Plano anticorrupção do Governo falha na publicidade de conflitos de interesses e pedidos de escusa

Executivo explica que o documento foi feito em articulação com as recomendações do Mecanismo Nacional Anticorrupção, mas não especifica as soluções a adotar em casos de risco.

O plano de prevenção e riscos do Executivo, publicado com oito meses de atraso, e já depois de ter rebentado o caso Spinumviva, falha na publicidade dos conflitos de interesses e dos pedidos de escusa dos governantes, duas das recomendações do Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC). No entanto, fonte oficial do Ministério da Presidência, que tutela esta área, explica ao ECO que o documento foi feito “em articulação” com aquele organismo, ainda que não detalhe as soluções a adotar em casos de risco.

O tema ganha uma dimensão ainda mais premente quando se sabe que o primeiro-ministro e outros governantes emitiram 31 pedidos de oposição à Entidade para a Transparência (EpT) na divulgação de dados que constam das suas declarações de rendimentos e de interesses, que têm de ser entregues obrigatoriamente ao Tribunal Constitucional. Dessas solicitações, a EpT revelou que apenas foi reconhecido o direito ao sigilo dos dados em cinco casos e em dois parcialmente, segundo noticiou o Expresso.

Entre os pedidos para não revelação de dados estará o da ministra do Trabalho, Maria do Rosário Palma Ramalho, relativamente à morada da casa que a mãe lhe doou e que a governante não quer que seja publicamente divulgada, uma vez que ainda se trata da residência da progenitora, tal como o ECO noticiou.

Entretanto, a EpT respondeu ao ECO que, neste momento, e após Luís Montenegro ter recorrido para impedir a divulgação de outros clientes da Spinumviva, “não foram interpostos outros recursos para o Tribunal Constitucional, sendo puramente especulativa qualquer conjetura sobre o desfecho desse recurso, nesta fase”.

O plano de prevenção e riscos de corrupção e infrações conexas (PPR) do Governo “deveria ser um farol da transparência e uma forma de trazer confiança junto dos cidadãos, mas acaba por ser uma mão cheia de nada”, critica o advogado Francisco Pimenta, da CCA Law Firm, em declarações ao ECO.

Ao contrário da enumeração de medidas para prevenção de uma série de conflitos de interesse, o plano em causa não identifica outras dedicadas à publicitação dos mesmos e dos pedidos de escusa dos gabinetes do Executivo. “No plano não está previsto, em lado algum, a publicidade do registo de interesses dos titulares de cargos políticos e a publicidade dos pedidos de escusa, tal como recomenda o MENAC”, afirma o especialista em compliance.

No plano não está previsto, em lado algum, a publicidade do registo de interesses dos titulares de cargos políticos e a publicidade dos pedidos de escusa, tal como recomenda o MENAC.

Francisco Pimenta

Advogado da CCA Law Firm

A corrupção “envolve ser beneficiado pura uma decisão, por isso é importante que se conheça o conflito de interesses e esses conflitos de interesses deveriam ser publicitados assim como os pedidos de escusa”, reforça João Moreira Rato, presidente do Instituto Português de Corporate Governance (IPCG), em declarações ao ECO.

Numa empresa privada, precisa Moreira Rato, “quando há partes relacionadas, quando um administrador faz negócios com uma prima, essa relação deve ser divulgada no relatório e contas da empresa para os acionistas”. “Por isso, não vejo razão para que não existam os mesmos critérios de transparência para o Estado. Neste caso, o cidadão, o contribuinte também deveria saber quando um político pede escusa porque tem uma determinada influência”, defende.

Neste sentido, “o primeiro-ministro, Luís Montenegro deveria divulgar pelo menos todos os clientes da Spinumviva com quem pudesse eventualmente ter conflitos de interesse, por que faz parte dos princípios da transparência”, continua Moreira Rato.

O primeiro-ministro, Luís Montenegro deveria divulgar pelo menos todos os clientes da Spinumviva com quem pudesse eventualmente ter conflitos de interesse, por que faz parte dos princípios da transparência.

João Moreira Rato

Presidente do Instituto Português de Corporate Governance (IPCG)

Para além disso, o documento “tinha que mencionar, como menciona no quadro que tem os conflitos de interesse, as situações da atividade, do dia-a-dia da atividade do Governo que pudessem levantar riscos de corrupção, como, por exemplo, reuniões, tudo o que seja relacionado muito com a questão do lobby”, aponta Francisco Pimenta. “Reuniões à porta fechada com setores empresariais, entre um secretário de Estado e representantes de determinados setores empresariais, por exemplo”, sinaliza ainda. Neste caso, constata, “ninguém sabe o que se terá passado naquela reunião, é um risco”.

Apesar das críticas, o Ministério da Presidência, tutelado por António Leitão Amaro, escuda-se na forma como o plano de prevenção e riscos foi redigido: “No corpo da resolução do Conselho de Ministros n.º 102/2025 faz-se referência ao propósito do Plano de Prevenção de Riscos do Governo – garantir que os gabinetes dos membros do Governo, apesar de não serem considerados entidades abrangidas pelo Regime Geral da Prevenção da Corrupção, devem dispor de mecanismos que fomentem a transparência e previnam os riscos de corrupção e infrações conexas”. “Assim, todo o plano é pensado e previsto com este objetivo de fundo, que condiciona as suas opções fundamentais”, argumenta a mesma fonte oficial.

No entanto, alerta Moreira Rato, “estas questões não são abstratas, são concretas”. “Se o Estado faz negócio com um familiar é preciso que se saiba e se participa nas decisões”, frisa. E, para Francisco Pimenta, “mesmo as medidas para prevenir conflitos de risco são muito genéricas”. “Quais são os critérios? Não sabemos quais são. Quais são as metodologias? Também não sabemos quais são. Portanto, são generalidades. Assim, o grande problema é que não só não falamos em corrupção e infrações conexas, como daquilo que falamos, que é só conflito de interesses, falamos em generalidades”, assinala.

Aquando da emissão destas recomendações do MENAC, já se encontrava aprovado o plano de prevenção de riscos do Governo.

Ministério da Presidência

O advogado lembra que, “na sequência do caso Spinumviva, o MENAC emitiu duas recomendações ao Governo para publicitar os conflitos de interesse e os pedidos de escusa, o que não consta do tal plano”, insiste. Mas o Ministério de Leitão Amaro defende-se, dizendo que, “aquando da emissão destas recomendações do MENAC, já se encontrava aprovado o plano de prevenção de riscos do Governo”.

Para além disso, refere que “a publicação do plano era opcional, uma vez que se trata de um documento político – de organização interna do Governo, o que”, ainda assim, “não impediu a sua aplicação interna”. “O plano é uma prática inovadora em governos”, sublinhou.

Ora esse caráter voluntário é contestado por Francisco Pimenta que defende tratar-se de um “documento obrigatório que decorre do decreto-Lei n.º 109-E/2021 de 9 de dezembro, que cria o Mecanismo Nacional Anticorrupção e estabelece o regime geral de prevenção da corrupção.

O artigo 5.º do referido diploma estabelece que “as entidades abrangidas adotam e implementam um programa de cumprimento normativo que inclua, pelo menos, um plano de prevenção de riscos de corrupção e infrações conexas (PPR), um código de conduta, um programa de formação e um canal de denúncias, a fim de prevenirem, detetarem e sancionarem atos de corrupção e infrações conexas, levados a cabo contra ou através da entidade”.

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