Turismo vai “estagnar” até ao novo aeroporto, avisam hoteleiros. Governo “tem de incentivar estadias mais longas”
A capacidade "esgotada" do aeroporto Humberto Delgado vai levar o turismo a travar nos 12 anos até o de Alcochete estar pronto, avisam Gonçalo Rebelo de Almeida e Bernardo Trindade.
A longa espera até à inauguração do Aeroporto Luís de Camões em Alcochete e os graves constrangimentos no Humberto Delgado vão “estagnar” o setor do turismo em Portugal durante a próxima década e meia, alertam dois líderes da hotelaria. Gorada a possibilidade de uma solução temporária como a de um aeroporto no Montijo, pedem ao Governo que ajude os players privados na principal solução para atenuar o problema: incentivar estadias mais longas.
“Estamos num momento crítico, porque estamos para dar um salto quer qualitativo, quer quantitativo, e há necessidade de algumas decisões que passam mais pelo setor público do que pelo setor privado”, referiu ao ECO Gonçalo Rebelo de Almeida, administrador do Vila Galé, o segundo maior grupo de hotelaria nacional com 49 unidades em quatro países.
“Estamos a falar essencialmente de grandes infraestruturas ou de decisões relacionadas com a nossa transportadora aérea, que têm um impacto transversal no país inteiro e essas estão muito dependentes mais até do público do que do privado”, sublinha.
A decisão tomada pelo Governo, em maio do ano passado, de construir um novo aeroporto para região de Lisboa em Alcochete “tinha de ser tomada, é o que é”, diz o gestor, recordando que a solução ainda tem um horizonte temporal de 12 anos, com a inauguração prevista para 2037.
O administrador do grupo Vila Galé alerta contudo, que a solução do aeroporto em Alcochete “tem desafios do ponto de vista de desenvolvimento, não só do investimento que é necessário para a nova infraestrutura aeroportuária, como das infraestruturas acessórias e, portanto, uma terceira travessia do Tejo, gasodutos, reforço de energias, todo o desenvolvimento quase que de uma nova cidade do lado de lá”.
É um setor que vai estagnar durante os próximos dez, 12 anos e isto significa que não se pode aumentar a oferta, por um lado, porque senão são os mesmos clientes a distribuir por mais, e vai-se perder a dinâmica de tentar captar novos mercados, desenvolver novos destinos
“Estamos com a capacidade de Lisboa perfeitamente esgotada“, alerta. Admite que há alguns ajustes que podem ser feitos que ainda podem permitir algum crescimento do número de passageiros no Humberto Delgado, mas serão insuficientes para resolver o problema.
“É um setor que vai estagnar durante os próximos dez, 12 anos e isto significa que não se pode aumentar a oferta, por um lado, porque senão são os mesmos clientes a distribuir por mais, e vai-se perder a dinâmica de tentar captar novos mercados, desenvolver novos destinos”, vinca Rebelo de Almeida.
Somar um dia na estadia média
Bernardo Trindade, presidente da Associação da Hotelaria de Portugal e administrador do grupo PortoBay Hotels & Resorts, também saúda a decisão de construir o aeroporto, mas deixa alertas. “Uma decisão é sempre importante, mas não nos iludamos, estamos a falar de uma intervenção, de um novo aeroporto com as suas diversas implicações, que demorará certamente uma década e meia“.
“O país não pode ser interrompido”, diz o gestor. “Eu não gostaria de voltar ao tema do Montijo. Porque o tema do Montijo não só era mais rápido, era mais barato e estava neste momento em funcionamento”, lamenta.
Neste momento a estadia média em Portugal é de 2,51 dias. E se nós somarmos mais um dia, passarmos para 3,51 dias e para os mesmos 31 milhões de hóspedes, passaremos de 80 milhões de dormidas para 114 milhões
Até à abertura do novo aeroporto, há que encontrar alternativas. “E uma delas, temos sido relativamente vocais desse ponto de vista, que é no fundo fazermos uma campanha de aumento da estadia média“, acrescenta Trindade.
O gestor partilha que neste momento a estadia média em Portugal é de 2,51 dias. “E se nós somarmos mais um dia, passarmos para 3,51 dias e para os mesmos 31 milhões de hóspedes, passaremos de 80 milhões de dormidas para 114 milhões“, explica.
Gonçalo Rebelo de Almeida concorda com a estratégia. “Se nós não conseguimos crescer no número de pessoas, temos de fazer com que as pessoas que nos visitam fiquem mais tempo”, defende. “Há algumas estratégias de comunicação, de promoção, de incentivo à estadia, porque é o mesmo lugar de avião, não sobrecarregamos a capacidade aérea, mas aumentamos o rendimento disponível e, no fundo, depois do ponto de vista das outras atividades, interessa mais o número de dias que o turista cá fica”.
Como é que o Governo pode ajudar nessa tarefa? “Pode incentivar, no fundo é uma articulação com os privados no tipo de comunicação que se faz do próprio produto e do destino, mostrá-lo de uma forma que justifique a permanência por mais tempo”, explica o gestor do Vila Galé.
Sublinha que turistas americanos ou brasileiros já ficam mais tempo. “Vamos apostar mais em mercados que têm tendência ou propensão para ficar mais tempo em detrimento dos que têm propensão para ficar menos tempo, essa é outra estratégia”.
TAP: Vocação estratégica ao serviço do país tem de ser assegurada
Bernardo Trindade, que foi administrador não-executivo da TAP entre junho de 2017 e junho de 2021, acredita que a companhia aérea nacional também pode ajudar a atenuar a estagnação no setor do turismo.
“Hoje estamos a falar de um problema de limitação no aeroporto Humberto Delgado e quem melhor que a TAP pode protagonizar em Portugal alternativas que permitam, neste tempo, até à conclusão do novo aeroporto, a construção de pequenos hubs que, de alguma maneira, alimentem o interesse por Portugal?”, refere. O Algarve, o Porto, a Madeira têm infraestruturas aeroportuárias, têm capacidade de receção, “e se de alguma maneira podermos usar o instrumento TAP para cumprir esse objetivo, acho que é algo que pode ser pensado”.
“Desse ponto de vista, a manutenção da sua vocação estratégica de serviço a Portugal deve ser absolutamente assegurada“, explica, referindo-se a um dos critérios que vê como cruciais no processo de reprivatização da TAP que o novo Governo vai agora retomar. “A TAP é absolutamente instrumental para as preocupações que se relacionam com o setor. Em primeiro lugar, a perceção pública da TAP hoje, da sociedade portuguesa em geral, é obviamente muito melhor do que aquela que nós tínhamos”, acrescenta.
“E esta perceção pública e o interesse é percecionado não só pelos portugueses, como inclusivamente pelos grandes grupos de aviação que estão neste momento interessados na TAP”, adianta, referindo-se aos três candidatos à corrida pela TAP – a alemã Lufthansa, o grupo franco-neerlandês Air France – KLM e o IAG, grupo que controla a Iberia e a British Airways.
“Perguntar-me-á, mas a TAP precisa de um balanço robusto? Precisa, e precisa de entrada de capital fresco, de expertise no negócio da aviação e isso um grande grupo de aviação pode assegurar”. Bernardo Trindade não declara preferência por qualquer dos candidatos, reconhece que estão todos disponíveis para comprar uma participação, ainda que minoritária, mas pede que o comprador escolhido “assegure a ligação ao país”.
O presidente da AHP vinca que a TAP no aeroporto de Lisboa, e ainda que com quatro companhias aéreas a voar dos Estados Unidos para Portugal, é responsável por 65% dos lugares e 50% no Porto, partilhando com a United essa responsabilidade. “Esta dinâmica não se pode perder e, portanto, se nós temos uma limitação aeroportuária que só vai ser resolvida daqui por uma década e meia, então utilizemos os instrumentos que temos”.
“Uma campanha de aumento da estadia média é importante e a manutenção da TAP para cumprir, digamos, este objetivo nacional de não perder procura utilizando outras infraestruturas aeroportuárias pode efetivamente ser um caminho”, conclui.
Mais interessante, no fundo, do que a preocupação de quem é quem [nos interessados à privatização], é o que eles querem fazer com a companhia e se isso vai ou não beneficiar ou potenciar o crescimento do número de turistas para Portugal
Gonçalo Rebelo de Almeida também não demonstra preferência: “os três posicionados, no fundo estamos a falar dos três grandes grupos de aviação europeus, portanto do ponto de vista da solidez não me parece que apresentem assim grandes dúvidas“.
O administrador do Grupo Vila Galé diz que não conhece em detalhe as contas dos três grupos, “mas do ponto de vista estratégico dava jeito perceber o que é que eles querem fazer com a TAP, porque o facto de a TAP ter desenvolvido esta estratégia de ligação à América Latina, em particular ao Brasil, aos Estados Unidos, foi positiva para Portugal e é interessante que se mantenha”.
“Mas é interessante, no fundo, mais do que a preocupação de quem é quem, é o que é que eles querem fazer com a companhia e se isso vai ou não beneficiar ou potenciar o crescimento do número de turistas para Portugal”, adianta. “Na equação tem que se perceber o que é que se quer fazer. Em determinada altura, não nos interessa uma solução em que desmobilizem e haja menos rotas e menos frequências a partir de Portugal“.
(Gonçalo Rebelo de Almeida e Bernardo Trindade são os entrevistados no próximo episódio do podcast do ECO ‘À Prova de Futuro’, que será publicado na segunda-feira, 16 de junho)
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