Exclusivo TAP SGPS entra em incumprimento na dívida à Azul
Assembleia geral deliberou a existência de um incumprimento por parte da TAP SGPS, que foi entretanto esvaziada de ativos. Valor em dívida à companhia brasileira já vai em 178 milhões.
A TAP SGPS, agora designada como SIAVILO, entrou formalmente em incumprimento no empréstimo obrigacionista à Azul. A deliberação foi aprovada numa assembleia de obrigacionistas convocada pelo agente fiduciário da emissão, a pedido da companhia brasileira. A Parpública votou contra. Em causa está uma dívida que já vai em 237 milhões de euros.
As obrigações convertíveis em ações foram emitidas pela TAP SGPS e subscritas pela Azul e a Parpública em 2016, numa altura em que o empresário David Neeleman era simultaneamente CEO e maior acionista da transportadora brasileira e, juntamente com Humberto Pedrosa, maior acionista da companhia portuguesa. A Azul emprestou 90 milhões de euros e a entidade gestora das participações sociais do Estado 30 milhões. Os títulos têm maturidade só em 2026 e um juro elevado, de 7,5%, que, além disso, é composto, o que resulta numa soma que é já quase o dobro do montante inicial.
Desde o verão passado que as duas companhias se envolveram num diferendo sobre estes títulos, que chegou inclusive a tribunal, com a TAP a avançar em novembro com uma ação judicial. Chegaram a existir negociações entre os advogados da TAP e da Azul, mas ao que o ECO apurou foram interrompidas ainda em 2024, depois daquela iniciativa por parte da transportadora portuguesa.
O caso conheceu um novo desenvolvimento em meados de abril, com a aprovação em assembleia extraordinária de obrigacionistas de uma deliberação sobre “o reconhecimento da ocorrência de Eventos de Incumprimento (Events of Default)”, segundo a ata a que o ECO teve acesso. Este ponto da ordem de trabalhos foi aprovado com os votos a favor da Azul (75%), enquanto a Parpública (25%) votou contra.
A assembleia, realizada a 15 de abril, deliberou ainda que “as Obrigações são imediatamente devidas e reembolsáveis nos termos da Condição 11 dos Termos e Condições das Obrigações”. O agente fiduciário – a sociedade Bondholders, com sede em Valência – ficou mandatado para “fazer cumprir os termos dos Documentos Financeiros conforme considere adequado”. Caso não o faça, Foi também aprovada a possibilidade de a Azul, enquanto obrigacionista maioritária, “agir diretamente contra o Emitente”, neste caso a TAP SGPS, ou outra das partes do contrato, onde se inclui a TAP SA, dona da companhia aérea.
Por força da deliberação de incumprimento, terá agora de ser calculado o valor atual do montante em dívida referente às obrigações, com base na fórmula que está estipulada no contrato dos títulos. Segundo cálculos facultados ao ECO, a 1 de junho o valor dos títulos acrescido dos juros somará 237 milhões, dos quais 178 milhões são devidos à Azul e 59 milhões à Parpública.
Devedor esvaziado de ativos
A convocatória da assembleia, preparada com base num memorando informativo da Azul, refere, em nove alíneas, as alegadas violações dos termos e condições das obrigações que consubstanciam eventos de incumprimento. O principal argumento prende-se com a “alienação de ativos substanciais” em violação do contrato ou a não observância da “obrigação de assegurar que não ocorra qualquer alteração substancial da natureza da atividade” do emitente.
A TAP SGPS deixou de ter qualquer participação na TAP SA, que detém a companhia aérea, a partir do final de dezembro de 2021, na sequência de várias operações de redução e aumento de capital incluídas no auxílio de Estado desencadeado pela pandemia. Em janeiro deste ano, foi anunciada a venda à TAP SA de 100% da Portugália por 4,4 milhões de euros, da participação de 51% detida na Cateringpor e de 100% da UCS, a empresa que presta serviços de saúde aos trabalhadores do grupo. O valor destas duas últimas transações não foi revelado. A operação da Cateringpor necessita de visto do Tribunal de Contas.
A holding também já não detém a participação na SPdH, a antiga Groundforce, agora Menzies Aviation, que no âmbito da insolvência passou também a ser detida pela TAP SA. A participada sobrante, a M&E Brasil, foi colocada em processo de liquidação após vários anos de prejuízos crónicos. No final de 2022, os últimos resultados disponibilizados no site, a TAP SGPS tinha capitais próprios negativos de 1.286,1 milhões de euros.
O Emitente [TAP SGPS] sofreu um esvaziamento de todos os ativos materiais pertencentes à Emitente para a TAP SA detida pelo Estado, reduzindo qualquer capacidade do Emitente para conduzir o seu negócio.
Ao mesmo tempo que anunciou a compra dos ativos pela TAP SA, o Governo anunciou que a TAP SGPS passava a denominar-se SIAVILO SGPS. A separação entre a antiga holding e a companhia aérea consubstanciou-se ainda, no final de março, na renúncia dos administradores, alguns deles também membros da administração da TAP.
“O Emitente sofreu um esvaziamento de todos os ativos materiais pertencentes à Emitente para a TAP SA detida pelo Estado, reduzindo qualquer capacidade do Emitente para conduzir o seu negócio”, assinala-se na convocatória.
TAP considerou garantias nulas
A disputa entre as duas companhias começou depois de a Azul ter enviado o ano passado uma carta à TAP onde propunha o reembolso antecipado da emissão de obrigações, numa altura em que atravessava uma grave situação financeira, que a obrigou a renegociar a dívida com os credores. Além de não aceitar a proposta, a transportadora portuguesa respondeu que as garantias reclamadas pela brasileira não eram válidas.
No documento da emissão de dívida de 400 milhões de euros, realizada no final de outubro do ano passado, a TAP escreve que o “conselho de administração entende que os direitos de garantia previstos no Contrato de Garantia Azul são nulos e sem efeito”, conforme noticiou o ECO. A companhia alega, com base num parecer jurídico, que as obrigações são equivalentes a um “empréstimo acionista subordinado”, pela circunstância de David Neeleman ser acionista da TAP, através da Atlantic Gateway, e controlar simultaneamente a Azul. Na prática, trata-se de um suprimento de um acionista, donde não se aplicariam as garantias reclamadas.
Se a atual posição do Emitente de qualificar as Obrigações como um empréstimo acionista, e a invalidade do Pacote de Garantias for sancionada por um tribunal, o Emitente seria impedido de cumprir as suas obrigações ao abrigo dos Documentos Financeiros, sendo razoavelmente expectável que tal incumprimento tenha um Efeito Adverso Material.
A companhia aérea brasileira contesta esta interpretação e defende que as garantias, que incluem o programa de milhas da TAP (antigo Victoria, agora Miles & GO), se mantêm válidas. Considera ainda que a rejeição das garantias pela TAP representa mais um fator de incumprimento do contrato. Na convocatória alega que “se a atual posição do Emitente de qualificar as Obrigações como um empréstimo acionista, e a invalidade do Pacote de Garantias for sancionada por um tribunal, o Emitente seria impedido de cumprir as suas obrigações ao abrigo dos Documentos Financeiros, sendo razoavelmente expectável que tal incumprimento tenha um Efeito Adverso Material”.
A convocatória refere ainda outros incumprimentos, como a TAP não ter mantido o nível mínimo de disponibilidades de caixa não restritas definido nos contratos ou não ter fornecido os relatórios informativos previstos, assinalando que em caso de default ocorre o “vencimento imediato das Obrigações e o seu reembolso pelo Valor Nominal em dívida, juntamente com os juros acumulados até à data de reembolso”.
A ECO questionou o Ministério das Finanças sobre se a Direção-Geral do Tesouro e Finanças (DGFT) irá dar indicação para a SIAVILO contestar a deliberação da assembleia de obrigacionistas ou para proceder ao pagamento, mas não obteve resposta até à publicação do artigo.
O CEO da companhia aérea brasileira, John Rodgerson, afirmou à Lusa em fevereiro que acredita que a questão da dívida vai ser resolvida, “porque ninguém questiona que a Azul deu dinheiro para a TAP“. O responsável apontou ainda que o tema pode “atrapalhar” a privatização da transportadora portuguesa, pelo que deve ser sanada antes da operação avançar.
O diferendo chegou a ser discutido entre os governos português e brasileiro, aquando da visita a Lisboa do ministro brasileiro dos Portos e Aeroportos, Sílvio Serafim Costa Filho, em outubro. O Ministério das Infraestruturas, numa resposta ao Parlamento em fevereiro, alinhou pela argumentação da TAP, considerando tratarem-se de suprimentos do acionista. Com o Executivo em gestão, a resposta à Azul deverá ficar para o próximo que tomar posse.
A companhia brasileira fechou 2024 com prejuízos não ajustados de 8.235 milhões de reais (1,31 mil milhões de euros ao câmbio atual). Os resultados recuperaram no primeiro trimestre, com a Azul a reportar um lucro líquido de 783 milhões de reais (124,6 milhões de euros).
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