“A Europa está claramente numa fase de excesso de regulação”, aponta economista Luís Cabral
O economista Luís Cabral aponta à complexidade da regulação europeia como um dos fatores que contribuiu para que a Europa tenha ficado "atrás na revolução digital" e estar "muito atrás" na inovação.
Na Europa, a teia da regulação está a apertar tanto que já sufoca a inovação e afasta investidores. O alerta foi lançado esta sexta-feira, em Lisboa, por Luís Cabral, professor de economia na Stern School of Business da Universidade de Nova Iorque, perante uma plateia atenta na conferência anual da CMVM, na Fundação Gulbenkian.
Num momento em que o Velho Continente procura recuperar o atraso face aos EUA e à China na corrida tecnológica, Luís Cabral colocou o dedo na ferida, referindo que “a Europa está claramente numa fase de excesso de regulação”.
As palavras do economista ecoaram numa plateia repleta de reguladores e decisores dos mercados financeiros, numa altura em que o debate sobre o papel da regulação na competitividade europeia ganha novo fôlego. A conferência, subordinada ao tema “Uma Nova Ambição para os Mercados de Capitais”, serviu de palco para Luís Cabral desenvolver uma análise provocadora sobre o estado da regulação nos dois lados do Atlântico.
A grande depressão dos anos 1930 teria acontecido se houvesse boa regulação? É difícil de fazer essa suposição, mas felizmente hoje temos mecanismos de regulação que permitem que não aconteçam com a escala da grande depressão de 1929.
O professor, que é também diretor do departamento de economia da prestigiada escola de negócios nova-iorquina desde 2015, não poupou críticas ao modelo europeu atual, embora tenha defendido uma visão com maior nuance do papel da regulação na economia.
Luís Cabral estruturou a sua intervenção em torno do conceito de que a regulação deve ser vista à imagem do filme “O Bom, o Mau e o Vilão”, exemplificando com casos históricos e contemporâneos para demonstrar as diferentes faces da intervenção regulatória. “A grande depressão dos anos 1930 teria acontecido se houvesse boa regulação? É difícil de fazer essa suposição, mas felizmente hoje temos mecanismos de regulação que permitem que não aconteçam com a escala da grande depressão de 1929“, argumentou.
O economista destacou também o exemplo da Securities and Exchange Commission (SEC) americana como um caso de “boa regulação”. “A vontade dos investidores fazerem negócios na bolsa americana deve-se também muito à força das instituições como a SEC”, sublinhou, numa clara alusão à importância de instituições regulatórias sólidas para o funcionamento eficaz dos mercados financeiros.
A Europa ficou atrás na revolução digital em curso. E estamos muito, muito atrás na inovação em muitos campos.
No polo oposto, Cabral apontou o setor da aviação europeia como exemplo bem-sucedido de desregulação, lembrando que se em 1986, na Europa, os voos tinham um custo médio de 51 cêntimos por milha contra 15 cêntimos nos EUA, em 2010 (realidade que se mantém mais ou menos igual hoje), essa relação inverteu-se completamente, com o custo a passar para 11 cêntimos na Europa face a 21 nos EUA. Essa evolução demonstra que a liberalização do setor aéreo europeu gerou benefícios tangíveis para os consumidores.
A análise mais dura de Cabral centrou-se no défice de inovação europeu. “A Europa ficou atrás na revolução digital em curso. E estamos muito, muito atrás na inovação em muitos campos”, com o economista a citar essa realidade pelo número de patentes de grande valor “em que o gap face aos EUA e à China é enorme”.
Luís Cabral reconheceu ainda que “a regulação não é uma palavra com boa fama”, mas argumentou que “pode e tem um valor enormíssimo.”
Para Luís Cabral, este fosso resulta de um “conjunto de barreiras à inovação na União Europeia, como a falta de capital, mercados fragmentados, um ecossistema de inovação pouco desenvolvido, o papel dos governos, fuga de cérebros e regulação.”
O timing desta crítica não podia ser mais pertinente. Recentemente, António Campinos, presidente da Organização Europeia de Patentes, admitiu recentemente que a Europa “perdeu produtividade e competitividade nas últimas duas décadas” ao concentrar-se demasiado na elaboração de regulamentos.
O equilíbrio no meio do Atlântico
Apesar das críticas ao modelo europeu, Luís Cabral mostrou-se igualmente preocupado com a direção oposta. “No caso dos EUA vejo o contrário. Os EUA até precisam de mais regulação e não esperava dizer isto”, confessou com alguma graça, defendendo que o equilíbrio da regulação estará “algures no meio do Atlântico”.
Esta posição reflete uma crescente consciência de que nem o laissez-faire absoluto nem a “hiperregulação” constituem soluções ótimas. “Mais do que quantidade de regulação é qualidade de regulação” e “para haver boa regulação tem de haver fortes instituições”, sublinhou o economista.
Luís Cabral reconheceu ainda que “a regulação não é uma palavra com boa fama”, mas argumentou que “pode e tem um valor enormíssimo”, sublinhando ainda que “não lhe damos tanto valor como devíamos.”
Esta defesa da regulação bem desenhada surge numa altura em que a União Europeia procura encontrar o equilíbrio entre manter os seus padrões de proteção e competir globalmente.
As declarações de Luís Cabral ecoam as preocupações expressas no relatório de Mario Draghi sobre competitividade europeia e nas propostas da “Bússola para a Competitividade” de Ursula von der Leyen, que procuram um “choque de simplificação” sem comprometer as garantias fundamentais.
O desafio, como ficou claro na intervenção do professor da NYU, será encontrar esse ponto de equilíbrio que permita à Europa recuperar terreno na corrida global pela inovação sem sacrificar os valores que a definem.
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