Euronext quer liderar mercado de 11 biliões de euros de repos na Europa

A Euronext aposta no mercado de "repurchase agreements" (repos), expandindo a oferta para obrigações de Espanha, Portugal e Irlanda, desafiando gigantes instalados e antecipando mudanças regulatórias.

A Euronext está decidida a marcar posição no crescente mercado europeu de repos. A bolsa pan-europeia lançou uma ofensiva para expandir os seus serviços de clearing destes instrumentos financeiros para lá das tradicionais operações com dívida italiana, apostando numa plataforma que já esta semana começará a oferecer repos sobre obrigações soberanas de Espanha, Portugal e Irlanda.

“O lançamento da Repo Foundation é um importante passo em frente na concretização da estratégia Innovate for Growth 2027 da Euronext”, refere Anthony Attia, diretor global de derivados e pós-negociação da Euronext, em comunicado.

A estratégia da Euronext surge num momento em que o mercado europeu de repos — instrumentos que permitem às instituições obter financiamento de curto prazo através da venda temporária de títulos de dívida que têm em carteira com compromisso de recompra — atravessa uma fase de transformação.

Segundo o mais recente inquérito da Associação Internacional dos Mercados de Capitais (ICMA) publicado em abril, o mercado europeu de repos fechou 2024 com a primeira contração desde 2020, com o valor de negociação a recuar 2,3% para 10,8 biliões de euros, depois de em junho ter alcançado um montante recorde de 11,11 biliões de euros.

A relevância dos repos é tal que constituem uma fonte crucial de financiamento para grandes instituições financeiras, como o Banco Central Europeu que recorre a estes produtos como principal instrumento da transmissão das operações da política monetária.

Os repos, abreviatura de “repurchase agreements” (acordos de recompra), são operações financeiras fundamentais para o funcionamento dos mercados monetários. Na prática, funcionam como empréstimos de curto prazo garantidos por títulos: uma parte vende temporariamente valores mobiliários (normalmente obrigações do Estado) a outra parte, comprometendo-se simultaneamente a recomprá-los numa data futura a um preço ligeiramente superior. A diferença entre o preço de venda e de recompra constitui os juros pagos pelo mutuário, servindo assim dois propósitos essenciais:

  • Por um lado, permitem que investidores com excesso de liquidez, como fundos de investimento, seguradoras ou mesmo bancos centrais, obtenham rendimento sobre os seus fundos disponíveis.
  • Por outro, oferecem às instituições que detêm carteiras de títulos uma forma eficiente de obter financiamento de curto prazo, utilizando esses mesmos títulos como garantia.

Os repos são maioritariamente utilizados por bancos e sociedades gestoras de fundos de investimento, que os usam tanto para aplicar temporariamente excedentes de liquidez como para obter financiamento garantido. Em Portugal, o IGCP também é um participante ativo neste mercado, sendo que a agência responsável pela gestão da dívida nacional utiliza operações de reporte (repos) para satisfazer necessidades pontuais de tesouraria do Estado português.

A relevância destes instrumentos é tal que constituem uma fonte crucial de financiamento para grandes instituições financeiras, com o Banco Central Europeu a utilizá-los como principal instrumento das suas operações de política monetária. Estima-se que, globalmente, cerca de um bilião de dólares seja transacionado diariamente nos mercados de repos.

É com estes potenciais clientes em mente que a Euronext pretende alavancar o seu negócio através da Repo Foundation. No entanto, a expansão da Euronext no clearing de repos representa um desafio direto aos players dominantes do mercado europeu.

A Euronext está a apostar que o futuro do mercado europeu de repos passará por uma maior centralização e padronização – uma visão que poderá revelar-se vencedora se os reguladores europeus seguirem o exemplo americano.

A principal concorrência vem da LCH RepoClear, a maior câmara de compensação europeia para repos, que desde 1999 oferece serviços de clearing para obrigações do Estado francês, tendo depois expandido para os mercados italiano, espanhol, alemão e belga. Em 2019, a LCH estendeu os seus serviços a oito mercados adicionais, incluindo dívida austríaca, holandesa, finlandesa, irlandesa, portuguesa, eslovaca, eslovena e supranacionais.

Outro concorrente significativo é a Eurex Repo, oferecida pela Eurex Repo GmbH, que se posiciona como uma das principais fornecedoras europeias de financiamento garantido no mercado monetário. O seu segmento GC Pooling é considerado a referência europeia para financiamento garantido padronizado com clearing central. Curiosamente, a Comissão Europeia aderiu em outubro ao segmento de repos da Eurex, tornando-se o 165.º participante.

A Euronext tem pela frente um desafio considerável, mas também vantagens competitivas. Durante mais de 25 anos, foi “a casa de confiança” do clearing de repos italianos, facilitando transações de dívida pública italiana através da plataforma de negociação MTS.

Esta experiência consolidada, aliada ao facto de ser uma das maiores câmaras de compensação da Europa em termos de valor compensado, constitui uma base sólida para a expansão. “Começamos agora a divulgar a plataforma. Ainda não fizemos a apresentação a todos os potenciais clientes que venham a ter interesse neste produto”, refere Isabel Ucha, CEO da Euronext Lisboa, ao ECO, mas prevendo que “poderá haver algum interesse”.

Talk "Fusões e Aquisições" - 21JUN23
Isabel Ucha, CEO da Euronext Lisboa, acredita que o mercado de repos através da Repo Foundation da Euronext terá uma boa adesão junto dos investidores nacionais, mas não avança com qualquer meta em termos de volume de negociação nem números de intervenientes.Hugo Amaral/ECO

O desafio regulatório e a antecipação europeia

Um dos aspetos mais significativos desta estratégia de expansão prende-se com as expectativas regulamentares futuras. Yama Darriet, responsável pelos mercados fora de bolsa (OTC) e Repo Expansion do grupo Euronext, afirma que a empresa está “a antecipar uma situação semelhante ao que sucede nos EUA na Europa para que o repo seja obrigatório pelo regulador europeu”.

Esta declaração ganha particular relevância observando os desenvolvimentos regulamentares nos EUA. Em dezembro de 2023, o regulador norte-americano — Securities and Exchange Commission (SEC) — aprovou uma nova regulamentação que tornará obrigatório o clearing central da maioria das transações do mercado de Treasuries americanos. O clearing de títulos do Tesouro americano tornar-se-á obrigatório até dezembro de 2026, enquanto as operações de repo deverão ser compensadas centralmente a partir de junho de 2027.

Na Europa, embora ainda não exista um mandato semelhante especificamente para repos, o Regulamento EMIR (European Market Infrastructure Regulation) já obriga ao clearing central de derivados OTC padronizados e líquidos. Recentemente, o Conselho da União Europeia adotou novas regras que reveem o EMIR, para tornar o panorama de clearing da União Europeia mais atrativo e resiliente.

A possibilidade de uma regulamentação semelhante à americana emergir na Europa representaria uma oportunidade significativa para câmaras de compensação bem posicionadas como a Euronext. Num mercado onde se estima que apenas uma fração das operações de repo seja atualmente compensada centralmente, um mandato obrigatório poderia transformar radicalmente a paisagem competitiva.

A iniciativa da Euronext de expandir o clearing de repos representa assim uma resposta estratégica a um mercado em evolução, posicionando-se para capturar oportunidades num setor que, apesar dos desafios atuais, mantém dimensões impressionantes.

Com mais de 50 membros internacionais de clearing e processando diariamente mais de 6 mil operações, incluindo negociação eletrónica e OTC, a Euronext está a apostar que o futuro do mercado europeu de repos passará por uma maior centralização e padronização — uma visão que poderá revelar-se vencedora se os reguladores europeus seguirem o exemplo americano.

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