Do Mar à Mesa: quais os desafios que o setor da pesca enfrenta?
A conferência "Do Mar à Mesa", organizada pelo ECO em parceria com a Docapesca, reuniu vários especialistas do setor para falarem sobre a economia da pesca e os seus desafios.
Num contexto marcado por crescentes preocupações ambientais, desafios económicos e a necessidade de garantir a sustentabilidade dos recursos marinhos, a economia da pesca tem vindo a assumir um papel central no debate sobre o futuro do setor.
Foi precisamente com o intuito de refletir sobre os desafios da atividade piscatória que o ECO, em parceria com a Docapesca, realizou conferência “Do Mar à Mesa”, que reuniu diversos especialistas e profissionais ligados ao setor para analisarem as tendências e discutirem sobre os principais obstáculos e oportunidades que marcam a pesca nos dias de hoje.
“Creio que é uma responsabilidade nossa trazer estes temas a debate e talvez ele não esteja a ter a relevância mediática devida”, começou por dizer António Costa, Diretor do ECO, na abertura da sessão, ao mesmo tempo que lançou as seguintes questões para debate: “Que prioridades estão a ser tomadas? Qual o papel das associações neste processo e de que forma podem ser um incentivo à transformação do setor?”.

No que diz respeito à Docapesca, o seu papel passa, de acordo com Sérgio Faias, presidente da associação, por “valorizar esta atividade” e mostrar que “é uma atividade viva, com futuro, com uma grande história, que precisa de marcar a sua posição”. Para isso, a Docapesca apoia “cerca de 70 atividades piscatórias para garantir que os profissionais possam desempenhar da melhor forma as suas funções”.

Quais os desafios na valorização do pescador?
No entanto, e apesar desse apoio, os pescadores continuam a enfrentar vários desafios, a começar pela falta de um salário base, que lhes traria mais estabilidade e, consequentemente, contribuiria para resolver o problema de falta de mão-de-obra no setor. “Como é que não há salário mínimo na pesca? Custa-nos compreender. Assim fica difícil chamar os pescadores”, disse Luís Barbosa Vicente, Secretário-Geral da Associação dos Armadores da Pesca Industrial.
A mesma opinião foi partilhada por Francisco Portela Rosa, Diretor na NAVALETHES/VIANAPESCA, que acrescentou: “Nos finais dos anos 80, como não havia um regime jurídico para a pesca, nós fizemos um e entregamos a todos os grupos parlamentares. A maioria dos artigos que lá estavam foram aproveitados, mas fiquei estupefacto com o facto de o artigo que garantia o salário mínimo aos pescadores não constar. Eu não posso criar atratividade para o setor sem isso“.
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Painel "Desafios para a Valorização do Pescado(r)" com Carlos Macedo, Administrador-Delegado da ArtesanalPesca; Luís Barbosa Vicente, Secretário-Geral da Associação dos Armadores da Pesca Industrial; e Francisco Portela Rosa, Diretor na NAVALETHES/VIANAPESCA Hugo Amaral/ECO -
Carlos Macedo, Administrador-Delegado da ArtesanalPesca Hugo Amaral/ECO -
Luís Barbosa Vicente, Secretário-Geral da Associação dos Armadores da Pesca Industrial Hugo Amaral/ECO -
Francisco Portela Rosa, Diretor na NAVALETHES/VIANAPESCA Hugo Amaral/ECO
Essa atratividade depende também do consumo, mas quanto a isso Carlos Macedo, Administrador-Delegado da ArtesanalPesca, assegurou que este está aumentar. No entanto, considera que isso não é suficiente. “Se queremos um setor dinâmico e atrativo alguma coisa tem de ser feita e acho que existe margem porque o consumo está a aumentar. Tem de haver uma definição e visão estratégica do que se quer para o setor. E as estruturas políticas e o próprio setor devem juntar-se para isso“, disse.
O peso da mulher no setor da pesca
“A pesca não é um mundo só de homens. Há muitas mulheres que vão ao mar”, começou por dizer Dina Baião, Diretora da Associação de Armadores de Pesca Artesanal e do Cerco do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, afirmando até que mesmo “mulheres grávidas vão para o mar”. A diretora acrescentou ainda que, apesar de este setor ser tendencialmente masculino, as mulheres não são discriminadas e não devem sentir vergonha de seguir esta profissão.
Contudo, além do trabalho no mar, há também muitas outras áreas que envolvem a pesca, nomeadamente gestão, ciência, investigação, das ONGs, nas quais Rita Sá, Coordenadora de Oceanos e Pescas na WWF Portugal garante que as mulheres têm um “papel preponderante”. “A pesca não é só a pesca. Tem muitas componentes que são muitas vezes dominadas por mulheres. Por exemplo, a maior parte das associações de pescadores são maioritariamente lideradas por homens, mas quem trata e assegura o desenvolvimento da associação normalmente são mulheres. As mulheres têm este papel de procurar soluções, resolver problemas, agregar pessoas diferentes para encontrar soluções em conjunto”, explicou.
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Painel "A Mulher no Setor da Pesca: do Barco à Administração" com Dina Baião, Diretora da Associação de Armadores de Pesca Artesanal e do Cerco do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina; Rita Sá, Coordenadora de Oceanos e Pescas na WWF Portugal; e Lídia Tarré, Administadora da GelPeixe Hugo Amaral/ECO -
Dina Baião, Diretora da Associação de Armadores de Pesca Artesanal e do Cerco do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina Hugo Amaral/ECO -
Rita Sá, Coordenadora de Oceanos e Pescas na WWF Portugal Hugo Amaral/ECO -
Lídia Tarré, Administadora da GelPeixe Hugo Amaral/ECO
Lídia Tarré, Administadora da GelPeixe, é um dos exemplos de mulheres que estão na liderança da administração de uma empresa ligada ao setor e garantiu que a tendência será haver cada vez mais mulheres nesta área. Para isso, deu até o exemplo da própria GelPeixe: “A nível da gestão de topo, fui a primeira mulher na administração, agora são 25%. No nível seguinte já são mais mulheres do que homens. Há uma tendência para as mulheres subirem nestes cargos”.
A importância da certificação da sardinha
Dentro das várias espécies de pescado portuguesas, a sardinha é, sem dúvida, uma das que mais se distingue e, por essa razão, certificá-la seria muito vantajoso. No entanto, apesar de o pedido estar feito, ainda está em processo, que deverá conhecer em breve um desfecho positivo. “A sardinha ainda não está certificada. Estamos a terminar um processo de consulta pública que termina amanhã. Se tudo correr bem, esperamos que esteja certificada em julho. E estamos otimistas quanto a isso”, revelou Rodrigo Sengo, Senior Program Development na MSC Portugal.
Apesar do otimismo, Humberto Jorge, Presidente da Associação Nacional dos Produtores da Pesca do Cerco (ANOPCERCO), lembrou que esta certificação já havia sido pedida no passado, mas acabou por ser suspensa: “Na outra certificação, ela foi suspensa porque o recurso [o peixe] caiu imenso. Estivemos 10 anos com recrutamento muito baixo, então instalou-se a ideia de que a sardinha estava em perigo. Depois os os pescadores viram evidências de que o recurso estava a recuperar e começaram a transmitir isso, o IPMA também reportou isso, mas isto não e instantâneo. Por isso, só quando começaram a aparecer documentos oficiais a falar da recuperação é que foi possível fazer uma nova candidatura“.
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Painel "Certificação da Sardinha Portuguesa: Diferenciação e Desenvolvimento do Negócio" com Humberto Jorge, Presidente da Associação Nacional dos Produtores da Pesca do Cerco (ANOPCERCO); Isabel Tato, Secretária-Geral da Associação Nacional dos Industriais de Conservas de Peixe; e Rodrigo Sengo, Senior Program Development na MSC Portugal Hugo Amaral/ECO -
Humberto Jorge, Presidente da Associação Nacional dos Produtores da Pesca do Cerco (ANOPCERCO) Hugo Amaral/ECO -
Isabel Tato, Secretária-Geral da Associação Nacional dos Industriais de Conservas de Peixe Hugo Amaral/ECO -
Rodrigo Sengo, Senior Program Development na MSC Portugal Hugo Amaral/ECO
Mesmo com a certificação e as vantagens associadas que esta traz, há determinadas problemas que ela não impede que aconteçam, tais como as consequências das alterações climáticas. Para esses, é preciso outro tipo de preparação que, segundo Isabel Tato, Secretária-Geral da Associação Nacional dos Industriais de Conservas de Peixe, passa muito por “unir esforços”, nomeadamente com a parte governamental. “A fileira do pescado está formada, mas é preciso a parte governamental. Quando estivermos todos envolvidos numa política de sustentabilidade, acho que uma parte dos nossos consumidores não se vão importar de pagar mais um cêntimos por esses produtos que vão poupar os nossos ecossistemas“, concluiu.
Assista aqui à conferência:
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