a lado com José Sócrates como rosto de “50 anos de corrupção”.

A providência cautelar foi apresentada no dia 14 e a juíza recusou que a ação fosse decidida sem contraditório, como pretendia o autor, e notificou o partido no dia 20 .“A providência cautelar entrou no passado dia 14. Sem notícias, deixamos para o tribunal a sua discussão e decisão. Hoje veio a público porque o Chega foi notificado e logo quis condicionar a justiça“, acusa Montenegro na rede social de Elon Musk.

O certo é que esta segunda-feira a ação foi conhecida e o caso tornou-se notícia, com o cartaz, e ação no sentido de o eliminar, a ganharem escala.

As pessoas decentes olham para o cartaz e equacionam o tamanho do problema. Uma coisa é o problema de Sócrates, outra o de Montenegro.

Manuel Soares de Oliveira

Mosca

O outdoor é claramente excessivo, de muito baixo nível“, aponta Manuel Soares de Oliveira, diretor-geral da agência Mosca. E “é falso. A maioria das pessoas olha para aquilo e acha que não faz sentido“, prossegue o responsável da agência que trabalha a comunicação da Iniciativa Liberal, sobre o teor da comunicação.

Mas, para Manuel Soares de Oliveira, o cartaz pode até ser favorável a Luís Montenegro. “As pessoas decentes olham para o cartaz e equacionam o tamanho do problema. Uma coisa é o problema de Sócrates, outra o de Montenegro“. Em suma, é um “desserviço do Chega a si próprio“.

Há, no entanto, uma ressalva. A maioria das pessoas achará que não é desprovido de sentido comparar Luís Montenegro com José Sócrates, mas “para o público do Chega é uma maravilha. Gostam de ver o circo a arder“, aponta.

É a linha de comunicação internacional que visa desacreditar o pseudo sistema e afirmar a via política defendida pelo Chega. É a cartilha do Trump.

João Tocha

F5C

Tendo o primeiro-ministro “direito à imagem”, a providência cautelar é vista pelo criativo como “estar a dar audiência ao problema“.

A opinião é partilhada por João Tocha. “No plano da defesa da imagem e da honra, a providência cautelar ou qualquer outra ação faz todo o sentido”, começa por referir o CEO da First Five Consulting (F5C). Já no plano da comunicação política, prossegue, “a pergunta é se isto não vai aumentar a audiência e conhecimento deste cartaz”.

Quanto ao conteúdo em si, Tocha descreve-o como fazendo parte “da linha de comunicação internacional que visa desacreditar o pseudo sistema e afirmar a via política defendida pelo Chega”. “É uma estratégia, é a cartilha do Trump”, concretiza.

Já Edson Athayde recorda que a liberdade de expressão, embora fundamental, não é um direito absoluto e encontra limites no respeito pelos direitos de terceiros, nomeadamente a honra, o bom nome e a reputação. “Luís Montenegro apresentou a ação não apenas como figura pública, mas também como cidadão, pai e marido, o que sublinha a ideia de que o ataque não se limita à esfera política, mas toca também a sua esfera pessoal e reputacional“, defende o CEO e diretor criativo da FCB Lisboa. “Em democracia, não se deve retirar a ninguém o direito de se indignar e recorrer aos tribunais. Negar isso seria, paradoxalmente, um atentado à liberdade que se invoca”, resume.

Quanto à forma e conteúdo, o criativo considera que o cartaz entra claramente na tradição da contra propaganda política, que sempre vive de exageros, simplificações e provocações. Não é, à partida, muito diferente de outros cartazes já usados em campanhas em Portugal, inclusive pelo próprio PSD ou outras forças políticas, em que se associaram adversários a figuras polémicas ou se caricaturaram intenções e comportamentos”, aponta.

O debate político torna-se cada vez mais tóxico, recorrendo a insultos visuais e associações violentas, o que enfraquece o espaço democrático saudável. Se não houver um travão institucional ou jurídico, este tipo de comunicação corre o risco de se banalizar ainda mais.

Edson Athayde

FCB Lisboa

No entanto, prossegue, “o cartaz pode não ser inédito em termos de forma, mas é especialmente agressivo na personalização e na associação direta entre Montenegro e corrupção, sem qualquer base judicial para tal, o que o torna potencialmente excessivo”, caracteriza o publicitário. “Dizer que ‘não há problema porque sempre se fez assim’ é, em si, uma forma de normalizar a degradação do discurso público”, diz o publicitário.

O caso mais parecido com este, recorda Edson Athayde, foi o dos cartazes dirigidos a António Costa, em que surgia com nariz de porco e lápis espetados nos olhos, durante o Dia de Portugal no Peso da Régua, em 2023. Na altura, o então primeiro-ministro classificou esses cartazes como “um pouco racistas”, mas optou por não avançar com qualquer ação judicial, compara. “Esses episódios, tal como o atual, mostram uma tendência preocupante de degradação do discurso público. O debate político torna-se cada vez mais tóxico, recorrendo a insultos visuais e associações violentas, o que enfraquece o espaço democrático saudável. Se não houver um travão institucional ou jurídico, este tipo de comunicação corre o risco de se banalizar ainda mais”, conclui.

Quanto a efeitos práticos da decisão de Luís Montenegro na comunicação do Chega, Manuel Soares de Oliveira deixa o alerta. “Está a abrir o flanco para que tire o cartaz e ponha outro a dar seguimento. Imagine se o Chega tivesse um criativo inteligente… ‘fomos censurados, não nos deixam escrever os nomes dos corruptos'”, dá como exemplo.

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