Exclusivo Órgãos sociais da TAP SGPS renunciaram em bloco. Azul diz que está a ser preparado “incumprimento contratual”
Depois de ter ficado sem ativos, a sociedade a que a Azul reclama uma dívida de 177 milhões de euros, está sem administração e órgãos de fiscalização.
Os órgãos sociais da TAP SGPS, entretanto redenominada SIAVILO SGPS, renunciaram em bloco às suas funções entre o final de março e o início de junho, incluindo o conselho fiscal e o revisor oficial de contas. Depois de ter sido esvaziada de ativos, a sociedade a quem a Azul reclama uma dívida de 177 milhões de euros, ficou sem gestão e não há nota de terem sido nomeados substitutos.
Este é mais um sinal de que a SIAVILO, que é 100% detida pelo Estado, poderá deixar de existir e não pagar o valor pretendido pela companhia aérea brasileira.
Gonçalo Pires (administrador financeiro da TAP), Patrício Castro, Ana Lehmann e João Pedro Duarte foram os primeiros administradores a renunciar aos cargos, a 31 de março, de acordo com os atos societários consultados pelo ECO. Na mesma data cessaram funções Maria de Fátima Geada e a Baker Tilly, membros do conselho fiscal. Seguiram-se Mário Chaves, Mário Cruz e Sofia Lufinha (administradores executivos da TAP) a 30 de abril e, por fim, a 6 de junho, dá-se a renúncia do revisor oficial de contas, a PwC – PricewaterhouseCoopers & Associados.
Não foi publicada qualquer informação sobre a nomeação de substitutos para estes cargos. O ECO questionou o Ministério das Finanças, mas não obteve resposta até à publicação do artigo.
A renúncia dos órgãos sociais segue-se ao esvaziamento de ativos da antiga TAP SGPS. Na sequência dos 3,2 mil milhões de auxílios do Estado injetados durante e após a pandemia, a holding deixou de ter qualquer participação na TAP SA, dona da companhia aérea, em dezembro de 2021. Em janeiro deste ano, foi anunciada a venda à TAP SA de 100% da Portugália por 4,4 milhões de euros, da participação de 51% detida na Cateringpor e de 100% da UCS. Também extinta foi a participação na antiga Groundforce, agora Menzies Aviation, no âmbito do processo de insolvência. A participada sobrante, a M&E Brasil, foi colocada em processo de liquidação após vários anos de prejuízos crónicos.
Fonte da Azul afirma ao ECO que está a ser “preparado o incumprimento contratual já que a TAP SGPS, depois de ceder os ativos, nomeadamente à TAP S.A., se tornou uma empty shell [sociedade vazia]“.
A TAP está a ser dividida em ‘TAP má’ (TAP SGPS, agora denominada SIAVILO SGPS) sem património para fazer face às dívidas que assumiu perante credores privados (nomeadamente perante investidores estrangeiros) que, de boa-fé, lhe emprestaram dinheiro e ‘TAP boa’ (TAP S.A.) que será objeto de privatização.
“A TAP está a ser dividida em ‘TAP má’ (TAP SGPS, agora denominada SIAVILO SGPS) sem património para fazer face às dívidas que assumiu perante credores privados (nomeadamente perante investidores estrangeiros) que, de boa-fé, lhe emprestaram dinheiro e ‘TAP boa’ (TAP S.A.) que será objeto de privatização”, acrescenta a mesma fonte, que acusa o Estado português de “pactuar com tentativas ilícitas de discriminar credores privados e de se subtrair às obrigações que livremente assumiu”.
Incumprimento obriga a reembolsar dívida
O diferendo entre as duas companhias aéreas remonta ao verão passado, quando a Azul, em dificuldades financeiras, sugeriu o reembolso antecipado do empréstimo obrigacionista de 90 milhões de euros subscrito em 2016, quando David Neeleman era acionista das duas empresas e CEO da transportadora brasileira. A Parpública também participou na operação, avançando com um financiamento de 30 milhões de euros.
A Azul pediu ainda a confirmação da constituição das garantias do empréstimo, que incluem o programa de milhas da TAP (antigo Victoria, agora Miles & GO). A transportadora portuguesa e a holding recusaram e avançaram para tribunal, pedindo a nulidade das garantias por se tratar de um contrato de suprimentos entre sócios.
A companhia brasileira contesta esta interpretação e assinala que, em 2016, “a Azul não era acionista da TAP SGPS ou da TAP S.A. e não há razão para desqualificar a personalidade das pessoas coletivas mesmo quando tiveram, por um curto período de tempo, um sócio comum”. Considera mesmo a ação das empresas portuguesas “um exemplo de escola de má-fé”.
O caso conheceu um novo desenvolvimento a 15 de abril, quando foi deliberada a existência de um incumprimento no pagamento da dívida (default) pela TAP SGPS, numa assembleia extraordinária de obrigacionistas convocada pela Azul, como avançou o ECO.
O caso conheceu um novo desenvolvimento a 15 de abril, quando foi deliberada a existência de um incumprimento no pagamento da dívida (default) pela TAP SGPS, numa assembleia extraordinária de obrigacionistas convocada pela Azul, como avançou o ECO.
Foi também deliberado, com os votos a favor da companhia brasileira (75%) e contra da Parpública (25%), o reembolso imediato das obrigações, ficando o representante comum – a sociedade Bondholders, com sede em Valência – responsável pelo cálculo do valor devido e a sua cobrança.
O Banco Montepio enviou a 27 de maio uma nota de pagamento às partes envolvidas, com um prazo de 30 dias úteis, segundo avançou o Jornal de Negócios. Tendo em conta que as obrigações têm um juro composto de 7,5%, a reembolsar com o capital na maturidade, a Azul tem a receber 177 milhões de euros e a Parpública 58,4 milhões. Caso os montantes não sejam pagos, o representante comum poderá avançar com um processo de execução nos tribunais portugueses.
A polémica em torno do pagamento da dívida à Azul surge numa altura em que o Governo se prepara para avançar com a privatização da TAP, processo que foi interrompido com a queda do Executivo, em março. A companhia brasileira diz já ter alertado os interessados na operação — Grupo IAG, Lufthansa e Air France KLM — para a existência desde diferendo.
Já a Azul continua a atravessar dificuldades financeiras, tendo avançado este mês com um pedido de proteção de credores nos EUA. Neste âmbito, celebrou um acordo de financiamento de 1,6 mil milhões de dólares com a United Airlines e a American Airlines. A primeira tem há vários anos uma parceria com a Lufhtansa nos voos transatlânticos, sendo ambas membros da Star Alliance, há qual a TAP também pertence.
A passagem de David Neeleman pela TAP também esteve envolta em polémica. Além do empréstimo obrigacionista da Azul, o mais caro celebrado pela transportadora portuguesa, a companhia portuguesa alugou aeronaves à companhia brasileira para serem usadas pela Portugália. O empresário saiu do capital da TAP em 2020, recebendo 55 milhões pela sua participação de 22,5%.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Órgãos sociais da TAP SGPS renunciaram em bloco. Azul diz que está a ser preparado “incumprimento contratual”
{{ noCommentsLabel }}