Prestação do crédito à habitação vai continuar a cair, mas não por muito mais tempo
A fatura do crédito à habitação irá continuar a cair nos próximos meses, mas a travagem das Euribor e da política do BCE já se faz sentir e quem espera descidas prolongadas pode sair desiludido.
As taxas Euribor estão em queda desde finais de 2023 e têm ainda margem para cair mais um pouco à boleia de pelo menos mais um corte das taxas de juro do Banco Central Europeu (BCE), segundo a expectativa de vários especialistas ouvidos pelo ECO.
Estas são boas notícias para as famílias com crédito à habitação com contratos indexados à Euribor, que depois de já terem contado com várias diminuições na prestação do empréstimo da casa à medida que as taxas dos contratos foram sendo revistas, podem ainda contar com mais algum alívio no orçamento nos próximos meses.
A previsão de mais correções nas taxas Euribor surge depois de o BCE ter decidido esta quinta-feira reduzir pela oitava vez as taxas de referência desde junho do ano passado, colocando a taxa de depósitos nos 2% — o valor mais baixo desde janeiro de 2023.
Tendo em conta a decisão e discurso, as revisões em baixa das previsões do BCE para o crescimento e inflação e a reação em alta do euro, há espaço para mais uma descida de taxas, ainda este ano.
“As constantes reduções das taxas de juro têm apoiado as quedas nas taxas Euribor nas diversas maturidades”, refere Henrique Tomé, analista da XTB, apontando este movimento por conta da “economia na Zona Euro, principalmente na Alemanha e França, estarem a dar fortes sinais de abrandamento económico, ao mesmo tempo que as pressões sobre os preços também têm diminuído, resultado do fraco dinamismo na atividade económica dentro da Zona Euro.”
Além disso, os contratos forward sobre a Euribor (que antecipam o comportamento destas taxas) apontam para que a Euribor a 6 meses possa negociar perto dos 1,8% até ao final do ano e a taxa Euribor a 3 meses possa descer para os 1,7%.
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O corte de 25 pontos base anunciado pelo BCE na quinta-feira estava amplamente antecipado pelos mercados e reflete as previsões revistas em baixa para o crescimento e inflação na Zona Euro, explica Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, destacando que “o crescimento do PIB real deverá manter-se estável nos 0,9% em 2025”.
A inflação, medida pelo Índice Harmonizado de Preços no Consumidor, foi igualmente revista em baixa de 2,3% para 2% em 2025, principalmente devido à “queda acentuada nos preços da energia, nomeadamente petróleo e gás natural, bem como à apreciação do euro”, refere o economista. Esses dados reforçam, mais uma vez, o argumento defendido por Christine Lagarde por várias ocasiões que o processo de desinflação na Zona Euro está bem encaminhado.
As projeções apontam para uma descida gradual da taxa de depósito para cerca de 1,60% a 1,75% até ao final do ano, o que deverá empurrar a Euribor a 6 meses para valores entre os 1,80% e os 1,85%, segundo o mercado.
Paula Carvalho, responsável pelo departamento de research do Banco BPI, admite que há “espaço para um corte adicional de 25 pontos base no segundo semestre, possivelmente em setembro”. A economista justifica esta expectativa como resposta a “um enfraquecimento da atividade económica, à evolução favorável da inflação e expectativas inflacionistas controladas, em torno do objetivo de médio prazo do banco central”, prevendo com isso que “a taxa de depósitos do BCE se situe em 1,75%, mínimo deste ciclo” no final do ano.
Filipe Garcia, economista e presidente do IMF – Informação de Mercados Financeiros, vaticina também mais um corte das taxas do euro em 2025. “Tendo em conta a decisão e discurso, as revisões em baixa das previsões do BCE para o crescimento e inflação e a reação em alta do euro, há espaço para mais uma descida de taxas, ainda este ano”.
O responsável da IMF nota que “Lagarde frisou que boa parte da descida da inflação se deve à evolução dos preços da energia e valorização do euro, pelo que poderá não estar confortável que haja mais do que um corte adicional”, fazendo com que “as Euribor tenderão a continuar a cair, mas a um ritmo lento.”
Prestações da casa com margem para continuarem a cair
Atualmente, a Euribor a 6 meses — que serve de indexante a 38% dos créditos à habitação — ronda os 2%, um valor que já reflete “uma parte significava das expectativas de descida da taxa diretora do BCE, de acordo com o mercado monetário”, refere Paulo Rosa, sublinhando ainda que “as projeções apontam para uma descida gradual da taxa de depósito para cerca de 1,60% a 1,75% até ao final do ano, o que deverá empurrar a Euribor a 6 meses para valores entre os 1,80% e os 1,85%, segundo o mercado.”
Para as famílias portuguesas, esta trajetória descendente das Euribor traduz-se em alívio continuado nas prestações do crédito à habitação por mais algum tempo. Segundo simulações do ECO, para um empréstimo de 150 mil euros a 30 anos com spread de 1%, a prestação baseada na Euribor a 3 meses desceu para 640 euros em junho, menos 36 euros face a março. E no caso da Euribor a 6 meses, a prestação ronda agora os 642 euros, uma descida de 56 euros relativamente à prestação paga desde dezembro.
No curto prazo antecipa-se que o efeito da implementação das tarifas aduaneiras pelos EUA se deva refletir em menos crescimento nos países da União Económica Monetária, pelo menos até final do ano [o que] daria espaço para um movimento adicional de relaxamento de política monetária”.
Porém, Paulo Rosa nota que “a Euribor, mesmo em períodos de descida da taxa do BCE, tende a manter- se acima da taxa de depósito” porque, além das expectativas sobre os juros oficiais, a Euribor inclui um prémio de risco de crédito e de liquidez — mais acentuado quanto mais longo é o prazo de empréstimo entre bancos. “No caso da Euribor a 6 meses, esse risco é superior ao da taxa overnight, uma diferença adicional que se costuma situar entre os 10 e os 30 pontos base”, revela o economista do Banco Carregosa.
Apesar das expectativas de novas descidas, os especialistas mantêm alguma cautela. Filipe Garcia nota que “depois de ter as taxas negativas durante anos e, por essa via, perder o instrumento taxa de juro como ferramenta de política económica, o BCE não estará confortável em cortar muito mais os juros”.
Paulo Rosa vai mais longe e alerta para o fator de imprevisibilidade criado pela política da administração de Donald Trump. “Se o seu masterplan for mesmo concretizado, isso poderá alterar profundamente o panorama económico global”, refere, destacando que “a política errática, sobretudo a nível comercial, a previsibilidade de curto prazo diminuiu consideravelmente”.
Paula Carvalho destaca igualmente esse elemento de incerteza, notando que “no curto prazo antecipa-se que o efeito da implementação das tarifas aduaneiras pelos EUA se deva refletir em menos crescimento nos países da União Económica Monetária, pelo menos até final do ano”, o que “daria espaço para um movimento adicional de relaxamento de política monetária”.
Depósitos e Certificados de Aforro do lado oposto
O cenário de taxas em queda não traz apenas boas notícias. Os aforradores com depósitos a prazo e Certificados de Aforro começam a sentir o impacto da descida das taxas de referência, com remunerações a baixar gradualmente.
Com a taxa de depósitos do BCE nos 2% e expectativas de nova descida para 1,75%, os produtos de poupança como os depósitos bancários deverão ver as suas remunerações reduzidas ainda mais nos próximos meses.
O mesmo deverá acontecer com os títulos de dívida da República desenhados para o retalho, que têm como indexante da sua remuneração a taxa Euribor a 3 meses. Depois de este mês terem sentido a terceira queda consecutiva da taxa base para 2,07%, os restantes meses não trarão notícias animadoras, porque o indexante continuará a deslizar, pelo menos até ao final do ano.
Apesar das expectativas de novos cortes das taxas de juro do BCE, os mercados mostram-se também cada vez mais convencidos de que o banco central fará uma pausa durante o verão. “Embora o BCE tenha anunciado hoje [quinta-feira] uma redução das taxas de juro amplamente esperada, não contamos com uma nova redução no próximo mês”, refere Irene Lauro, economista para a Zona Euro da Schroders, justificando que “a inflação ficou abaixo do esperado em maio, com a inflação dos serviços a cair acentuadamente.”
Com projeções a apontar para níveis próximos de 1,8% na Euribor a seis meses até ao final do ano, as prestações mensais vão manter-se em queda.
Esta perspetiva de abrandamento do ritmo de cortes reflete a perceção de que o BCE está a aproximar-se do fim do seu ciclo mais agressivo de flexibilização monetária desde a crise financeira global de 2008/2009, mantendo, contudo, a flexibilidade para atuar caso as condições económicas se deteriorem significativamente.
As tensões comerciais parecem destinadas a pesar mais sobre a atividade da Zona Euro — e, portanto, sobre a inflação a médio prazo — do que a impulsionar diretamente os preços. “Com as pressões inflacionárias a diminuir rapidamente e os ventos contrários ao crescimento a ganhar força, o BCE está a subestimar o risco de ficar aquém da sua meta”, destaca ainda Natasha May, economista global do JP Morgan, notando que “embora alguns membros do Conselho do BCE defendam uma pausa em julho, os argumentos a favor de outra redução das taxas são claros.”
O recuo contínuo das taxas Euribor, reforçado pelo novo corte de 25 pontos base do BCE, traduz-se em alívio imediato para centenas de milhares de famílias portuguesas com crédito à habitação. Com projeções a apontar para níveis próximos de 1,8% na Euribor a seis meses até ao final do ano, as prestações mensais vão manter-se em queda, libertando margem orçamental e aliviando o peso dos encargos bancários no dia-a-dia. No entanto, esse mesmo quadro benigno para o crédito convive com um cenário menos favorável para os aforradores, cujos depósitos bancários e os Certificados de Aforro sofrerão novo aperto nas remunerações.
Com os analistas a anteciparem uma pausa nos cortes das taxas de juro durante o verão, o balanço final de 2025 dependerá não só da evolução económica na Zona Euro, mas também dos ventos contrários do comércio internacional e das próximas decisões de Christine Lagarde e restantes governadores da área do euro.
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