M&A quer inverter “balde de água fria” do primeiro semestre. Empresas usam compras para crescer lá fora

Ainda sem Novobanco na tabela, entre 1 de janeiro e 27 de junho, contaram-se 240 operações de fusões e aquisições em Portugal no valor de 3,98 mil milhões. Mercado espera fluidez no novo semestre.

“Balde de água fria” foi uma das várias expressões, com o mesmo racional de surpresa e desalento, utilizadas pelos especialistas para caracterizar as fusões e aquisições durante a primeira metade deste ano. Apesar de a venda do Novobanco aos franceses do BPCE por 6,4 mil milhões de euros ser um negócio que irá certamente mexer com o mercado transacional português em 2025, o facto de ter sido fechada no feriado de Santo António atrasou o registo nos rankings e o M&A mantém-se a encarnado.

Entre os dias 1 de janeiro e 27 de junho, contabilizaram-se 240 operações de mergers & acquisitions (incluindo rondas capital de risco, investimento de private equity e compra de ativos) envolvendo empresas nacionais, das quais 201 transações concluídas e 103 com preço divulgado, de acordo com os dados enviados ao ECO pela TTR Data. O valor fixou-se nos 3,98 mil milhões de euros.

Trata-se de uma contratação de 35% em termos de capital mobilizado – embora menos de metade (43%) tenha publicado os valores praticados – e uma diminuição homóloga de 23% no número de negócios. Importa esclarecer que esta base de informação vai publicar o relatório trimestral consolidado nos próximos dias com os dados completos dos seis meses, incluindo a venda do Novobanco (que ainda não entrou nesta contagem).

“Tem sido um ano de emoções fortes. Entrámos em 2025 a deitar foguetes e com uma grande expectativa, porque havia um pipeline forte e muitos deals a serem preparados em vários setores, mas rapidamente apanhámos todos um duche de água fria”, disse ao ECO a advogada Mariana Norton dos Reis, à margem da conferência M&A and Private Equity Outlook.

Sofremos uma paragem, porque houve fatores que – macroeconómicos sobretudo e também a queda do Governo – que tiveram um impacto muito forte e trouxeram incerteza. A incerteza é o pior inimigo do investimento”, explicou a sócia de Comercial, Societário e M&A na Cuatrecasas.

A expectativa dos assessores é que a maré encarnada comece a esverdear no segundo semestre, desde logo pela necessidade que os fundos de private equity têm de vender para reinvestir – e as transações começaram a fluir. Álvaro Pires, cofundador e senior partner da Bain & Company, utiliza uma metáfora do atletismo para a conjuntura atual: estamos na linha de partida antes do salto para a caixa de areia.

Segundo Álvaro Pires, existe uma “grande pressão” para assinar vendas. “A indústria do private equity tem claramente de fazer deals. Têm o DPI [Distributed to Paid-In Capital] mais baixo dos últimos 20 anos. É um dos problemas fundamentais que têm agora, que lhes cria problemas em captação de financiamento, porque se não distribuem o dinheiro aos seus investidores, os investidores não podem depois reinvestir em private equity”, esclarece, alertando que falta liquidez no mercado.

EDP, CTT, Bondalti e Logoplaste usam M&A para conquistar globo

Os CTT – Correios de Portugal souberam aproveitar o momentum antes do “duche de água fria” com a aquisição da espanhola Cacesa por 104 milhões de euros e a sociedade conjunta (joint venture) com a alemã DHL ambas em dezembro. O CEO, João Bento, contou que a decisão de crescimento inorgânico se deveu essencialmente a duas razões: escala e expandir na cadeia de valor. Ou seja, posicionar os CTT como um operador postal ibérico e evitar que determinados clientes tivessem de ter dois contratos diferentes (um espanhol e um português).

O caso DHL, a maior empresa de logística do mundo, tem trâmites diferentes e envolveu mais “criatividade”. Como tem uma presença pequena em Portugal e em Espanha é forte em B2B (segmento empresarial), mas não tanto em B2C (consumidores), os germânicos viram nos CTT uma ponte para consolidação. A operação, que é “complexa” e teve de ser apresentada como joint control para mitigar obstáculos dos reguladores, deverá ser aprovada no último trimestre de 2025. “Acreditamos que não vai ter de ir para investigação aprofundada”, antecipou João Bento sobre a análise que decorre em Bruxelas.

A Bondalti, que tem em curso uma OPA à espanhola Ercros, iniciou-se nas compras em 2001 com a Elnosa, de Pontevedra. A estratégia continua quase meio século depois, porque a companhia de químicos está “numa boa posição económica e financeira para o fazer pelos resultados estáveis e nível de dívida líquida”, garantiu o administrador financeiro. Os próximos alvos podem ser empresas com expertise em digitalização e compliance, dado que a indústria química “está em reconfiguração”.

“O M&A é o driver para o nosso crescimento. Foi-o no passado, é no presente e sê-lo-á no passado. Precisamos de escala para ser possível competir no setor químico, que tem players relevantes da China e outros países concorrentes”, realçou Luís Rebelo da Silva

O M&A é o driver para o nosso crescimento. Foi-o no passado, é no presente e sê-lo-á no passado. Precisamos de escala para ser possível competir no setor químico, que tem players relevantes da China e outros países concorrentes

Luís Rebelo da Silva

CFO da Bondalti

O secretário de Estado da Economia, João Rui Ferreira, afirmou neste evento que é hora de pensar noutras geografias e, dada a incerteza com os Estados Unidos, “olhar para a diversificação de mercados”, embora com uma abordagem “cautelosa”, porque é lá onde está “o valor acrescentado de muitas das nossas indústrias”.

É o caso da Logoplaste, que tem 50% do negócio nos Estados Unidos. “Não temos uma estratégia de M&A. Temos uma estratégia de crescimento, do qual o M&A faz parte”, clarificou a CEO da firma de embalagens, Sandra Santos, sublinhando que os maiores desafios são criar mentalidade de empreendedorismo nas empresas que compram e garantir que a cultura faz bem o mix com a nova participada/subsidiária.

“Tal como a Logoplaste, não temos uma estratégia de M&A per se. Faz parte da estratégia de crescimento”, constatou o Chief Financial Officer (CFO) da EDP, Rui Teixeira. E, tal como a Logoplaste, os Estados Unidos são cruciais e representam 50% do crescimento das energias renováveis.

Na opinião do CFO da EDP, para se fechar bons negócios é preciso mais lucidez e discernimento – noutras palavras, os fundadores e empresários têm de deixar de ver as companhias como o “bebé deles”. “Vender em Portugal ou no mercado espanhol tem sempre uma discussão emocional em causa. É preciso trazer racionalidade a estes debates e à forma como endereçamos as transações de M&A”, advertiu Rui Teixeira.

Aumento da dedução dos gastos com financiamento para aquisições avança

Perante a audiência de empresários, o secretário de Estado da Economia adiantou que o Governo “vai avançar” com o aumento da dedutibilidade dos gastos de financiamento incorridos em operações de concentração, que estava previsto no programa ‘Acelerar a Economia’, tal como a revisão do regime da dedutibilidade fiscal do goodwill (património e ativos intangíveis da empresa) “para que se crie um enquadramento mais favorável ao dinamismo do M&A”.

“Em 2024, o investimento direto de Portugal no exterior cresceu 19% para cerca de 6,2 mil milhões de euros, o que foi o maior volume de investimento de empresas portuguesas no estrangeiro desde 2015”, recordou João Rui Ferreira, acrescentando que existe consenso no país, mesmo entre partidos políticos, de que é preciso uma lógica de escala internacional e trabalho em rede.

Empresas portuguesas, investidores nacionais e estrangeiros, Governo e assessores jurídicos e financeiros estiveram reunidos no mesmo auditório em Lisboa a partilhar as suas visões sobre o M&A, demonstrando unanimidade sobre a necessidade de consolidação para o país ganhar dimensão.

O cofundador e senior partner da Bain apela a mais cooperação entre as partes. “Tipicamente, estes três mundos estão separados, mas já vimos que os investidores não se veem entre eles como competidores, e muito menos as empresas. Estes grupos distintos (administração corporativa, private equity e Governo) têm de trabalhar mais vezes juntos”, sugere Álvaro Pires.

“Foi interessante ver os vários mundos, receber uma impressão positiva do Governo (ver que há, pelo menos, intenção e compromisso de estimular o crescimento económico e o fortalecimento das empresas e o investimento estrangeiro) e ver as perspetivas dos empresários portugueses, que se querem internacionalizar e converterem em global players, e dos fundos internacionais sobre o que vêm procurar”, corroborou a advogada Mariana Norton dos Reis.

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