Portugal acelera no crescimento, mas continua preso na baixa produtividade, alerta Comissão Europeia
Portugal deverá continuar a crescer acima da média europeia, mas Bruxelas alerta que a produtividade estagnada e sem reformas rápidas, o país envelhece, perde talento e afunda-se na burocracia.
A Comissão Europeia voltou a reconhecer a resiliência da economia portuguesa, mas alerta que Portugal precisa de acelerar um conjunto de reformas se quiser enfrentar os desafios do envelhecimento populacional e aumentar a sua competitividade.
No relatório de país divulgado na quarta-feira no âmbito do “Pacote da Primavera do Semestre Europeu”, Bruxelas elogia o crescimento acima da média europeia, mas identifica lacunas críticas que podem comprometer o futuro económico do país.
O documento, que acompanha as recomendações para as políticas económicas, sociais e orçamentais de Portugal, os técnicos da Comissão Europeia são particularmente duros numa área: o sistema de pensões. “O envelhecimento populacional, juntamente com uma população ativa em declínio, coloca o sistema de pensões de repartição de Portugal sob pressão”, alerta a Comissão Europeia, que prevê que “os custos das pensões aumentem três pontos percentuais do PIB até 2046 em comparação com 2022”.
O cenário demográfico não poderia ser mais desafiante. Enquanto em 2025 existem quase dois contribuintes por cada pensionista, “estima-se que em 2046 haverá apenas cerca de um contribuinte” para sustentar cada reformado. Esta realidade obrigará Portugal a recorrer cada vez mais às transferências do Orçamento do Estado e ao fundo de reserva da Segurança Social para colmatar os défices do sistema, salienta o relatório.
A Comissão Europeia prevê que Portugal mantenha uma trajetória de crescimento acima da média da União Europeia nos próximos anos, apontando para uma expansão do PIB de 1,8% em 2025 e de 2,2% em 2026. O motor deste crescimento da economia continuará a ser a procura interna, “impulsionada pelo crescimento do emprego e dos rendimentos das famílias”, enquanto os investimentos beneficiam “do pico projetado no ciclo do plano de recuperação e resiliência”, notam os técnicos da Comissão Europeia.
Mas o cenário da produtividade continua a preocupar Bruxelas. “Apesar de algumas melhoras, em 2023 os níveis de produtividade laboral de Portugal eram ainda apenas 80,5% da média da União Europeia”, sublinha o relatório.
Entre as causas identificadas para este atraso, a Comissão Europeia aponta para o facto de “o tecido empresarial de Portugal ser dominado por pequenas e médias empresas com potencial limitado de crescimento ou inovação”, assim como “a dependência relativamente elevada do país de setores intensivos em mão de obra, como o turismo” e ainda a existência de “barreiras estruturais à capacidade das empresas de crescer e inovar”.
A Comissão Europeia considera as empresas continuam a enfrentar obstáculos burocráticos significativos ao investimento, referindo que os “procedimentos de licenciamento e autorização longos continuam a ser um problema maior”.
A Comissão Europeia sublinha que Portugal continua a arrastar os pés neste campo. Apesar de reconhecer algumas melhorias recentes — a produtividade por hora aumentou 4,5% entre 2019 e 2023, ficando acima dos 2,7% da União Europeia –, salienta que o problema tem raízes estruturais profundas.
Um desses “espinhos” está na inovação que, segundo Bruxelas, avança a um ritmo insuficiente. Os gastos em Investigação e Desenvolvimento (I&D) aumentaram de 1,3% do PIB em 2017 para 1,7% em 2023, mas permanecem “bem abaixo da média da União Europeia de 2,22%”, destacam os técnicos da Comissão Europeia, notando que, “apesar do progresso feito ao longo dos últimos anos, Portugal ainda se classifica como um inovador moderado”.
O relatório sublinha ainda que o acesso ao financiamento para inovação continua a ser um forte obstáculo, notando que o capital de risco representa apenas 0,02% do PIB, comparado com uma média da União Europeia de 0,08% em 2023, e “está concentrado em start-ups”. Esta carência é particularmente sentida nas fases posteriores de desenvolvimento empresarial, onde apenas 9,4% do financiamento português se destina a empresas em expansão, contra 48,7% na União Europeia.
No mercado de trabalho, são também apontados alguns pontos de alerta. Apesar de reconhecer que o quadro laboral se mantém resiliente, com “tanto a oferta de mão-de-obra como o emprego a continuarem a aumentar a um ritmo acelerado, apoiados pelo saldo migratório”, Bruxelas salienta que o desemprego jovem permanece “elevado, com uma taxa de 21,6% em 2024, acima dos 20,5% de 2023 e muito acima da média da União Europeia”. Esta situação é particularmente preocupante nas regiões autónomas, onde os indicadores são “particularmente elevados na Madeira e nos Açores”, destaca o relatório.
Fontes de bloqueio ao tecido empresarial
Bruxelas considera que as empresas continuam a enfrentar obstáculos burocráticos significativos ao investimento. Segundo o relatório, “48,8% das empresas portuguesas reportaram a regulamentação empresarial como uma barreira fundamental ao investimento, comparado com 32% das empresas da União Europeia”, referem os técnicos da Comissão Europeia citando o inquérito do Banco Europeu de Investimento de 2024.
Portugal ocupa o nono pior lugar entre 38 países da OCDE nos indicadores de regulamentação do mercado de produtos para 2023 e 2024. “Procedimentos de licenciamento e autorização longos continuam a ser um problema maior”, critica Bruxelas, apontando para “dificuldades na implementação dos novos procedimentos” pelas autoridades locais, com “práticas que diferem significativamente entre regiões e municípios”
O sistema judicial também precisa de afinação, refere Bruxelas. Apesar de progressos na redução do acumular de processos, “os tribunais ainda enfrentam atrasos e os procedimentos demoram muito tempo (267 dias para casos cíveis e comerciais de primeira instância em 2023)”.
O ensino superior e a formação profissional não estão totalmente alinhados com as necessidades do mercado de trabalho, o que conduz a uma inadequação das competências.
A burocracia é também apontada como um travão ao desenvolvimento dos projetos de energias renováveis, onde Portugal continua a destacar-se no quadro europeu, com 88% da eletricidade gerada no país a ser gerada por fontes renováveis no ano passado, bem acima dos 47,4% ao nível da União Europeia.
“As ambições de energia renovável de Portugal são prejudicadas por um processo de licenciamento complexo e demorado”, referem os técnicos da Comissão Europeia, apontando o dedo à complexidade da legislação de ordenamento territorial a nível nacional, regional e local.
As comunidades energéticas enfrentam “estrangulamentos de implementação”, com apenas uma em cada dez comunidades energéticas registadas a conseguir uma licença de funcionamento, destaca o relatório, sublinhando ainda que as “entidades públicas enfrentam dificuldades em tornarem-se membros de comunidades energéticas devido a requisitos obrigatórios”.
Além disso, é também referido que a rede elétrica também mostra limitações. “A capacidade da rede nacional enfrenta limitações, tornando difícil ligar novos projetos de energia renovável”, particularmente em áreas com crescimento significativo de projetos renováveis como Sines.
Jovens sem futuro e casas fora do orçamento
O desajuste entre as competências disponíveis da mão-de-obra e as necessidades do mercado continua a ser um dos calcanhares de Aquiles da economia portuguesa, salienta a Comissão Europeia.
“O ensino superior e a formação profissional não estão totalmente alinhados com as necessidades do mercado de trabalho, o que conduz a uma inadequação das competências”, aponta o relatório, que considera que a situação é ainda agravada por três fatores críticos: o declínio da participação de adultos na aprendizagem ao longo da vida, uma proporção elevada de alunos com baixo desempenho em matemática, ciências e leitura na escola, e mais jovens a abandonar precocemente a escola e a formação.
Este desajuste tem consequências diretas no desemprego jovem estruturalmente elevado. “As vagas existentes frequentemente não se alinham com as competências dos jovens trabalhadores disponíveis e dos jovens desempregados”. A situação é particularmente grave porque “uma grande proporção de jovens desempregados tem níveis de competências baixos”.
Bruxelas recomenda apostar no “investimento em investigação e inovação que melhore a produtividade” e “removendo barreiras e desincentivos à expansão e crescimento das empresas”.
O setor público não escapa aos problemas de escassez de mão de obra. Na saúde, “o país enfrenta uma emigração pesada de enfermeiros”, destaca Bruxelas, sublinhando que, por exemplo, “em 2023, 60% dos graduados que se registaram na associação profissional de enfermeiros pretendiam emigrar”. Na educação, a situação não é melhor, com “metade dos professores atuais acima dos 50 anos e com apenas uma pequena fração abaixo dos 30”.
Igualmente preocupante é o quadro da habitação, com o mercado habitacional a tornar-se numa fonte crescente de pressão social e económica. “Entre 2015 e 2023, os preços da habitação em Portugal aumentaram 105,8%”, mais do dobro do crescimento de 48,1% registado na União Europeia.
“A procura habitacional mais elevada nas grandes cidades e áreas turísticas populares agrava a escassez de habitação acessível e prejudica a coesão social”, referem os técnicos da Comissão Europeia, destacando que a subida dos preços das casas está a afetar particularmente “jovens, famílias de rendimentos baixos e médios e pessoas desfavorecidas”.
Mas a escalada dos preços tem impactos que vão além do social. “Isto impacta na disponibilidade de mão-de-obra e afeta negativamente a competitividade, uma vez que custos habitacionais mais elevados limitam as possibilidades das empresas e organismos públicos atraírem e reterem trabalhadores qualificados”, alerta Bruxelas. Além disso, “custos habitacionais mais elevados pesam nos orçamentos das famílias, poupanças e na sua capacidade de investir”.
Na área social, as recomendações centram-se em “abordar os desajustes de competências investindo no desenvolvimento de competências e na aprendizagem ao longo da vida”.
Face a este diagnóstico, a Comissão Europeia traça um roteiro amplo e ambicioso para Portugal. As prioridades passam por “acelerar a implementação do PRR, incluindo o capítulo REPowerEU” e “implementar rapidamente a política de coesão, aproveitando as oportunidades da revisão intercalar”.
No domínio empresarial, Bruxelas recomenda “fomentar um ambiente empresarial que seja conducente ao crescimento de empresas inovadoras e disruptivas”, apostando no “investimento em investigação e inovação que melhore a produtividade” e “removendo barreiras e desincentivos à expansão e crescimento das empresas”.
A agenda ambiental exige “fazer mais progressos rumo à descarbonização”, nomeadamente através da “implementação das renováveis, simplificando o processo de licenciamento” e “dando passos concretos para eliminar gradualmente os subsídios aos combustíveis fósseis”.
Na área social, as recomendações centram-se em “abordar os desajustes de competências investindo no desenvolvimento de competências e na aprendizagem ao longo da vida” e “melhorar a acessibilidade e acessibilidade habitacional visando edifícios vagos e degradados em áreas de alta procura”.
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