É possível recuperar os 3,34 mil milhões que os contribuintes colocaram na TAP?

PS e Chega vieram exigir que a privatização da companhia aérea permita recuperar o dinheiro que os contribuintes colocaram na companhia. Será uma missão impossível?

O anúncio da privatização de 49,9% da TAP pelo primeiro-ministro foi seguido pela exigência de PS e Chega de que o dinheiro colocado pelos contribuintes portugueses seja inteiramente devolvido. É uma missão possível? Ou “não casa com a realidade”, como afirmou o ministro das Finanças?

O primeiro ponto a esclarecer é qual a soma que está em causa. Considerando apenas os montantes que entraram na TAP após a pandemia, a conta chega aos 3.344 milhões de euros. Em 2020, o Governo de António Costa começou por avançar com um empréstimo de emergência de 1.200 milhões de euros. Valor que, em conjunto com juros de 59 milhões, acabaria por ser convertido em capital da companhia aérea. No âmbito do programa de reestruturação da TAP acordado com Bruxelas, há ainda que somar os 569 milhões em compensações pagas pelo Estado à TAP devido aos danos provocados pela Covid-19 e 1.516 milhões em aumentos de capital. A esta conta poderiam ainda ser adicionados os 55 milhões que foram pagos pelo Estado ao empresário David Neeleman pelos 22,5% que tinha da companhia aérea.

Após o anúncio da privatização, o líder do Chega, André Ventura, exigiu “a devolução aos contribuintes do dinheiro que já se investiu na TAP” e criticou Luís Montenegro por não conseguir “esclarecer como é que os contribuintes vão ser ressarcidos do dinheiro que lá colocaram”.

O novo secretário-geral do PS, José Luís Carneiro, defendeu que “os três mil milhões investidos pelo Estado na pandemia devem, no médio e longo prazo, ser objeto de reembolso aos contribuintes portugueses”.

Há desde logo uma contradição insanável entre esta exigência e a posição política dos dois partidos em relação à participação da TAP a alienar na privatização: quer o Chega quer o PS são contrários a uma venda maioritária, o que condicionou a ação do Governo e o levou a optar por alienar 49,9% do capital.

A maioria das aquisições anteriores por grupos de aviação foram com controlo maioritário, pelo que qualquer possibilidade de interferência do Governo irá inevitavelmente reduzir a avaliação.

Stephen Furlong

Analista sénior do banco de investimento Davy

Não só o encaixe para o Estado é menor, como uma venda minoritária, que não comporta um prémio de controlo do capital pelo comprador, reduz o montante que os interessados poderão oferecer. “A maioria das aquisições anteriores por grupos de aviação foram com controlo maioritário, pelo que qualquer possibilidade de interferência do governo irá inevitavelmente reduzir a avaliação e o interesse, mas o diabo estará nos detalhes”, afirma Stephen Furlong, analista sénior do banco de investimento irlandês Davy.

O modelo proposto pelo Governo atribuirá a gestão corrente ao futuro comprador de 44,9% das ações (as restantes 5% são para os trabalhadores), mas o Estado terá a última palavra em decisões estratégicas sobre rotas, o hub no aeroporto de Lisboa ou a localização da sede.

Será que vendendo 100% da TAP seria possível ressarcir os contribuintes?

A comparação feita pelo ministro das Finanças é elucidativa. “Devemos ser rigorosos e olhar para os factos e realidade. Se 49,9% da TAP valessem 3,2 mil milhões de euros, significaria que a TAP valeria 6,4 mil milhões de euros. A Air France-KLM, que tem seis vezes mais aviões e transporta seis vezes mais passageiros e está cotada em bolsa, vale 3 mil milhões de euros”, disse Miranda Sarmento no briefing após o Conselho de Ministros, em resposta a perguntas sobre os comentários do líder do PS.

Em números exatos e não redondos, a Air France-KLM tem um valor em bolsa de 2,89 mil milhões de euros. Um sexto seriam 482 milhões.

Se tivermos em conta que a TAP gerou em 2024 meios libertos de exploração (EBITDA) que são praticamente um quinto da companhia franco-neerlandesa (um rácio habitualmente usado), o valor total da transportadora portuguesa seria de 596 milhões de euros.

As últimas avaliações à TAP, encomendadas ao Banco Finantia e à consultora EY, não foram divulgadas. As anteriores, realizadas pelas mesmas entidades, apontavam para um valor de 1,1 mil milhões.

O analista financeiro independente Nuno Barradas Esteves avalia a TAP entre 1.720 e 1.745 milhões de euros, “recorrendo ao método dos cash-flows descontados e com base numa perspetiva prudente, ancorada nas quatro últimas transações e avaliações relevantes do setor — com destaque para a ITA Airways”.

Todos estes números ficam muito longe dos 3,34 mil milhões que os contribuintes colocaram na companhia aérea portuguesa e mostram a impossibilidade de cumprir a exigência de PS e Chega através de uma privatização parcial ou mesmo total. O montante da venda poderia ser complementado com o pagamento de dividendos ao Estado, mas chegar àquela soma demoraria décadas.

Impostos e contribuições sociais pagam injeção do Estado numa década

“Não é por aí que conseguimos que a TAP devolva à sociedade o que a sociedade nela aplicou”, afirma Miguel Frasquilho, que foi presidente do conselho de administração da empresa entre 2017 e 2021. “Sendo a TAP bem gerida, podia em dez anos devolver em triplo o que foi colocado entre 2020 e 2022”, refere, lembrando um artigo publicado no ECO em 2021, assinado em conjunto com o então CEO, Ramiro Sequeira.

Estamos a falar de empregos que são criados direta e indiretamente, do pagamento de impostos diretos e indiretos, das contribuições para a Segurança Social, das receitas fiscais do turismo, e do crescimento económico gerado. Sem a TAP estas receitas não existiriam.

Miguel Frasquilho

Antigo 'chairman' da TAP

Estamos a falar de empregos que são criados direta e indiretamente, do pagamento de impostos diretos e indiretos, das contribuições para a Segurança Social, das receitas fiscais do turismo, e do crescimento económico gerado”, aponta Miguel Frasquilho. “Sem TAP estas receitas não existiriam”.

Assumindo o dobro do IRS e Imposto do Selo pago pela companhia nos primeiros seis meses de 2024, comunicado à Assembleia da República pelo Governo, chega-se a uma soma de 189,8 milhões de euros. Fazendo o mesmo para as contribuições sociais, são mais 192,37 milhões. Todo junto perfaz 382,2 milhões. Numa década, a TAP terá entregue ao Estado 3.882 milhões de euros, mais do que foi injetado na companhia.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

É possível recuperar os 3,34 mil milhões que os contribuintes colocaram na TAP?

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião