Fábricas paradas, encomendas atrasadas e um apagão na “reputação”

Quebra na eletricidade às 11h33 forçou indústria a parar a produção e muitas fábricas admitem já atrasos nas entregas. Apagão nas Finanças está a impedir emissão de guias de transporte.

Um prejuízo muito maior é a reputação da empresa. Temos clientes que estavam à espera de encomendas no final do mês e agora vamos atrasar oito dias”, atira José Alexandre Oliveira, presidente da histórica têxtil Riopele, numa reação à quebra de eletricidade que deixou Portugal e as fábricas às escuras por 12h, esta segunda-feira. Uma paragem que, no caso da empresa de Vila Nova de Famalicão, se vai transformar num atraso de 24h, devido à reposição das máquinas. Numa semana mais curta, devido ao feriado do Dia do Trabalhador, empresas admitem atrasos nas entregas, sem contabilizar, para já, a dimensão dos prejuízos financeiros. Além dos problemas causados pela quebra de energia, o “apagão” do site das Finanças está a impedir a emissão de guias de transporte.

Para a maioria das fábricas, a falha geral que atingiu o país esta segunda-feira traduziu-se num período de 12h com as máquinas paradas, ao qual é preciso acrescer outras 12h para retomar a produção plena. Uma paragem que implica perdas económicas e reputacionais para as empresas, que têm que gerir com os clientes as entregas que estavam programas e que agora vão derrapar.

Tenho vergonha que o nosso país passe esta imagem (…) Dão-me garantia que no futuro isto não vai voltar a acontecer? Esse é o grande problema.

José Alexandre Oliveira

Presidente da Riopele

Tenho vergonha que o nosso país passe esta imagem“, lamenta José Alexandre Oliveira, questionando como é possível o país não ter testes de prevenção para acautelar uma situação destas. “Mete-me medo que não haja uma solução ao fim de duas ou três horas”, critica o empresário. “Dão me garantia que no futuro isto não vai voltar a acontecer? Esse é o grande problema“, acrescenta.

Tal como a Riopele, outras empresas do setor têxtil e do vestuário foram forçadas a parar. “Às 14h as fábricas decidiram suspender a produção e mandar as pessoas para casa. Não havendo luz, nada funcionava”, adiantou César Araújo ao ECO. O CEO da Calvelex e presidente da ANIVEC admite que “prejuízos há sempre”, mas neste momento “é impossível quantificar o impacto nas vendas”, que estão fragilizadas pela retração no consumo, explica.

O mesmo aconteceu no setor do mobiliário e do calçado, com a maioria dos industriais a dispensarem os seus funcionários da parte da tarde, perante a ausência de respostas sobre a reposição da energia, as quebras nas comunicações — que deixaram famílias sem possibilidade de contactar — e, posteriormente, os cortes de água.

“Grande parte das empresas [do setor do calçado] durante a tarde encerrou a produção”, adiantou Paulo Gonçalves. Para o porta-voz da APICCAPS – Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos, “a questão agora é saber se nas próximas semanas [os associados] vão recuperar as horas perdidas do dia de ontem [segunda-feira]”. De acordo com o mesmo responsável, algumas empresas dispõem de geradores e painéis fotovoltaicos, “o que permitiu conter uma parte do corte, mas não havia condições para um dia de trabalho”. “A partir de determinada altura os problemas foram em catadupa”, reconhece, acrescentando que, neste momento, o setor está muito próximo da normalidade. “O essencial dos problemas está resolvido”.

Uma das empresas do setor que foi obrigada a “desligar” as máquinas foi a Indústrias de Comércio de Calçado (ICC), que detém as marcas Lavoro e No Risk. Segundo explicou Teófilo Leite, presidente do conselho de administração da empresa, a produção “parou por completo” na unidade de Guimarães, que tem neste momento em curso “um investimento de cinco milhões de euros, que inclui, não só a reabilitação de edifícios, mas também a inclusão de sistemas autossuficientes de energia”. Já a fábrica da Póvoa de Lanhoso, que tem sistemas de geração de energia, continuou em atividade.

“O colapso do sistema elétrico, por ausência de backup ou sistemas redundantes, não é admissível nos dias de hoje. Para além disso, falhou a informação atempada, via rádio, que permitisse melhores decisões às empresas”, critica Teófilo Leite, que diz que a empresa registou uma quebra de produção na ordem dos dois mil pares. “Não há consequências na satisfação de encomendas, uma vez que a empresa detém, em contínuo, um stock de 100 mil pares”, avalia o industrial da empresa de Guimarães, que emprega 284 pessoas e fatura 22 milhões de euros.

Sem geradores, a All Around Shoes, que detém a Mariano Shoes, com uma fábrica em Oliveira de Azeméis com capacidade para produzir 600 mil pares de sapatos por ano, ficou sem operar depois do apagão, mantendo as pessoas dentro das instalações para perceber se era um corte de energia normal. “À medida que começamos a ter alguma informação de que era um corte geral e que iria demorar, decidimos mandar as pessoas para casa, para aguardar serenamente pelo desenrolar” da situação, explica Fátima Oliveira, diretora executiva da All Around Shoes.

A responsável refere que a empresa ainda está a quantificar o prejuízo causado pela paragem de “mais de meio dia de trabalho”. No entanto, “a paragem não vai atrasar as entregas”: “É uma paragem que conseguimos colmatar com algumas horas extras, se assim for necessário, para não impactar os nossos clientes e os nossos consumidores finais”, assevera.

Grandes exportadoras não escapam

A Continental Mabor, a quarta maior exportadora nacional, foi outra das empresas afetadas pela falha ibérica desta segunda-feira. “A fábrica ontem esteve em laboração de manhã e, quando ocorreu o corte, a produção parou. Por isso, a fábrica de pneus Continental de Lousado também foi afetada pela queda de energia generalizada”, explica Pedro Carreira, CEO da Continental Mabor. “Por volta da meia-noite, conseguimos arrancar com a fábrica”, refere. Quanto a prejuízos, o responsável destaca que a empresa de pneus teve “uma paragem de produção equivalente a cerca de 16 horas. Estamos ainda a avaliar” o impacto.

“Estamos em contacto direto com nossos parceiros de logística, fornecedores e clientes sobre este assunto”, explica Pedro Carreira, mostrando-se confiante que a fábrica vai conseguir cumprir os seus compromissos com os clientes, com os pneus que tem em armazém.

Parámos a produção quando houve o corte de energia e estivemos sem produção durante esse corte. Os colaboradores estavam a postos para regressar ao trabalho, pois coincidiu com o início do turno da noite.

Fonte oficial da Stellantis

A fábrica da Stellantis em Mangualde também parou. “Parámos a produção quando houve o corte de energia e estivemos sem produção durante esse corte. Os colaboradores estavam a postos para regressar ao trabalho, pois coincidiu com o início do turno da noite“, aponta fonte da empresa ao ECO, sublinhando ainda que “a produção foi retomada com normalidade durante a noite e assim se mantém até agora”.

Com fábricas em Braga, Aveiro e Ovar, a Bosch, que fatura mais de 2.000 milhões e emprega mais de 7.000 em Portugal e que ocupa a 5.ª posição na lista das maiores exportadoras nacionais, também interrompeu as atividades esta segunda-feira, mas já retomou a produção.

Criada em 1920, a Adico, a mais antiga fábrica de mobiliário metálico de Portugal e uma das mais antigas da Europa, foi outra das empresas que foi forçada a interromper a produção na segunda-feira de manhã, quando caiu a energia. “Às 11h33, com o apagão, ainda foi possível manter alguma atividade no escritório, durante alguns minutos, graças ao suporte nas UPS locais. Na produção, a paragem foi total”, admite o administrador Miguel Carvalho.

“Até às 12h30, procedeu-se à reorganização das equipas para a realização de todos os trabalhos manuais possíveis e, às 14h30, cerca de 50% do pessoal foi dispensado, com o pré-aviso de que, caso a energia não fosse restabelecida, não precisariam de se deslocar à fábrica”, esclarece ainda. Além da falta de luz, a empresa enfrentou também “limitações a nível logístico, devido à impossibilidade de comunicar as guias de transporte à Autoridade Tributária“.

“É muito difícil quantificar as perdas, mas é certo que existiram”, lamenta. “Num mês com três feriados, e numa semana com um feriado a meio, a perda de um dia de trabalho condicionou toda a programação semanal”, reconhece Miguel Carvalho, adiantando que “seguramente” haverá atrasos nas entregas, os quais, aliás, já se estão a verificar.

Vítor Hugo Gonçalves é o CEO da Sociedade da Água Monchique.

Vítor Hugo Gonçalves, CEO da Água Monchique, também sofreu os mesmos constrangimentos. “Estivemos totalmente parados e sem possibilidade de realizar entregas de produto. Tivemos sistema apenas enquanto os backups estiveram ativos, mas, naturalmente, não suportam 12 horas de carga contínua“, afirmou. O gestor destaca ainda que “além de um dia de produção perdido, o reinício de uma fábrica demora cerca de 12 horas até atingir a velocidade de cruzeiro. Estivemos ainda impossibilitados de realizar entregas desde as 12h de ontem até ao final do dia, uma vez que os entrepostos de receção dos nossos clientes também tiveram de encerrar”.

Com a empresa a trabalhar “afincadamente para repor todas as encomendas pendentes”, o líder da empresa de águas diz que “existirão, naturalmente, alguns atrasos”. “Até porque os sistemas do Estado — nomeadamente os da Autoridade Tributária — continuam inoperacionais 12 horas após a reposição da energia, o que impossibilita a emissão de guias de transporte e prejudica seriamente a retoma da atividade“. Depois de uma corrida aos supermercados, que esgotou em muitos pontos de venda o stock de água, a companhia garante que vai “cumprir as entregas, pois é fundamental repor os stocks e evitar a falta de produtos no mercado para os nossos consumidores“.

Também na Barbot, a produção parou às 11h33, hora do “apagão”. “As fábricas não funcionaram desde as 11h33, mas hoje [terça-feira] já funciona tudo normalmente”, diz Carlos Barbot, CEO da Barbot, que emprega 300 pessoas pelo mundo e tem 24 lojas em Portugal. Segundo o líder da empresa, “esta paragem significa uma quebra de faturação de 300 mil euros, nas diversas empresas. É um prejuízo que não é grande e vamos recuperar, não acho que tenha sido dramático”. “As entregas estão atrasadas um dia, mas não é nada dramático”, sustenta.

Francisco Correia, administrador da Ancor, diz que a empresa também teve que parar a produção. “Não é que não tivéssemos meios autónomos para continuar a produzir, porque temos um gerador com capacidade para alimentar a fábrica durante um turno (8 horas), mas como não não havia informação no momento de qual seria a duração da indisponibilidade elétrica, decidimos não usar a reserva estratégica do gerador para podermos, em alguma altura mais crítica da operação, poder ter essa capacidade ainda disponível”, explica o administrador da maior fabricante portuguesa de artigos de papelaria, que emprega 140 pessoas, atua em 36 países e fatura 15 milhões de euros.

Não prevejo grandes ineficiências geradas por esta paragem, a não ser os custos inerentes à própria paragem que ainda estão por contabilizar.

Francisco Correia

Administrador da Ancor

Quanto aos prejuízos, Francisco Correia diz que ainda não fez os cálculos exatos, mas “aquilo que deixamos de produzir é um dia em 250 dias úteis que o ano tem. Essa produção está definitivamente perdida e não é possível recuperar”, calcula, acrescentando que a empresa tem “máquinas que trabalham 24 horas por dia e só se trabalhássemos ao fim de semana, o que não é muito fácil de articular com os trabalhadores”.

“A paragem poderá ter ligeiros atrasos momentâneos, porque temos compromissos para hoje [terça-feira] e para amanhã [quarta-feira] que não vamos poder cumprir, desde logo porque não conseguimos fazer as cargas ontem. No entanto, temos uma situação controlada e vai ser reposta com normalidade”, quantifica. “Não prevejo grandes ineficiências geradas por esta paragem, a não ser os custos inerentes à própria paragem que ainda estão por contabilizar.”

A Ramirez, que também foi obrigada a interromper a produção de conservas devido ao apagão, decidiu ativar o plano de contingência para assegurar a manutenção da temperatura das câmaras de armazenamento de matérias-primas, quando a administração percebeu que a crise energética iria durar várias horas. “Objetivo que foi bem-sucedido, uma vez que os armazéns de congelados se mantiveram permanentemente a temperaturas inferiores a -18º graus“, conta ao ECO Manuel Ramirez, presidente do conselho de administração da empresa fundada em 1853.

O presidente da empresa, que emprega 220 colaboradores e fatura 34 milhões de euros, esclarece que a “quebra de energia teve impacto direto sobretudo na quebra de produção e em perdas de alguns materiais”.

No entanto, os clientes não vão sentir o impacto dessa quebra, uma vez que a Ramirez tem desde há largos anos um stock médio estratégico de cinco milhões de latas. “Mesmo que não exista produção durante dois a três meses, conseguimos responder ao mercado“, refere o líder da empresa que exporta conservas desde o século XIX.

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