Exclusivo Baixa do IRS do Governo passa no primeiro teste com a abstenção do PS. Ventura tenta novo alívio fiscal
Proposta de redução de 500 milhões de euros é aprovada na generalidade com a ajuda dos socialistas para depois passar ao debate na especialidade. Chega pretende descida entre o 2.º e o 5.º escalões.

“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”. O poema de Luís Vaz de Camões serve que nem uma luva para caracterizar o novo clima político entre o Governo de Luís Montenegro e o PS de José Luís Carneiro. A descida das taxas de IRS nos escalões mais elevados, no 7.º e 8.º, que abrangem salários brutos mensais entre cerca de 3.200 e 6.500 euros, já não será um braço de ferro entre a Aliança Democrática (AD) – coligação PSD/CDS e os socialistas, como na era de Pedro Nuno Santos.
Desta vez, o muro caiu e a orientação será deixar passar pela abstenção a proposta do Executivo para uma nova redução do imposto em 500 milhões de euros, apurou o ECO junto de várias fontes próximas do núcleo duro do PS de Carneiro. A votação na generalidade está marcada para o plenário desta sexta-feira, depois de o Parlamento ter aprovado o pedido de urgência do Governo para apreciar a iniciativa.
Bastará a ajuda dos 58 socialistas para a iniciativa da AD, com 91 parlamentares, ser aprovada por larga maioria e baixar para o debate na especialidade, mesmo que os 81 deputados das restantes bancadas — inclusivamente a do Chega, composta por 60 cadeiras — votem contra.
O partido de André Ventura, agora líder da oposição, ainda vai tentar forçar uma redução mais pronunciada nos patamares mais baixos de rendimento, designadamente entre o 2.º e 5.º escalões e a um aumento das deduções com despesas com rendas de habitação própria permanente, ao arrastar para votação dois projetos próprios, mas o mais certo é que sejam chumbados por AD e PS em nome das contas certas. No entanto, do lado do PSD, o mantra repete-se. “Vamos falar com todos, todos, todos!”, diz o líder do grupo parlamentar Hugo Soares.
Desfeitos os nós do tempo de Pedro Nuno Santos, o PS deverá viabilizar pela abstenção a proposta do Executivo de redução das taxas do imposto entre 0,40 e 0,60 pontos percentuais até ao 8.º e penúltimo escalão, aplicando um alívio mais acentuada entre o 4.º e 6.º níveis de tributação.
A medida terá um custo de cerca de 500 milhões de euros que se irão sentir no bolso dos contribuintes ainda este ano, por via da descida das tabelas de retenção na fonte com retroativos a janeiro e com efeitos já em agosto ou setembro, em véspera das eleições autárquicas, como pretende o Ministério das Finanças. Mas, para isso, é preciso que o diploma seja aprovado até 16 de julho, último plenário com votações antes da Assembleia da República encerrar para férias.
“Somos favoráveis à redução de impostos sobre o trabalho, mas é preciso coadunar isso com contas públicas certas para não termos depois de cortar salários e pensões”, afirma ao ECO um fonte próxima da bancada rosa, que vai ser liderada por Eurico Brilhante Dias — funções que assumiu na era de maioria absoluta de António Costa.
Sem querer levantar grandes ondas, os socialistas também não tencionam apresentar, para já, iniciativas próprias ou projetos de alteração. “A ideia é deixar passar a proposta do Governo para se fazer o debate na especialidade e aí a AD terá de explicar como vai coadunar isto com contas equilibradas”, segundo outra fonte socialista.
Já não existe o bloqueio com Pedro Nuno Santos, que abandonou os comandos do partido, depois do terramoto eleitoral que atirou os socialistas para terceira força política no Parlamento. Há um ano, o então secretário-geral do PS traçou uma linha vermelha e travou a descida das taxas nos escalões mais elevados (7.º e 8.º), e conseguiu, em coligação com o Chega, fazer passar um projeto autónomo que baixou o imposto apenas até ao 6.º patamar de tributação.
Na altura, foi viabilizada a iniciativa dos socialistas, com a abstenção do partido de André Ventura, que aplicou uma descida das taxas entre 0,25 e 1,50 pontos percentuais até ao 6.º nível de tributação, isto é, até aos 41.629 euros anuais de matéria coletável, o que corresponde a um vencimento mensal bruto de cerca de 3.000 euros, para um contribuinte não casado e sem dependentes. Agora, o recém-eleito líder do PS, José Luís Carneiro, está mais aberto a firmar pactos com Luís Montenegro em várias matérias, incluindo impostos.
A ideia é deixar passar a proposta do Governo para se fazer o debate na especialidade e aí a AD terá de explicar como vai coadunar isto com contas equilibradas.
Do PS chegam, porém, alertas de risco de desequilíbrio orçamental já para este ano com o impacto de uma nova redução do IRS, e tendo em conta as projeções do Banco de Portugal (BdP) para um défice de 0,1% e do Conselho das Finanças Públicas para um saldo nulo de 0,0%, ainda que o Governo mantenha as perspetivas mais otimistas de um excedente de 0,3%.
Para além disso, o PS continua crítico da descida das taxas no 7.º e 8.º escalões, por ser “excessiva” e por “beneficiar os ordenados mais altos”. “Com esta medida, o salário médio de 1.500 ou 2.000 euros não será o maior beneficiado”, sublinham. “É possível manter a proposta do Governo tal como está fazendo depois ligeiros acertos”, salientam outras vozes ligadas à direção socialista.
A proposta de lei que o Governo submeteu à Assembleia da República determina um recuo fiscal em 0,40 pontos percentuais para o 7.º e 8.º escalões, que ficam com taxas de 43,10% e 44,60%, respetivamente; em 0,50 pontos para o 1.º, 2.º e 3.º patamares de rendimento, que passam a ser tributados a 12,50%, 16,00% e 21,50%; e uma redução de 0,60 pontos para o 4.º, 5.º e 6.º níveis, que serão taxados a 24,40%, 31,40% e 34,90%.
O presidente do partido de extrema-direita, André Ventura, já disse que está disponível para negociar a proposta do Governo, se este aceitar descer os escalões mais baixos e garantir aumentos de deduções fiscais com habitação. E afastou uma eventual nova coligação negativa. “Não me parece, acho que se houver boa vontade do Governo esse cenário não vai acontecer”, afirmou.
Espero [esta quinta-feira] poder anunciar ao país que, em matéria de descida de impostos chegámos ao mínimo consenso possível.
“O Chega vai propor alterações de diminuição da incidência fiscal nos escalões mais baixos, isto é, onde se ganha menos e onde se ganha abaixo do salário médio, e vamos propor que essa descida seja maior”, explicou Ventura. Por outro lado, o partido quer garantir um aumento das deduções em matéria de despesas de habitação. “Se estas duas metas forem assumidas também pelo Governo, eu diria que temos condições para conseguirmos rapidamente, nos próximos meses, ter um pacote fiscal em termos de IRS”, sinalizou Ventura.
O projeto do Chega, de uma maior redução das taxas, entre o 2.º e o 5.º escalões, face à proposta do Executivo não deverá ser viabilizada, ainda que o líder do grupo parlamentar do PSD, Hugo Soares, mantenha a tese de que irá dialogar tanto com PS como com o partido de Ventura. “Vamos conversar com todos, todos, todos!”, afirmou em declarações ao ECO.
O partido de extrema-direita propõe assim uma descida mais substancial de 0,80 pontos percentuais para o 2.º e 3.º patamares de tributação, fixando as taxas em 15,70% e 21,20%, respetivamente. Para o 4-º e 5.º escalões, quer baixar a carga fiscal em 0,90 pontos, estabelecendo as taxas em 24,10% e 31,20%.
Mas a iniciativa não deverá passar pelo crivo do Parlamento, pelo menos com o apoio do PS, que considera que “não faz sentido votar agora um projeto à parte quando ainda está em jogo a proposta do Governo”. “O que queremos é dar espaço à proposta do Governo na especialidade”, indicam fontes próximas da direção socialista.
O risco de um maior desequilíbrio das contas públicas é outro dos argumentos invocados pela bancada rosa para contestar o projeto do partido de extrema-direita. “Ao querer baixar ainda mais as taxas, o custo será certamente muito maior”, antevê o PS.
Vamos conversar com todos, todos, todos!
No entanto, o deputado do Chega, Eduardo Teixeira, defende que “a fatura será sensivelmente a mesma, isto é, de cerca de 500 milhões de euros, tal qual a proposta do Governo”, indicou ao ECO. O parlamentar não se opõe à iniciativa do Executivo, mas considera que “é necessário ir mais além na redução das taxas dos escalões mais baixos e nas deduções com despesas de rendas de habitação”.
Sem querer adiantar o sentido de voto em relação à proposta do Executivo, Eduardo Teixeira diz apenas que o “o partido está expectante quanto à forma como o PSD se irá posicionar em relação ao projeto do Chega”. André Ventura reúne-se esta quinta-feira com Luís Montenegro e espera chegar a um entendimento com o Governo.
“Espero [esta quinta-feira] poder anunciar ao país que, em matéria de descida de impostos chegámos ao mínimo consenso possível para aprovar já na sexta-feira medidas que entrem em vigor rapidamente no país”, afirmou o líder do Chega, citado pela Lusa.
O partido de André Ventura também deu entrada de uma iniciativa para subir a dedução com rendas de habitação própria e permanente até aos 850 euros, um projeto que “não faz sentido algum” para o PS, tendo em conta que, “no ano passado, os socialistas já tinham conseguido aprovar uma proposta que aumenta faseadamente as deduções até aos 800 euros até 2027”, justificaram fontes socialistas próximas da nova direção.
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