Sem comprador, TikTok tem uma semana de vida nos EUA. Rede social é “joguete” na guerra comercial

Prazo para comprar posição aos chineses da ByteDance acaba no próximo sábado. Trump propôs desconto nas tarifas sobre as importações chinesas em troca da venda da rede social, mas Pequim recusou.

O TikTok está a ser utilizado como arma de arremesso na guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo, a uma semana de terminar o prazo para a venda da rede social: 5 de abril de 2025. Donald Trump propôs esta semana um desconto nas tarifas sobre as importações chinesas caso a China desse o braço a torcer no acordo relacionado com a rede social de vídeos, o que Pequim depressa rejeitou.

O processo arrasta-se há meses e tem apenas uma proposta de compra concreta em cima da mesa, que poderá não ser suficiente para mudar o futuro – e suspensão – da tecnológica nos Estados Unidos, onde tem 170 milhões de utilizadores.

Nuno Mateus Coelho, especialista em cibersegurança, considera que os Estados Unidos estão a “manietar” a China através da tecnologia. “Temos aqui duas visões antagónicas. Os Estados Unidos precisam de fazer uma espécie de mostra interna de que estão decididos a seguir a política America First, mas já perceberam que tecnologicamente a China chegou ao ponto de não retorno”, começa por explicar o professor académico de Segurança Informática, em declarações ao ECO.

“Nesta altura do campeonato, a China atingiu uma evolução que a América ou tenta a todo o custo impedir ou já perdeu o comboio, o que obriga os Estados Unidos a terem uma política extremamente dura com a China sem ser belicista. Por sua vez, a China já percebeu que os Estados Unidos estão a tentar dividi-la da Rússia, portanto também não vai ceder no TikTok”, diz Nuno Mateus Coelho, acrescentando que o país asiático está “assustadoramente” à frente nos microprocessadores, computadores, softwares, câmaras de videovigilância, baterias ou automóveis e não vai vender o TikTok de “mão beijada”. “O TikTok é o elo mais fraco, o joguete no meio da guerra tática entre duas potências”, conclui.

"O TikTok é o elo mais fraco, o joguete no meio da guerra tática entre duas potências”

Nuno Mateus Coelho

Professor de Segurança Informática

Na lista de interessados em ficar com a posição da chinesa ByteDance surgiram nomes como Microsoft (que em 2020 tentou comprar o TikTok, mas as conversas fracassaram) ou a Oracle (embora Donald Trump não tenha confirmado), contudo só a startup de inteligência artificial (IA) Perplexity AI apresentou uma oferta formal na semana passada.

A Perplexity AI pretende fundir-se com o TikTok e implementar várias mudanças, nomeadamente: reconstruir o algoritmo a partir de informação vinda de data centers dos EUA controlados por norte-americanos, tornar o sistema de recomendação “transparente” e de código aberto (open source) e construir a infraestrutura de IA com chips Nvidia Dynamo.

Ou seja, americanizar a app. “A Perplexity está singularmente posicionada para reconstruir o algoritmo do TikTok sem criar um monopólio, combinando capacidades técnicas de classe mundial com a independência de Little Tech [das pequenas tecnológicas]”, justificou a empresa com sede em São Francisco.

O presidente dos EUA chegou a informar que estava a negociar com “quatro grupos diferentes”, era favorável a uma “guerra de propostas” e que “muita gente queria” o TikTok, mas… “It’s up to me”, como quem diz “eu é que decido” quem ficará com a rede social, porque é a segurança do país que está em causa.

O advogado Mário João Fernandes acredita que a venda “forçada” do TikTok vai beneficiar a quota de mercado das restantes tecnológicas com base nos EUA, além de levantar questões jurídicas “complexas” quanto à restrição do direito de propriedade (para proteger interesses de segurança nacional) e liberdade de expressão. “Como alega, sem sucesso, a empresa perante o Supremo Tribunal“, diz, referindo-se aos argumentos da ByteDance de que a legislação que proíbe o TikTok nos EUA é inconstitucional porque viola a liberdade de expressão.

“Do ponto de vista regulatório, e depois de realizada a venda, há que acautelar eventuais problemas de concentração excessiva (concorrência) e, eventualmente, de conflito de interesses, caso se verifique alguma intervenção por parte de membros da nova Administração Trump num procedimento em que possam ter interesse”, explicou o consultor da Abreu Advogados.

"Do ponto de vista regulatório, e depois de realizada a venda, há que acautelar eventuais problemas de concentração excessiva”

Mário João Fernandes

Consultor da Abreu Advogados

 

Para o vice-presidente da Junitec – Júnior Empresas do Instituto Superior Técnico de Lisboa, Vicente Megre, “a transição suave das operações ocidentais do TikTok para um consórcio de empresas ocidentais seria o desfecho mais positivo”. “No entanto, apesar de a interrupção abrupta do funcionamento do TikTok não servir a ninguém, poderá mesmo ser inevitável”, antecipa.

Na opinião de Vicente Megre, os europeus devem estar atentos a este tema, pois não pertence a “uma realidade distante”, como se viu com a polémica nas eleições romenas. Mais: “A verdadeira questão para os europeus prende-se agora com o facto de devermos ou não estar confortáveis caso as operações ocidentais do TikTok passem para mãos americanas. E todas as outras redes sociais de ADN americano”, adverte.

TikTok, a crónica de um regresso anunciado

Manter a rede social TikTok operacional nos Estados Unidos foi uma das primeiras medidas de Trump assim que tomou posse. E, mesmo na véspera da chegada à Casa Branca, quando a aplicação ficou inacessível mais de 12 horas para os utilizadores norte-americanos, o presidente norte-americano escreveu na Tuth Social “salvem o TikTok”, mostrando-se preparado para agir e reverter a suspensão que antes caracterizou como “expectável”.

O comentário aconteceu logo após a decisão do Supremo Tribunal de ‘chumbar’ o recurso do TikTok e manter a lei que o proibia nos Estados Unidos a partir de 19 de janeiro, caso a empresa não fosse vendida pela casa-mãe, a chinesa ByteDance. Na véspera do bloqueio, multiplicaram-se as mensagens de despedida dos criadores de conteúdo locais e o TikTok esteve mesmo com os ‘dois pés de fora’ da maior economia do mundo, mas uma conversa frutífera com Xi Jinping mudou o desfecho desta história.

“Acabei de falar com o presidente da China, Xi Jinping. A chamada foi muito boa tanto para a China como para os EUA. Espero que resolvamos muitos problemas em conjunto, e começando imediatamente. Discutimos o equilíbrio entre comércio, fentanil, TikTok e muitos outros assuntos. O presidente Xi e eu faremos todo o possível para tornar o mundo mais pacífico e seguro”, garantiu Trump, poucos antes de o Tik Tok sofrer manobras de reanimação.

Trump foi mais além e deu detalhes sobre o que espera desse potencial negócio: que os Estados Unidos tivessem uma posição acionista de 50% na sociedade conjunta (joint venture) que, idealmente, seria criada para a transação. Porquê? Para o “manter em boas mãos” e assegurar que se mantém online. Bastaram então pouco mais de 24 horas para que rubricasse uma ordem executiva que atrasa a aplicação da lei e dá mais tempo para fechar essa venda: 5 de abril de 2025.

"Marketing com PME mostra que ByteDance não quer ceder nesta venda, assim como não quis no prazo inicial.”

Vicente Megre

Vice-presidente da Junitec

“Se esta foi ou não uma boa decisão, só os próximos dias poderão responder, mediante a capacidade de Trump em efetivamente fazer este negócio acontecer. No momento em que escrevo [28 de março], nada parece favorável. Nos últimos meses, o TikTok tem investido fortemente em campanhas de marketing que exibem testemunhos de donos de pequenas e médias empresas, explicando o quão importante o TikTok tem sido para os seus negócios. Isso reforça a posição da empresa de não querer aceder a esta venda, assim como não quis no prazo inicial”, assinala o porta-voz da Junitec.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Sem comprador, TikTok tem uma semana de vida nos EUA. Rede social é “joguete” na guerra comercial

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião