Chegar à meta de 5% da NATO obriga a gastar 2,5 vezes o orçamento para a Educação

Com PIB a crescer 2% ao ano, meta de 5% significará, em 2035, um esforço orçamental superior a 18 mil milhões de euros. Mais de metade do aumento da receita pública será consumido pela defesa.

O Governo anunciou a antecipação para este ano da meta de gastos em defesa de 2% do Produto Interno Bruto (PIB) e comprometeu-se, na cimeira da NATO, em aumentar o esforço progressivamente até chegar aos 5% em 2035. O plano e os detalhes sobre como o irá fazer ainda não são conhecidos, mas significará que, a um crescimento médio de 2%, o país daqui a dez anos estará a despender em defesa o equivalente a 2,5 vezes o orçamento da educação para este ano.

De acordo com cálculos para o ECO do economista Pedro Braz Teixeira, diretor do gabinete de estudos do Fórum para a Competitividade, se o PIB crescer em média 2% ao ano, daqui a dez anos a meta de 5% de despesa em defesa significará um esforço orçamental de mais de 18 mil milhões de euros, a preços de 2025.

Um valor que corresponde a cerca de 2,5 vezes e meia a verba prevista no Orçamento do Estado para a educação este ano (7,47 mil milhões de euros). Aliás, olhando para a despesa em educação, que nos últimos anos se tem mantido relativamente estável, é possível que os gastos em defesa ultrapassem já no próximo ano o investimento nesta área (ver gráfico).

powered by Advanced iFrame free. Get the Pro version on CodeCanyon.

Nota: Se está a aceder através das apps, carregue aqui para abrir o gráfico.

Depois de em 2023 Portugal ter sido o quinto país da União Europeia que menos gastou em defesa e de em 2024 ter alocado 1,58% do PIB ao setor, o correspondente a 4,48 mil milhões de euros, o primeiro-ministro decidiu acelerar o calendário para atingir já em 2025, e não em 2029, o objetivo de 2% do PIB. Para o alcançar, estimou que será preciso um esforço adicional de cerca de mil milhões de euros até ao fim deste ano.

A verba será destinada, de acordo com Luís Montenegro, ao “investimento direto em aquisições de equipamento, de infraestruturas, de valorização dos nossos recursos humanos”, antecipando metas da Lei de Programação Militar. O Chefe do Executivo argumenta que este é o caminho para que o país esteja em 2029 em posição de cumprir o objetivo final de 5% nos seis anos subsequentes.

Na cimeira da NATO, em junho, os 32 aliados da Aliança Atlântica reviram em alta a anterior meta de 2% e comprometeram-se em gastar, até 2035, 3,5% do PIB em despesas militares tradicionais, como Forças Armadas, equipamento e treino, e 1,5% do PIB em infraestruturas de cibersegurança, prontidão e resiliência estratégica. Contudo, o esforço levanta desafios orçamentais, que podem agravar-se caso o crescimento económico fique abaixo do esperado.

“O impacto é muito grande. Se continuarmos com este crescimento potencial à volta de 2%, metade do aumento da receita em termos reais vai para a defesa”, assinala Pedro Braz Teixeira em declarações ao ECO.

O impacto é muito grande. Se continuarmos com este crescimento potencial à volta de 2%, metade do aumento da receita em termos reais vai para a defesa.

Pedro Braz Teixeira

Diretor do gabinete de estudos do Fórum para a Competitividade

De acordo com as simulações feitas pelo economista, assumindo um crescimento médio da economia de 2%, o objetivo de Montenegro significa uma despesa total em defesa de 5,97 mil milhões de euros este ano, o correspondente a mais de metade da verba alocada à saúde no Orçamento do Estado para 2025.

“Vivemos num mundo de recursos escassos e a economia é feita de escolhas. Parece-me que poderá haver uma margem orçamental para que se possa subir a despesa com a defesa, repartindo o peso das balanças e, no final, as contas baterem certo. Há um mix de coisas que o Governo pode fazer, nomeadamente através de reduções de ineficiências”, considera Ricardo Ferraz, professor no ISEG e na Universidade Lusófona, em declarações ao ECO.

Para o economista, uma das soluções é “não registar um excedente tão elevado quanto poderia ser”, até porque não acredita que “o ministro das finanças deixe cair o país em défice por causa da defesa”.

João Leão, antigo ministro das Finanças do governo socialista de António Costa, já tinha alertado, em entrevista recente ao Jornal de Negócios (acesso pago), que vai ser um “grande desafio” manter um excedente este ano com uma subida de gastos para 2% do PIB.

Para Ricardo Ferraz, uma das soluções é “não registar um excedente tão elevado quanto poderia ser”, até porque não acredita que “o ministro das finanças deixe cair o país em défice por causa da defesa”.

Apesar do ritmo de aumento de investimento em percentagem do PIB não ter de ser linear e constante, no cenário traçado por Pedro Braz Teixeira partiu-se da hipótese de um aumento de 0,3 pontos percentuais a cada ano. Significa isto que os gastos subiriam, a preços de 2025, para sete mil milhões de euros no próximo ano e oito mil milhões de euros em 2027. Até 2035, os encargos aumentariam a um ritmo anual de mais de mil milhões de euros ao ano e um crescimento adicional acumulado de 12,2 mil milhões de euros.

O diretor do gabinete de estudos do Fórum para a Competitividade estima ainda que, neste cenário, a despesa necessária em defesa passa de ‘consumir’ 48% do correspondente ao acréscimo da receita fiscal e contributiva do Estado em 2026, aumentando progressivamente até 56% do arrecadado pelo Estado em 2035.

powered by Advanced iFrame free. Get the Pro version on CodeCanyon.

Nota: Se está a aceder através das apps, carregue aqui para abrir o gráfico.

O economista sublinha que estes valores revelam “uma pressão muito forte no resto da despesa pública”, o que “vai colocar uma grande pressão sobre o Estado Social”.

É um exagero dizer que vai colocar em causa o Estado Social, mas obrigará a uma grande contenção. Vai haver pouco dinheiro para aumentos, por exemplo”, considera, destacando que os encargos com pensões e saúde também terão um peso acrescido. Entre as restantes hipóteses de financiamento, elenca, pode estar ou uma subida de impostos, aumentar o défice e a dívida pública ou avançar com as reformas estruturais que aumentam o potencial de crescimento da economia.

Pedro Braz Teixeira alerta para “grande pressão sobre o Estado Social” e defende reformas que permitam uma taxa de crescimento da economia maior.

Neste sentido, o economista alerta que são necessárias reformas que conduzam ao potencial de crescimento da economia. Como exemplo, assinala que um crescimento da economia portuguesa de 2,6% em 2026 e 2,9% em 2029, conforme previsto no programa da AD, e a partir daí uma média de 3% ao ano, permitiria criar mais margem. Em 2035, em termos nominais e a preços de 2025 o investimento significaria 19,96 mil milhões de euros, mas por exemplo o valor corresponderia a 42% do acréscimo da receita fiscal e contributiva estimada para esse ano.

powered by Advanced iFrame free. Get the Pro version on CodeCanyon.

Nota: Se está a aceder através das apps, carregue aqui para abrir o gráfico.

“Sublinho a questão de se saber em que é que se vai gastar este aumento da despesa na defesa. Há a possibilidade de se traduzir num grande aumento de importações e não ser aproveitado pela economia portuguesa. É preciso criar condições para respondermos a este aumento da despesa através de produção interna, não só para Portugal, mas também para exportar”, assinala.

O primeiro-ministro, Luís Montenegro, discursa na abertura dos Land Defense Industry Days (Dias da Indústria da Defesa em Terra), no Quartel da Serra do Pilar, em Vila Nova de Gaia, 31 de março de 2025. FERNANDO VELUDO/LUSAFERNANDO VELUDO/LUSA

Aumento da dívida pública? Aposta é conjunta e isso “faz toda a diferença”

O Conselho Superior de Defesa Nacional analisou esta semana pela primeira vez os investimentos no setor até 2035 e a necessidade de rever a Lei de Programação Militar, apreciação que continuará depois do verão, segundo o Presidente da República.

Ninguém nega que o desafio será complexo, mas quer os Estados Unidos, quer a Comissão Europeia têm pressionado os países. O executivo de Ursula von der Leyen lançou em abril um plano de ataque e defendeu que, se os Estados-Membros aumentarem as despesas com a defesa em 1,5% do PIB, em média, poderão ser libertados 650 mil milhões de euros nos próximos quatro anos. Paralelamente, propôs a flexibilização das regras orçamentais para o aumento do investimento em defesa durante quatro anos, a partir deste ano.

Esta terça-feira, os ministros das Finanças da União Europeia deram o ‘ok’ ao pedido de ativação da cláusula de escape nacional de Portugal (e de mais 14 países), permitindo mais investimento em defesa sem que essa despesa conte para a avaliação do défice por Bruxelas.

Neste sentido, Portugal ficou autorizado a divergir e a exceder as taxas máximas de de crescimento da despesa líquida (que exclui a despesa com juros e as medidas não recorrentes) desde que não ultrapasse 1,5% do PIB. A ativação permite, contudo, apenas que quando Bruxelas avalie as contas nacionais não contabilize a despesa total com defesa (incluindo quer o investimento, quer as despesas correntes) na sua análise, incluindo a financiada através do Programa SAFE, com empréstimos a taxas de juros mais favoráveis.

Tenho a expectativa de que haja negociações políticas no sentido de usar ao máximo este 1,5%. A partir do momento em que uma indústria da defesa europeia já esteja mais desenvolvida e capacitada e aí tem mais lógica o aumento da despesa“, sublinha Pedro Braz Teixeira.

Porém, a despesa em que Portugal incorrer nesta área continuará a contar para a dívida pública. Contudo, o economista descarta que sendo uma tendência europeia o país seja fustigado. “É decidido em conjunto e isso faz toda a diferença. Uma coisa é um país que tem um aumento do défice e da dívida porque constrói estádios e toma decisões erradas, outra coisa é quando os países são todos obrigados a seguir uma determinada direção que aumenta a dívida pública“, argumenta, recordando que o mesmo aconteceu durante a pandemia.

Se a trajetória de descida da dívida pública portuguesa for menos acentuada por causa da despesa em defesa é porque, em princípio, assim é em toda a Europa. Não há razões para sermos especialmente penalizados. Seremos como todos os outros países, inclusive a Alemanha”, vinca.

Portugal tem defendido como solução a emissão de dívida comum europeia, que permitisse aos Estados-Membros uma espécie de Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para a defesa.

Portugal tem defendido como solução a emissão de dívida comum europeia, de modo a permitir aos Estados-Membros uma espécie de Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para a defesa. Como o ECO noticiou, numa carta endereçada à presidente da Comissão Europeia, o Governo português sustenta que a aposta na competitividade e na defesa não deve ser financiada com as verbas da coesão ou da Política Agrícola Comum (PAC).

O país não está sozinho na procura de soluções. Mas há quem tenha uma posição mais dura, como o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, que rejeitou a nova meta da NATO, considerando que a meta é flexível e que Espanha irá continuar a gastar 2,1% do PIB. Já o parlamento da Eslovénia aprovou a realização de um referendo sobre as despesas públicas com a defesa e na semana passada o primeiro-ministro daquele país, Robert Golob, sinalizou que apenas se comprometia com o objetivo de 2% este ano e de 3% até 2030.

No entanto, há quem deixe avisos a estes países. Esta semana, em entrevista à Lusa, a responsável do Parlamento Europeu pela Segurança e Defesa, Rasa Jukneviciene, disse que os críticos da posição dos países do Sul da União Europeia relativamente ao investimento em segurança têm aumentado no Estados bálticos e nos nórdicos.

Num documento de trabalho divulgado esta quarta-feira, Alessandra Cepparulo e Vito Ernesto Reitano, da Direção-Geral dos Assuntos Económicos e Financeiros da Comissão Europeia, sublinham que as trajetórias de despesa líquida recomendadas implicariam uma postura orçamental ligeiramente contracionista para a Zona Euro em 2026, mas este cenário poderá ser “amplamente compensado pelos Estados-Membros que utilizem” a flexibilidade das regras orçamentais e aumentem as despesas com defesa.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Chegar à meta de 5% da NATO obriga a gastar 2,5 vezes o orçamento para a Educação

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião