CEO das seguradoras portuguesas alertam para aumento de custos

Repartir a explosão de custos com sinistros é inevitável segundo os CEO das maiores seguradoras portuguesas. Inovação tecnológica e digitalização devem absorver impactos oferecendo eficiência.

Os principais dirigentes das maiores seguradoras alertaram para o aumento acentuado das despesas das seguradoras com sinistros nos próximos anos durante a conferência “A Inovação e a Transformação nas Seguradoras em Portugal” realizado na Católica-Lisbon, na última quinta-feira. Rogério Campos Henriques, CEO da Fidelidade, Luís Menezes, CEO do Grupo Ageas Portugal, Pedro Carvalho, CEO da Generali Tranquilidade e Teresa Brantuas, CEO da Allianz Portugal, debateram as tendências emergentes, os desafios e as oportunidades do setor num contexto de digitalização acelerada, com a moderação de Nuno Castro, partner da NTT Data e especialista em seguros, e Paulo Bracons, diretor do Programa “Inovação e Transformação em Seguros” da Católica-Lisbon.

A CEO Teresa Brantuas, esteve no debate com Rogério Campos Henriques, Pedro Carvalho e Luís Menezes, num evento realizado na Católica-Lisbon com a moderação de Paulo Bracons e Nuno Castro.

Com perguntas repartidas pelos oradores, foram tratados diversos temas, nomeadamente, alterações climáticas, alterações demográficas causadas pelo envelhecimento populacional – a que a Fidelidade chama longevidade – prevenção de riscos, literacia financeira, lacunas de proteção (protection gaps) e os efeitos da digitalização numa maior eficiência de processos.

“Não estamos a ver a avalanche de custos de saúde que vem aí”

Rogério Campos Henriques foi autocrítico, enquanto parte do setor segurador, em relação à falta de eficácia da indústria em conseguir convencer as pessoas a aumentar a sua proteção por seguros. Também alertou para a subida de custos e para a exigência de tornar esses custos comportáveis para a sociedade.

Declarações em destaque:

  • “As tecnologias existem para nos ajudar a cumprir as missões de negócios, eu gosto de pôr as coisas já nesse patamar, por isso não quero reduzir isto a transformação digital, é uma coisa muito mais abrangente do que isso”.
  • “Temos (nos seguros) mais desafios na sustentabilidade do que outros negócios, mesmo quando olhamos para o tema climático temos uma coisa que chamamos de matriz da dupla materialidade querendo dizer que as seguradoras podem influir no que vai acontecer e também são vítimas porque, quando as coisas correm mal, nós pagamos a conta”.
  • “Não há nada que nos preocupe mais do que a sustentabilidade do ponto de vista climático, portanto, nós decidimos endereçar e levá-lo muito a sério internamente temos uma série de medidas que passam muito naturalmente por reduzir a nossa pegada mas passam também e sobretudo por fazer com que os nossos clientes e a sociedade como um todo faça este caminho de ter uma conduta ambientalmente mais responsável”.
  • “Nós somos responsabilizados pelas emissões dos seguros que vendemos, as dos clientes que compram os nossos seguros e também dos investimentos que fazemos”.
  • “Já toda a gente percebeu que conseguimos viver mais anos, nós dominamos a ciência de viver mais anos, mas não dominamos a arte de viver esses anos com qualidade e de uma forma saudável”.
  • “Temos que atuar do nosso ponto de vista em três eixos diferentes. Em primeiro lugar, do lado da saúde sobretudo promovendo uma vida saudável que vai garantir que estes anos que temos pela frente sejam anos mais saudáveis. Em segundo, podemos ter um papel muitíssimo relevante na assistência às pessoas ao longo do seu ciclo de vida, mas sobretudo a partir de uma certa idade, e depois, em terceiro, naturalmente do lado da poupança. Temos que garantir que, ao vivermos mais anos, temos a sustentabilidade financeira para podermos viver esses anos com serenidade, e já agora para suportar o adicional dos custos com saúde que temos pela frente, que é absolutamente gigantesco”.
  • “As nossas ferramentas digitais Fidelidade Drive e Multicare Vitality são apenas dois exemplos em como a tecnologia é um auxiliar para aquilo que nós queremos fazer, não só na transformação do negócio, mas também na transformação dos hábitos e dos comportamentos que temos como sociedade”.
  • “Nós na indústria seguradora, temos um enorme desafio pela frente porque ainda não conseguimos criar soluções que sejam atrativas que tenham um preço razoável nas quais as pessoas confiem em nós”.
  • “O problema é gravíssimo, mas nós ainda não conseguimos de facto sensibilizar o suficiente, não conseguimos aumentar a literacia dos nossos clientes o suficiente para eles perceberem que têm que aumentar significativamente os níveis de proteção nas várias dimensões. Quando falamos de longevidade estamos a falar da saúde, estamos a falar da poupança, estamos a falar em última análise de soluções de assistência que vamos todos ter de pensar”
  • “Na Fidelidade temos andado, como todos os outros, a ter uma série de iniciativas, mas coletivamente não conseguimos encontrar ainda um mecanismo que nos permita ter uma visão integrada e ter soluções que sejam escaláveis. Tudo é muito interessante, mas quando estivermos a falar de longevidade não interessa ter uma solução que não consegue escalar”.
  • Fazemos umas inovações que são ‘giríssimas’ e que fazem tique lá na escala das inovações, só têm sentido se conseguirmos criar a escala suficiente para ter um efeito significativo na sociedade portuguesa para colmatar o gap que temos, por exemplo, nas soluções públicas”.
  • “Acho que nós não estamos todos a ver a avalanche de custos de saúde que vem aí. Estamos a dizer que os custos com os seguros estão a subir, mas isto vai piorar. O desafio não está em discutir se os custos com saúde vão aumentar. Eles vão aumentar. O nosso desafio é em sermos capazes de ter soluções, tecnologia, mudar os hábitos das pessoas, para que nós, enquanto sociedade, consigamos suportar o que aí vem”.
  • “Há dez anos não tínhamos os contactos dos nossos clientes. Quem estava na indústria sabe que não tínhamoa a maior parte dos contactos dos clientes. Portanto, isto quer dizer que fizemos uma evolução enorme, colossal, nos últimos dez anos, de transformação do negócio, de transformação digital, e claramente, de nos aproximarmos dos nossos clientes”.

“Não nos sabemos vender bem! As pessoas nem sabem que somos veículos de poupança personalizados”

Luís Menezes, recém-chegado ao setor enquanto CEO do Grupo Ageas, reconheceu a necessidade de repensar todos os sistemas tecnológicos de forma a produzir resultados mais confiáveis. Voltou a criticar os prestadores na área da saúde e a necessidade de maior controlo dos custos pelas seguradoras.

  • “No Grupo Ageas em termos de Dados e de Gen AI, estamos literalmente a querer fazer uma refundação de tudo dentro da companhia, porque a companhia tem muitos dados, mas o problema foi a forma como apanhámos dados dentro da companhia não foi aquele que conduz a termos uma single source of truth (fonte confiável)”.
  • “Todas empresas que têm muito legacy (herança ou dívida tecnológica) para trás, não começámos ‘ontem’ todos a programar e a desenhar com o que existe atualmente. Por isso, uns têm maiores problemas para trás, outros têm menos, nós temos um desafio digital grande pela frente”.
  • “No que diz respeito ao tema da prevenção, eu tenho uma visão muito clara, não sei se é popular ou não, mas também não me interessa muito. Estou a pensar nos meus clientes e estou a pensar no resto dos meus stakeholders: Não há nenhum controle, nem da forma como o dinheiro é gasto, mas pior que isso, tocando no tema da prevenção, não há dentro dos prestadores a vontade de querer montar sistemas verdadeiros de prevenção, porque isso no fim do dia vai reduzir as vendas no final do ano. Porque vai”.
  • “Nós acreditamos que a prevenção é muito importante por dois temas. Em primeiro lugar, no caso da saúde é fácil de ver, estamos a contribuir para a saúde de cada indivíduo. Do ponto de vista do risco, diminuímos o risco de cada indivíduo e por isso o risco total mutualizado diminui, mas alguém tem que pagar o preço, neste caso são os prestadores de saúde”.
  • Os aumentos de preço têm sido muito grandes para os segurados e por isso nós já estamos a trabalhar nessa área. Queremos ir mais para o centro da prestação e isso passa por ter centros de saúde próprios numa fase, vai passar por ter centros de diagnóstico numa segunda fase e, numa última fase, o tema de ter hospitais é inultrapassável. É onde está a pressão sobre os custos e vai obrigar as seguradoras a ter uma atitude e uma gestão muito mais proativa.
  • “Não é solução andarmos a fazer produtos para o prémio A, B, C ou D, mas depois não ganham escala e ao fim de um ou dois anos já não têm sequer razão de existir. Não faz sentido nenhum”.
  • “Não nos sabemos vender bem. A maior parte das pessoas, e eu incluído, até entrar nesta aventura (da gestão seguradora), não fazia a mínima ideia e não via o setor segurador enquanto veículo de poupança. As ordens profissionais veem, porque há uma ligação muito próxima de várias das seguradoras, nós também, mas a maior parte das pessoas nem sabe que somos veículos de poupança personalizados”.
  • “O setor tem que saber cooperar em algumas áreas, porque é um setor altamente concorrencial. Nós trabalhamos na rua, no trabalho de rua, no street fighting, os canais de distribuição e as seguradoras são muito aguerridos, altamente competitivos. O setor é financeiramente interessante, é comercialmente desafiante, é operacionalmente um dos setores que vai ter maiores transformações com a introdução de novas tecnologias, mas o tema da literacia financeira é um desafio que eu deixo”.
  • “Temos que começar todos também a olhar para os quase 1.000 relatórios que fazemos por ano (referindo-se às obrigações de reporte à ASF – autoridade de supervisão). Acho que devemos fazer todos os relatórios necessários, mas quem é que os lê? Quem é que analisa aquilo que temos centenas de pessoas a produzir? Eu digo isto por uma questão de respeito às nossas equipas. Quem vê os milhares de relatórios que produzimos?”
  • Na Europa queremos regular tudo. No tema da tecnologia ainda não temos empresas no continente europeu com dimensão para fazer face às americanas na área da inteligência artificial generativa, mas já temos a primeira grande peça regulatória mundial de inteligência artificial. Tivemos todos que tirar a cabeça do nosso dia a dia e dos nossos clientes e preocupar-nos com este relatório em particular, que sendo relevante, nesta fase devia estar muito mais uma lógica de autorregulação”.
  • Este setor cinzento, descrito há 15 anos, não é o setor segurador que temos hoje. Basta ver a faixa etária média das pessoas, andar pelos escritórios de empresas e ver a quantidade de pessoas novas, não só pessoas novas de idade, é pessoas também de outros setores a virem para dentro do setor de seguros”.

“Iliteracia? As pessoas quando deixam de ter o crédito da habitação, deixam de ter o seguro”

Pedro Carvalho louvou a tecnologia por permitir melhorias na deteção e avaliação de riscos, lembrou a falta de consciência política e reserva financeira convincente para responder a fenómenos climáticos extremos, como um fundo para catástrofes como sismos. Lamentou ainda a falta de literacia financeira que leva, por exemplo, as pessoas a terminar o seu seguro de vida quando acaba a prestação do seu crédito imobiliário.

  • “A tecnologia vai ajudar porque ajuda a identificar os riscos de uma forma mais precisa e mais quantificada. Vai certamente identificar riscos que hoje não os conseguimos identificar e não os conseguimos, desde logo, nem sequer avaliar. Vai também permitir atuar muito mais na prevenção. A prevenção que podemos fazer através da tecnologia em relação a fenómenos ambientais é enorme”.
  • “Tipicamente as maiores vítimas de eventos extremos são as pessoas com menores recursos e as empresas com pior planeamento, menor dimensão, pior escala”.
  • “A tecnologia vai permitir, finalmente, convencer os políticos e os portugueses da necessidade imperiosa de nos protegermos contra catástrofes e fenómenos de grande dimensão. O Haiti, sempre que há um tremor de terra ou um problema, vai de mão estendida aos Estados Unidos, recebe alguma ajuda, mas a coisa não faz sentido. E nós? O que vamos fazer? Vamos de mão estendida à União Europeia para ir para ajudar a reconstruir cinco pontes? Vai demorar muitas décadas para recuperar um fenómeno desses”.
  • “Por exemplo, as pessoas quando deixam de ter o crédito da habitação, deixam de ter o seguro. Portanto, a falta de literacia financeira e de conhecimento e de perspetiva sobre as necessidades financeiras e de proteção que as próprias pessoas têm sobre elas, é enorme. Temos uma cultura errada, que vem já há muitos anos, não é exclusivo deste regime, de que o Estado existe para proteger, com o Serviço Nacional de Saúde, a Segurança Social, e todos estes mecanismos a terem de estar prontos, têm essa obrigação”.
  • Ainda estamos em processo de integração (da Generali com a Liberty) e eu, sinceramente, subestimei a complexidade desta integração, que é diferente de outras. Desde logo, a grande diferença é cultural. Não é melhor nem pior… é diferente”.

“Há 15 anos ninguém pensaria que uma empresa de seguros fosse um lugar atrativo para trabalhar. Hoje é”

Teresa Brantuas acredita na eficiência acrescida pelo uso de teconologia. Afirma que a Allianz virou estratégia e até linguagem a favor do cliente. Considera que parte do aumento de custos dos seguros tem de ser muito absorvido por ganhos de eficiência interna das seguradoras.

  • “Vamos pôr o cliente no centro da nossa estratégia e acreditar que a experiência do cliente vai limitar e condicionar o nosso crescimento. Nós fizemos essa cambalhota e, no ano passado, o grupo Allianz disse que não vamos delinear uma estratégia com linguagem de seguros, vamos delinear uma estratégia que seja linguagem dos próprios clientes”.
  • A estratégia muito simples, porque as coisas não têm que ser muito complicadas. É como conseguimos proteger os nossos clientes, ou dito pelos clientes, como é que nós vamos estar protegidos e também como vamos planear a nossa reforma”.
  • “A tecnologia é um facilitador, não conseguimos de maneira nenhuma melhorar a qualidade de serviço, a nossa produtividade e a nossa performance se não investirmos em tecnologia e em transformação digital”.
  • “O cliente não sabe qual é a oferta que uma seguradora tem. Há múltiplas ofertas das seguradoras que os clientes não têm presentes na sua cabeça. Claro que temos os nossos intermediários, mas também temos sistemas que podem ajudar e auxiliar os nossos intermediários para que os clientes consigam perceber qual é que é a melhor solução para as necessidades e para as expectativas deles”.
  • “Há 30 anos ou há 15 anos nunca pensaria que realmente uma empresa seguradora, uma empresa de seguros fosse um lugar atrativo para as pessoas trabalharem, como são hoje”.
  • “Já estamos muito próximos dos clientes, com a transformação digital com as novas tecnologias estamo-nos a aproximar deles, estamos a ir ao encontro das necessidades e das expectativas deles muito melhor do que fazíamos aqui há uns anos atrás”.
  • Temos que ter uma estrutura ágil, temos que ter uma estrutura que seja o mais magra possível, o mais eficiente possível, temos que diminuir níveis hierárquicos, temos que ter muita atenção aos talentos das pessoas e alocá-las porque queremos equipas motivadas, e temos que ir à busca da tecnologia para aumentar essa produtividade”.
  • “Temos que mudar estruturas dentro das nossas empresas, mudar estruturas de custo, aumentar a produtividade, melhorar a performance, para que tenhamos capital para reinvestir nos nossos recursos, em tecnologia, nas nossas marcas”.
  • “Temos que reinventar a nossa estrutura também, de forma a que parte dos custos se reflitam nos prémios dos nossos clientes, mas outra parte que é obrigação nossa, à custa de uma melhor performance e de uma maior produtividade, conseguirmos amortizar e amortecer custos dentro das nossas estruturas”.

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